TRF-3: Gestão Mairan Maia termina sob a marca do desrespeito a servidores e “normalização” da pandemia


07/03/2022 - Redação
Administração do Tribunal nos últimos dois anos tratou demandas com intransigência, e tentou impor à categoria os ônus e riscos da crise sanitária.

Ato em frente ao TRF-3 contra o trabalho presencial na pandemia, em agosto de 2020 (Foto: Gero Rodrigues)

A gestão do desembargador Mairan Maia na presidência do TRF-3 terminou na última semana, marcada pela pandemia de covid-19 e pela imposição de seus ônus e riscos aos servidores e servidoras da Justiça Federal da 3ª Região.

Nesta terça, 8 de março, ocorre a sessão solene de posse da sucessora, desembargadora Marisa Santos, cuja gestão teve início formalmente no último dia 2. O Sintrajud já havia solicitado audiência com a então presidente eleita, e seguirá defendendo as demandas da categoria perante a nova administração.

Mairan Maia assumiu a presidência em março de 2020, poucos dias depois da identificação do primeiro caso de covid no Brasil e algumas semanas antes da suspensão do expediente presencial em todo o Judiciário – o TRF-3 foi o último dos tribunais do Judiciário da União em São Paulo a adotar a medida, após insistência do Sintrajud.

O presidente do TRF-3, desembargador Mairan Maia, em reunião com o governador João Doria, em março de 2020 (foto: Sergio Andrade/Gov.SP).

Desde então, a administração do Tribunal travou um cabo de guerra com a categoria sobre o retorno ao expediente presencial e a proteção à saúde dos trabalhadores. A antecipação de medidas de reabertura foi um marco. Já no começo da pandemia o TRF-3 manifestou adesão irrestrita ao ‘Plano São Paulo’, com o qual o governo João Doria pretendeu flexibilizar as medidas de distanciamento social no estado. Muito criticado por diversos especialistas e pelo Sintrajud, o Plano, no entanto, voltava-se basicamente às atividades comerciais e recomendava que serviços administrativos fossem realizados remotamente.

É importante lembrar que, segundo seus próprios critérios e publicações, o Tribunal manteve alta produtividade com o trabalho remoto, na comparação com outros Regionais. Além disso, como se verificou em todo o serviço público, o TRF-3 obteve considerável economia de recursos durante a pandemia, reduzindo gastos com energia elétrica, por exemplo. Essa economia, no entanto, nunca foi revertida em melhores condições de trabalho.

Castigo

Em diversas ocasiões, o TRF-3 e a JF buscaram impor aos servidores o ônus da crise sanitária, cobrando, por exemplo, a compensação das horas não trabalhadas presencialmente. De maneira intransigente e sem paralelo em outros órgãos, a administração manteve exigência de compensação hora a hora de todo o período no qual as unidades judiciárias estiveram fechadas. A medida atinge inclusive servidores e servidoras cujas atividades não puderam ser executadas regularmente de forma remota, e a diretoria do Sindicato avalia que constitui um castigo contra quem não causou o fechamento dos locais de trabalho.

Os oficiais de justiça, segmento da categoria mais exposto ao risco de contaminação, foram particularmente penalizados com uma carga adicional e arbitrária de mandados para os que haviam ficado no trabalho remoto na capital, em razão de idade, comorbidades, ou outros fatores de maior risco em relação à covid. A decisão da gestão da Central de Mandados Unificada (Ceuni) teve o aval da alta administração.

O Sintrajud contesta todas essas medidas. Foram vários os requerimentos do Sindicato questionando as decisões da administração que reabriam os locais de trabalho e colocavam em risco a saúde de trabalhadores e jurisdicionados.

Ato em defesa da vida, no TRF-3, em julho de 2020. (Foto: Cláudio Cammarota)

Além disso, a categoria se manifestou em atos de protesto, abaixo-assinados e nas poucas reuniões com a administração, enfrentando sempre a intransigência do presidente. Em julho de 2020, a insistência do TRF-3, da JF e do TRE em retomar as atividades presenciais sem que a pandemia estivesse controlada já havia levado a categoria a se declarar em greve sanitária, por decisão de assembleia.

Postura temerária

Ao mesmo tempo em que ignorava os apelos dos servidores, a administração chegou a apresentar em um seminário organizado pelo CNJ medidas de segurança sanitária que só parcialmente eram aplicadas ou que ficavam a critério das chefias.

O Tribunal também nunca atendeu aos pedidos de informação do Sindicato sobre o número de contaminados pela covid-19 entre os servidores da 3ª Região. Foram várias mortes entre servidores, que poderiam ter sido evitadas.

Em diversas unidades o expediente presencial foi mantido inalterado com casos suspeitos e mesmo confirmados de contágio. Em dezembro de 2020, somente após visita do Sindicato foi fechado o fórum de Americana, que sem nenhuma medida funcionava normalmente no dia da morte de uma servidora, em decorrência de complicações da covid-19.

Desde novembro do ano passado, sem justificativa plausível, a administração do TRF-3 exige que cada unidade da 3ª Região tenha pelo menos 20% dos servidores em atividade presencial durante todo o horário de expediente, mesmo com a necessidade de agendamento prévio para atendimento presencial. Foi o único Tribunal a manter a exigência, sem qualquer recuo, ignorando até o aparecimento da Ômicron, variante mais transmissível do coronavírus que levou a uma nova explosão de casos.

