Seminário discutiu como opressão de gênero tira direitos das mulheres


18/03/2022 - Luciana Araujo
Evento promovido pelo Coletivo de Mulheres no dia 5 de março discutiu importância de o feminismo formular sobre a diversidade das mulheres; fala misógina de deputado sobre ucranianas e brasileiras foi rechaçada.

No primeiro seminário realizado neste ano pelo Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis, no sábado (05 de março) em formato online, foram abordados temas como o enfrentamento à transfobia, ao racismo e ao capacitismo. A atividade reivindicou a necessidade de um feminismo que assegure direitos à maioria da população feminina, o que impactará em melhores condições de vida para todos os que hoje são explorados.

“Ao assegurarmos direitos à parcela mais marginalizada da sociedade, como as mulheres trans e travestis e negras, estaremos garantindo direitos para toda a população trabalhadora”, ressaltou a servidora da saúde municipal de São Paulo e co-vereadora Carol Iara, mulher intersexo travesti negra que vive com HIV.

O capacitismo é uma forma discriminatória de tratamento a pessoas com deficiências ou condições de vida “não típicas” – como autismo, síndrome de Down, doenças raras ou algum transtorno psíquico. O movimento de defesa dos direitos das pessoas com transtorno do espectro autista classifica como “típica” a população que se autodenomina como “normal”, evidenciando que dificuldade de aceitação de condições de vida diversas é também um mecanismo de opressão, que desumaniza o outro e nega direitos.

A atividade também ressaltou que a luta por direitos para a população em geral é uma pauta feminista. “Se o SUS não tem investimento a gente não tem diagnóstico, tratamentos, terapias”, destacou Mariana Lopes. Também servidora pública no município de Olímpia, Mariana foi a outra convidada ao evento. Ela é autista com diagnóstico tardio e servidora pública municipal na cidade de Olímpia.

Mariana pontuou como o machismo e o racismo afetam o acesso a direitos de pessoas com transtorno do espectro autista. Se acordo com ela, o autismo em mulheres parece se manifestar mais sutil, resultando muitas vezes em sintomas ignorados, “porque a gente aprende a mascarar desde muito cedo, com as ordens que costumamos receber: ‘senta direito’, ‘se comporta’. Também há um subdiagnóstico de pessoas negras e trans pela dificuldade de acesso a bons médicos”, afirmou.

A palestrante também criticou as políticas segregacionistas. “As escolas especializadas geram segregação, impedem as crianças típicas de conviverem com a diferença e nos impede de conviver com elas também”, disse.

Já Carolina lembrou que a rejeição familiar e a recorrente expulsão de pessoas transexuais de casa, aos 13, 14 anos, contribui decisivamente para a realidade que coloca a maioria dessas mulheres em situação de prostituição compulsória. “Eu tive o privilégio de ser aceita pela minha família, mas não é assim para muitas de nós”, lembrou a parlamentar.

Os preconceitos com pessoas diversas também leva à deficiência de dados oficiais sobre essas populações, potencializando desigualdades e dificultando a formulação de políticas públicas.

Carolina destacou os sucessivos cortes de verbas para o Censo do IBGE, atrasado desde 2020 e agora previsto para agosto deste ano com um questionário que deixará de fora muitas perguntas sobre especificidades populacionais.

Mariana lembrou que o Brasil ainda disponibiliza poucas vagas no mercado de trabalho para pessoas com deficiências, e que em geral essas parcas oportunidades não consideram condições de vida para além da Síndrome de Down e impedimentos físicos. O resultado é que pessoas com condições específicas ou doenças raras são empurradas para o subemprego.

Carolina Iara também questionou o fato de que, em ano eleitoral, muitas vezes as demandas das populações oprimidas – mulheres, negros, LGBTs, pessoas com deficiências – são deixadas de lado. Ela defendeu que o feminismo e os movimentos sociais não podem negociar direitos, mesmo num cenário difícil, no qual a tarefa prioritária é impedir a reeleição de Jair Bolsonaro e derrotar o bolsonarismo. “[É nossa tarefa] não deixar diminuir direitos de quem ainda tem e exigir que quem não tem direito nenhum tenha”, disse. “A gente não pode cair na armadilha de rebaixar o nosso programa”, alertou.

Nesse aspecto, foram destacados pelas palestrantes o investimento na seguridade social e a contratação de servidores em número suficiente para reduzir as filas para obtenção de Benefício de Prestação Continuada (BPC). E também a construção de casas públicas e outras políticas para pessoas com deficiência cujos cuidadores ou responsáveis falecem, como existe em outros países, e o acesso a políticas que assegurem o direito de maternidade. O desenvolvimento de ações para proteger os direitos de mulheres com deficiência, que hoje no Brasil sofrem risco triplicado de abuso sexual na infância e quadruplicado de violência sexual na vida adulta, foi outro tema pontuado. “A falta de um pacto social e a autoestima muito baixa levam a que muitas mulheres autistas vivam uma vida de relacionamentos abusivos”, apontou ainda Mariana.

O evento aconteceu um dia após as declarações misóginas do deputado estadual Arthur do Val (Mamãe Falei) sobre as mulheres ucranianas e brasileiras, e o evento aprovou sugestão de que o Coletivo de Mulheres e o Sindicato manifestassem repúdio à postura do parlamentar — o que foi encaminhado em nota publicada no dia 9 deste mês (leia aqui).

Assista às apresentações e falas das palestrantes:

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