Movimento negro denuncia genocídio com ato nacional nos 133 anos de abolição inconclusa


13/05/2021 - Luciana Araujo
Manifestações acontecem após chacina cometida por policiais na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, ressaltando que ida às ruas é porque "foram nos matar dentro de casa".

Hoje o Brasil completa 133 anos da promulgação da Lei Áurea com a pandemia escancarando a histórica desigualdade sociorracial no país, razão pela qual os movimentos sociais negros ressaltam que a abolição da escravatura nunca se efetivou completamente, quase um século e meio depois. O 13 de maio é fruto das lutas antiescravagistas, mas as violações de direitos no acesso da população negra às vacinas, leitos de internação, risco de morte, emprego, moradia e justiça seguem e se ampliaram em meio à crise sanitária, assim como a violência policial.

Diante da segunda maior chacina praticada por policiais no Rio de Janeiro, na semana passada, que levou à morte de 28 pessoas na favela do Jacarezinho, movimentos antirracistas realizam neste 13 de maio em todo o país manifestações sob o lema “Nem bala, nem fome e nem covid. O povo negro quer viver”. Na capital de São Paulo o ato terá início às 17 horas, no vão do Masp, e acontecerão protestos em outras cidades no interior (veja lista ao final deste texto). A diretoria do Sintrajud manifesta solidariedade e estará representada no protesto da capital.

Diante dos riscos de contágio pelo novo coronavírus, os organizadores vão distribuir máscaras N95 ou PFF2 arrecadadas em campanhas de solidariedade, álcool gel e respeitar as demais regras sanitárias. Além disso, alertam que a necessidade de manifestações de rua em defesa de uma parcela da população que teve pouco direito ao isolamento social também responde ao fato de que agentes do estado “foram nos matar dentro das nossas casas”, como destacado no ato em homenagem ao menino João Pedro no ano passado e, agora, em relação aos moradores da favela do Jacarezinho que tiveram suas residências invadidas e crivadas de tiros.

Letalidade policial

Levantamento realizado pela equipe do Monitor da Violência do portal G1 apontou que no primeiro semestre do ano passado ao menos 3.148 pessoas foram mortas em operações policiais em 26 estados brasileiros e no Distrito Federal (o Estado de Goiás não informou seus dados). O número representou um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2019, apesar das restrições de circulação populacional. A guerra à pobreza com forte perspectiva racista também mata policiais, embora muito menos que as vítimas civis.

No dia 18 de maio de 2020, o adolescente João Pedro de Mattos, de 14 anos, foi morto a tiros de fuzil, após policiais invadirem sua casa durante uma operação das polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro, na cidade fluminense de São Gonçalo. Desmascarando o argumento comumente usado pelos agentes do Estado para justificar tais execuções, o menino não tinha “envolvimento com atividades ilícitas”, era religioso e estudava. João Pedro ficou desaparecido por 14 horas, e depois foi divulgado que os policiais levaram o corpo inerte do garoto num helicóptero até a Zona Sul da capital daquele estado, distante 20 km do local do crime.

No Jacarezinho, no último dia 6 de maio, 27 das 28 vítimas eram civis. Inicialmente o comando da Polícia Civil afirmou em entrevista coletiva que a operação – realizada em descumprimento a decisão do STF que proibiu incursões desse tipo nas comunidades fluminenses durante a pandemia – que os mortos seriam ligados ao crime. Ainda que fossem, no Brasil não há previsão legal de execuções sumárias e o Estado tem que respeitar suas leis, cumprindo o devido processo legal.

O vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão, chegou a declarar ter “quase certeza” de que as vítimas seriam “tudo bandido” (sic), à revelia da responsabilidade que o cargo coloca para ele. Dias depois a Ordem dos Advogados do Brasil identificou que ao menos sete pessoas não tinham sequer registro policial de ilegalidades e 20 chegaram aos hospitais já mortas, o que indica fraude em cena de crime.

Racismo estrutural

A naturalização com que a mídia e setores da sociedade tratam a expressão “não tinha passagem” em episódios como os de João Pedro, das vítimas do Jacarezinho e outros assassinatos praticados por agentes do Estado também refletem o racismo estrutural contra o qual os atos de hoje se levantam. É uma forma de banalização de que há vidas que podem ser tiradas. E no Brasil, 7 em cada 10 vítimas de mortes violentas são jovens negros de até 29 anos, o risco de morrer de covid-19 pode ser até 81% maior para negros do que para a população branca enquanto apenas 19% deste segmento populacional majoritário já consegui ser imunizado. 

Estudo do IPEA divulgado nesta quarta-feira (12 de maio) aponta que o desemprego entre pretos e pardos cresceu mais do que entre trabalhadores e trabalhadoras brancos. A taxa de ocupação passou de 55,1%, em 2015, para 45,9%, em 2020, enquanto, no caso dos brancos, o percentual também caiu de 57,5%, em 2015, para 51,2%, em 2020. “O estudo comprova que houve aumento tanto na transição para desemprego e/ou inatividade quanto a redução na entrada para ocupação de forma mais intensa para os negros em 2020”, aponta o Instituto.

Os salários de pessoas negras em cargos de mesma responsabilidade de pessoas brancas também costuma ser até 67% no caso das mulheres em relação a homens.

Confira a agenda dos atos no estado

Atibaia, em frente à rodoviária da cidade, às 10h.

Bauru, em frente à Câmara Municipal, às 17h.

Campinas, no Largo do Rosário, às 18h.

Ilha Bela, Praça do Pimenta de Cheiro, às 17h.

Jacareí, no Pátio dos Trilhos, 17h.

Santos, na Praça José Bonifácio, ao meio-dia.

São José dos Campos, na Praça da Igreja Matriz, 16h.

São Paulo, no vão livre do MASP, 17h.

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