As declarações do ministro Gilmar Mendes, defendendo a redução de atribuições da Justiça do Trabalho e de direitos trabalhistas, que o jurista definiu como ultrapassados, expressam um pensamento que ganhou força entre seus pares e que faz rir os grandes empresários.
“A grande pergunta que se fará no futuro é que órgão judicial vai decidir esses conflitos que virão das relações não mais de emprego, mas nas relações de trabalho em geral, como, por exemplo, o que chamam de uberização. Se isso irá para a Justiça do Trabalho ou para a comum”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico e ao Anuário da Justiça Brasil 2024, que será lançado em maio no STF.
Não é uma questão de opinião ou a constatação de um fato, como tenta transparecer. É a defesa de um projeto, cujo objetivo central é aumentar a exploração de quem trabalha, pagando cada vez menos por isso e criando-se a modalidade do trabalhador formal praticamente sem direitos — e que ainda arca com os ‘meios de produção e de serviços’.
Projeto que vem acompanhado da tentativa de descaracterizar o trabalhador como trabalhador, intenção escancarada com a investida contra a Justiça do Trabalho.
Não bastasse o violento assalto do governo Temer e da maioria dos congressistas em 2016 contra os direitos trabalhistas, ‘reforma’ também elogiada por Gilmar Mendes, agora se avança na descaracterização do trabalhador. ‘Somos todos empresários’, parece ser o mote desta investida macabra. Porém, os lucros, provenientes do trabalho alheio, estes só alguns poucos os detêm.
Nesta articulação, o STF já determinou a repercussão geral para um caso de litígio entre um trabalhador de aplicativo e a plataforma Uber. Uma decisão que, na visão de muitos juristas, face o alto risco de resultado contrário aos trabalhadores, pode contaminar todas as demais relações de trabalho, abrindo uma avenida para a ‘urberização’ generealizada no Brasil. Aliás, a repercussão geral desta ação foi o primeiro voto do mais novo ministro do STF, Flávio Dino.
Risco, alias, que o projeto de lei enviado pelo governo Lula ao Congresso para ‘regulamentar’ o trabalho para aplicativos de transporte também corrobora: a formalização de uma relação trabalhista praticamente sem direitos e que poderá ter a Justiça comum, e não a Trabalhista, para julgar litígios envolvendo o motorista do aplicativo versus uma gigante multinacional do ramo.
É o que defende Gilmar Mendes. É o que outros ministros do STF vêm defendendo, embora não todos. Não é novidade o ataque à Justiça do Trabalho. Já tenta-se desmontá-la há décadas. Agora, busca-se acelerar isso ‘extinguindo-se’ fantasiosamente uma classe social, e consequentemente os direitos a ela reservados na relação de trabalho.
A diretoria do Sintrajud reafirma, diante dos ataques do ministro e do governo Lula à Justiça do Trabalho e aos direitos trabalhistas, a necessidade de revogação das ‘reformas’ trabalhista e previdenciárias. Não existe democracia sem garantia de direitos para todos os trabalhadores e trabalhadoras.
É grave a ameaça que paira sobre a Justiça do Trabalho. Porém, ela é uma face visível desta trama. O que se pretende é uma vida sem direitos, e sem aposentadoria, para quem trabalha e gera as riquezas de uma nação. E hoje o ramo Trabalhista do Judiciário é visto como uma pedra neste caminho.
Algo que se dá de forma acelerada e feroz, neste momento, para enormes parcelas de trabalhadores em situações mais precarizadas. Mas que, inevitavelmente, caso não seja detido, refletirá também sobre os setores que ainda preservam direitos, inclusive servidores e servidoras públicas – aliás, a combatida ‘reforma’ administrativa caminha neste sentido.
É ilusório creditar tais movimentações aos avanços tecnológicos. A tecnologia é uma poderosa ferramenta que pode, e deve, ser usada para ampliar direitos e construir uma sociedade mais justa – ou menos injusta e desigual. O fato é que está sendo usada por quem detém o seu controle no sentido barbaramente contrário.
Lutar para deter esse bonde do atraso, que traz junto setores tanto liberais quanto conservadores da extrema direita, transvestidos de modernos e contemporâneos, é talvez o maior desafio hoje posto para a classe trabalhadora, seja do setor privado, seja do setor público.
São Paulo, 03 de abril de 2024.
Diretoria Executiva