Quatro anos depois, assassinatos de Marielle e Anderson seguem sem respostas


14/03/2022 - Luciana Araujo
Tuitaço e "amanheceres por Marielle", além de atos nesta segunda-feira em todo o Brasil e em diversos países cobram justiça e responsabilização dos mandantes. Ato em SP tem início às 17h no Largo da Batata.

Hoje, 14 de março de 2022, completam-se quatro anos da execução brutal da vereadora fluminense Marielle Franco (PSOL). O ataque destinado à parlamentar matou também Anderson Gomes, que conduzia o veículo, e deixou além da viúva, Ágatha, um filho com então apenas um ano e que vivem com uma síndrome ligada à má formação intestinal no abdome. O motorista foi atingido nas costas por ao menos três disparos, e a Marielle recebeu na cabeça quatro dos 13 projéteis.

A assessora que estava no carro, Fernanda Chaves, conseguiu escapar sem ferimentos, mas convive com o trauma de ter visto os dois amigos mortos e hoje vive sob proteção de organismos como a Anistia Internacional e com medo de não saber sequer de quem ainda precisa se proteger e se sua vida continua em risco.

Passados quatro anos do crime sem diversas respostas, movimentos sociais e organizações de direitos humanos seguem buscando justiça e reparação às famílias. Em todo o Brasil e em diversos países, como já se tornou uma parte triste do calendário da militância, haverá atos recolocando a pergunta “Quem mandou matar Marielle Franco?”

Na capital paulista o ato, como no Rio, terá um sarau político com a participação de artistas, lideranças políticas e ativistas. O protesto terá início às 17 horas no Largo da Batata, Zona Oeste de São Paulo, na saída do metrô Faria Lima.

Pela manhã aconteceu um tuitaço, com as hashtags #4AnosSemRespostas #JustiçaPorMarielleEAnderson e #QuemMandouMatarMarielle.

Mudanças de equipes, pistas falsas e federalização

Após diversas mudanças nas equipes que investigam o caso e no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, a família se vê às voltas com novas “linhas de investigação”.

O coordenador do Gaeco que assumiu o caso no ano passado, Bruno Gangoni, afirmou à imprensa às vésperas deste dia 14 não ter certeza de que foi um crime político. O assassinato de Marielle, no entanto, foi planejado por ao menos quatro meses (como já ficou comprovado) e realizado em uma emboscada na saída da vereadora de um debate com outras mulheres negras. O carro da vereadora foi perseguido por quatro quilômetros até uma área no bairro do Estácio onde cinco das onze câmeras de tráfego da prefeitura estavam desligadas.

Ainda em 2018, a investigação apurou que as balas que atingiram Marielle e Anderson foram roubadas de um depósito da polícia federal e pertenciam ao mesmo lote das munições utilizadas por policiais militares do estado de São Paulo na execução de 23 pessoas, no episódio que ficou conhecido como a Chacina de Osasco e Barueri, ocorrida em 2015.

Também em 2018, uma testemunha depôs à polícia fluminense e tentou envolver o ex-vereador Marcello Siciliano (PHS) na morte da colega. Posteriormente a hipótese foi descartada. Além de Siciliano, o ex-PM e miliciano Orlando Curicica também foi apontado por envolvimento nos assassinatos. Em depoimento à DHPP, Curicica mencionou o ‘Escritório do Crime’, grupo miliciano ao qual seriam ligados os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Lessa é réu pela autoria dos disparos e Queiroz foi acusado de ser o motorista do carro clonado usado nos crimes. Os dois estão presos, mas o julgamento ainda não foi marcado.

A partir do depoimento de Orlando Curicica, uma série de investigações foram deflagradas. Como resultado dos inquéritos derivados, 65 pessoas foram presas por outros crimes. Os mandantes do assassinato de Marielle, no entanto, ainda não foram descobertos.

Em novembro de 2018 a polícia federal e o MPRJ abriram apuração sobre possível obstrução nas investigações do caso Marielle. E em setembro de 2019, a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) de interferências na investigação, além de pedir que o caso fosse federalizado. A família da vereadora foi contra a federalização, que tornaria mais difícil o acompanhamento e facilitaria a interferência direta do presidente da República, Jair Bolsonaro, que já fez diversas declarações de desdém sobre os crimes e ofensivas a Marielle. A Terceira Seção do STJ decidiu contra o deslocamento de competência por unanimidade, em 2020 (leia aqui).

