Mulheres negras marcham em SP pelo direito ao bem viver e contra o genocídio negro


27/07/2023 - Giselle Pereira
Evento levou cerca de 7 mil mulheres às ruas do centro antigo e contou com diversas intervenções culturais e políticas que marcaram o dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.

 

Fotos: Arquivo Sintrajud

No dia 25 de julho, a 8ª Marcha de Mulheres Negras de São Paulo ocupou as ruas do centro velho de São Paulo. O Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis participou do ato. Com emoção, após a leitura do manifesto, em frente à Biblioteca Mario de Andrade, a atividade foi finalizada.

O tema deste ano foi “Mulheres negras em marcha por um Brasil com democracia! Sem racismo! Sem violências! Sem anistia para os fascistas! Justiça por Marielle Franco e Luana Barbosa! Por nós, por todas nós, pelo Bem Viver!”. A mobilização chamou a atenção da população circulante, que parou para ouvir falas de denúncia ao racismo e em defesa do bem viver.

Durante a marcha, as mulheres levantaram não só questões nacionais, mas também regionais, trazidas por participantes de diferentes municípios de São Paulo. No palco montado na Praça da República, de onde a marcha partiu, lembraram que o Brasil, que foi solo da brava luta de Tereza de Benguela, hoje é o país onde mulheres negras representam 66% do total de assassinadas, de acordo com o Atlas da Violência 2021. “Encorajamos a denúncia da violência doméstica contra mulheres, sobretudo as negras, maiores vítimas”, disse umas das organizadoras da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo (MMNSP).

Como ocorre tradicionalmente, o ato contou com o cortejo do bloco afro Ilú Obá De Min, que contribui com a popularização da cultura negra no Brasil e o fortalecimento das mulheres negras. Com instrumentos de percussão, ao som de cantos e com a dança de bailarinas, a atividade de rua ganhou um colorido todo especial envolvendo as todas e todos na caminhada. Fundado em 2004, o bloco é um dos projetos da entidade Ilú Obá de Min – Educação Cultura e Arte Negra.

Ao longo da marcha, iniciada por volta das 20h30, pedidos de justiça por Marielle Franco e Luana Barbosa foram recorrentes. O assassinato da vereadora carioca, sempre lembrado pelo movimento de mulheres negras, ganhou ainda mais destaque às vésperas da manifestação. No dia 24 de julho, foi revelada a delação premiada em que Élcio Vieira de Queiroz, ex-policial militar e motorista do carro usado no atentado contra a vereadora que afirmou que outro ex-PM, Ronnie Lessa, foi o autor dos cinco disparos que atingiram a cabeça da representante do Legislativo Municipal do Rio de Janeiro. Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018.

Luana Barbosa dos Reis morreu em 13 de abril de 2016 após de espancada por três policiais, na frente do filho que então tinha 14 anos e ela levava a um curso, após se recusar a ser revistada por homens durante uma abordagem no município de Ribeirão Preto. Mãe, negra e lésbica, sofreu politraumatismos que a levaram à morte cinco dias após as agressões atestadas como causa da morte.

Genocídio negro é um projeto

As mulheres negras também denunciaram o genocídio da população negra, destacando que negras e negros são a maioria dos mortos. Em 2021 foram 84,1% das mortes em intervenções policiais, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Uma realidade que historicamente coloca as forças de segurança e a população negra, diariamente, em lados opostos.

Joana Silva Brás, jovem de apenas 15 anos, que participou da atividade acompanhada da mãe e de duas amigas da mesma idade, destaca que o genocídio negro é um projeto que está em curso. “O Estado Brasileiro se beneficia da nossa dor e dos nossos corpos”, conclui a moradora da cidade de Carapicuíba (Grande São Paulo), destacando que a ausência de políticas públicas garantidoras de direitos reflete no extermínio de vidas negras.

No mesmo dia do ato (25), 12 PMs acusados pela chacina de Paraisópolis, Zona Sul da capital paulista, começaram a ser julgados.  A primeira sessão da audiência de instrução ouviu 10 testemunhas e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) marcou a segunda parte para 18 de dezembro. Só então haverá decisão se o caso irá a júri popular, expectativa da defesa dos familiares. No dia 1 de dezembro de 2019, durante o baile da DZ7, nove jovens negros foram mortos no episódio que ficou conhecido internacionalmente como o Massacre de Paraisópolis.

Durante o ato, familiares dos jovens e movimentos sociais distribuíram panfletos em denúncia do caso e pediram justiça.

Dia de luta, dia de celebrar

A concentração para a manifestação começou às 17h30, na Praça da República. O ato contou com a participação de diversos movimentos sociais e populares. O término ocorreu por volta das 22h, em frente à Biblioteca Mário de Andrade, com sarau de poesias e leitura do manifesto (confira aqui). Além disso, fizeram uma saudação a integrantes e referências que morreram no último período. A manifestação ocorre desde 2016 anualmente na data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

O 25 de julho é celebrado desde 1992, quando aconteceu o 1° Encontro Latino-americano e Caribenho de Mulheres Negras, na República Dominicana, com o objetivo de ressaltar que apesar das diferenças continentais, o racismo e a misoginia tornam muito similares as realidades e demandas das mulheres afrodescendentes na região. A partir de 2014, no Brasil, a data homenageia também Tereza de Benguela, liderança do Quilombo do Quariterê, região do atual estado do Mato Grosso, que a historiografia registrou como exímia estrategista de guerra e dirigente política.

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