Embora tenha exigido a presença de uma quantidade mínima de servidores, o Tribunal não se preocupou em estabelecer um número máximo, que pudesse evitar aglomerações. De modo coerente com essa postura temerária, o Tribunal chegou a convocar setores inteiros da área administrativa para participar de reuniões presenciais de apresentação da nova gestão, neste começo de março. Após questionamentos de servidores e provocação do Sindicato, a convocação foi cancelada.

Suspensão de pagamentos e corte de salários

Em meio a essa disputa em torno da proteção contra a covid, o TRF-3 seguiu implementando a reestruturação administrativa iniciada na gestão anterior, inclusive com a extinção, em plena pandemia, de duas varas no interior: em Guaratinguetá e em Presidente Prudente.

Para a digitalização dos processos, houve sobrecarga de trabalho e servidores foram convocados presencialmente mesmo durante os períodos mais críticos da pandemia. Já o  Balcão Virtual, imposto pelo CNJ a todos os tribunais do país, foi aberto no TRF-3 de forma abrupta e atabalhoada, conforme relataram ao Sindicato os servidores afetados pela implementação. Eles se sentiram desrespeitados em um treinamento oferecido pelo Tribunal a poucos dias da inauguração do novo serviço, que chegou a ser adiada, por tempo exíguo e insuficiente para a solução de todos os problemas apontados.

Servidores se mobilizam contra o trabalho presencial no TRF-3, em julho de 2020 (Foto: Arquivo Sintrajud)

Como nos outros ramos do Judiciário Federal, a gestão Mairan Maia seguiu a lógica do produtivismo, do “fazer mais com menos” e procurou adequar e até mesmo adiantar a 3ª Região, sem mediações, às restrições orçamentárias impostas ao serviço público desde a Emenda Constitucional 95/2016 (teto de gastos).

Em outubro de 2020, reiterando a postura “mais realista que o rei”, o desembargador chegou a suspender o pagamento de indenização de férias e adicionais de qualificação, além da nomeação de novos servidores e as progressões na carreira, entre outros cortes. A justificativa era ajustar as despesas de pessoal para supostamente cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Tribunal acabou voltando atrás após o Conselho da Justiça Federal (CJF) reconhecer que não foram ultrapassados os limites orçamentários estabelecidos pela Lei, havendo inclusive razoável margem de recursos.

Mais recentemente, o presidente determinou de forma arbitrária a redução dos salários de parte dos oficiais de justiça, com o corte da Vantagem Pecuniária Nominalmente Identificada (VPNI), que teve origem há mais de vinte anos na antiga função de cumprimento de mandados. Embora o tema esteja em discussão no TCU, não há ainda decisão definitiva nem determinação para o corte, que se tratou de uma opção do magistrado. O Sintrajud questiona judicialmente a medida.

Saúde: falta de verba

O Tribunal tem se mostrado mais diligente em conter gastos com servidores do que outras despesas.

No caso da saúde e da assistência médica, por exemplo, a gestão Mairan Maia nunca se empenhou em buscar nos órgãos superiores do Judiciário recursos para a suplementação orçamentária dessa rubrica, como vem defendendo o Sintrajud e fizeram diversos outros Tribunais, a fim de proteger os servidores do aumento exorbitante das mensalidades dos planos de saúde.

Nesses anos, na avaliação do Sintrajud de maneira injustificável, o TRF-3 nem chegou a executar todo o orçamento autorizado para a saúde e, em consequência, teve sob a gestão Mairan Maia a menor média de gasto per capita com saúde entre os TRFs.

Ainda assim, na fase de preparação do edital de licitação do novo plano, em substituição ao operado pela Amil, o Tribunal propôs a cobrança de coparticipação, mecanismo pelo qual os usuários pagam parte dos serviços e procedimentos utilizados, além das mensalidades regulares. A proposta foi abandonada após forte reação dos servidores e do Sindicato.

A nova licitação foi anunciada às pressas pelo Tribunal, sob a justificativa de desinteresse em renovação pela operadora, tendo sido prorrogado o contrato então vigente apenas pelo tempo necessário para uma nova contratação, para surpresa dos servidores. O processo teve uma única interessada, a operadora Seguros Unimed, que assumiu com preços contratuais mais de 20% superiores aos anteriores. Servidores já relatam problemas de atendimento e cobertura com o novo plano, que serão levados pelo Sintrajud à administração.

O reajuste do orçamento para assistência médica autorizado pelo CJF para 2022, de 45,30% em relação aos anos anteriores, não foi suficiente sequer para cobrir os novos preços, e os servidores estão tendo de arcar com uma nova tabela desde janeiro, mais cara para a maioria das faixas.

Além de maior participação da administração no custeio, o Sindicato defende ainda a continuidade dos estudos sobre a viabilidade da implementação do modelo de autogestão. O grupo de estudos formado na gestão anterior para analisar o assunto (com a participação do Sintrajud) encaminhou um relatório, mas não se teve notícia de nenhuma providência do Tribunal durante a gestão do desembargador.

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