A família de Marielle questiona a morosidade no andamento das investigações. “A partir do caso Marielle e Anderson, outros homicídios e crimes como tráfico de armas e extorsões foram esclarecidos. Mas, a pergunta de quem mandou matar Marielle e por quê, segue sem respostas, e com contornos cada vez mais confusos”, aponta nota no site do instituto que recebeu o nome da vereadora e é dirigido por sua irmã, Anielle Franco.

Interferências na PF

O superintendente da polícia federal no Rio de Janeiro à época do crime, Carlos Henrique Oliveira, foi tirado do cargo no dia 13 de maio de 2020, sendo nomeado para o segundo cargo administrativo da corporação, mas longe das investigações. Em 24 de abril daquele ano, o ex-juiz Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro denunciando interferências do presidente da República na PF.

Em reunião ministerial ocorrida dois dias antes da demissão de Moro, cuja gravação foi tornada pública pelo STF, Bolsonaro havia declarado que “é verdade” que ele interferia na polícia federal, o que é ilegal. No evento, a ministros e outros integrantes do primeiro escalão governamental, o presidente disse textualmente:

“É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” (Jair Bolsonaro, em transcrição do Instituto Nacional de Criminalística)

O inquérito que apura interferências presidenciais foi prorrogado até o próximo dia 27 de abril pelo ministro Alexandre de Moraes. A investigação foi pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em razão das declarações de Moro, e autorizada pelo então decano do STF, Celso de Mello, que se aposentou em outubro de 2020.

Moro afirmou em depoimento no inquérito, que o presidente da República teria enviado a ele mensagem por aplicativo afirmando: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”. Além de Carlos Henrique, outros cinco superintendentes regionais da PF foram trocados logo após a saída de Moro do Ministério.

14 perguntas ainda sem resposta:

1) Quem mandou matar Marielle?

2) Por quê a vereadora foi assassinada?

3) Quem determinou o desligamento das câmeras de segurança no trajeto percorrido pela vereadora na noite da morte dela?

4) Por que a Google ainda não entregou os dados solicitados pelo MP e a Polícia Civil?  *Os órgãos solicitaram ao provedor informações de pessoas que pesquisaram sobre Marielle e termos conexos pouco antes do assassinato. Em 2021, a Quarta Turma do STJ decidiu em outro processo, por unanimidade, que provedores têm que fornecer as informações dos responsáveis por postagens falsas e ataques à memória e à honra da vereadora na internet (leia aqui).

5) Qual é a ligação do responsável pela clonagem do carro usado pelos executores de Marielle com o crime e o grupo de milicianos ligado a Adriano Nóbrega e o Escritório do Crime? * Em fevereiro de 2020, o também ex-PM e miliciano Adriano Nóbrega foi morto numa operação policial no Sul da Bahia logo após ter sido ligado ao caso. Adriano fora homenageado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro e denunciado por integrar o esquema que ficou conhecido como ‘rachadinha’ (devolução de parte do salário de assessor contratado ao contratante) no gabinete do parlamentar filho o1 do presidente da República.

6) Qual é a conclusão das investigações sobre o extravio das munições e armas da Polícia Federal usadas no crime?

7) Por que não existe uma atuação coordenada das instâncias em níveis estadual e federal para elucidação do caso Marielle e Anderson?

8) Por que houve tantas trocas no comando da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, responsável pela investigação?

9) Houve tentativa de fraude nas investigações? Por quem?

10) Foi aberto um inquérito pela Polícia Federal para apurar as interferências na investigação do caso. Por que em meio a estas investigações, o superintendente regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro foi trocado?

11) Por que o governo brasileiro não forneceu todas as informações demandadas pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas?

12) Por que as recomendações da Comissão Externa realizada no âmbito do Congresso Nacional, no ano de 2018, ainda não foram implementadas? * Uma Comissão Externa foi criada na Câmara dos Deputados para acompanhar as investigações. O colegiado recomendou: a criação de um mecanismo externo e independente para acompanhamento do caso; ajuizamento de ação de deslocamento de competência pela PGR; apreciação de projetos de proteção a defensores de direitos humanos e controle social sobre a segurança pública; e o estabelecimento de políticas e mecanismos de controle efetivo de armas e munições pelo Estado brasileiro.  A Comissão expediu ainda uma série de documentos solicitando respostas de autoridades que continuam em aberto (leia aqui).

Com informações do Instituto Marielle Franco

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