Em 2023 também vencemos: ‘reforma’ administrativa não tramitou graças à pressão das categorias


05/12/2023 - Niara Aureliano
O Sintrajud, mais uma vez, foi ativo na luta para derrotar a PEC 32, que ataca estabilidade, permite reduzir salários, diminui contratação de servidores por concurso e abre caminho para ‘uberização’ no serviço público

(Foto: Valcir Araujo)

“A retirada de pauta mais uma vez da PEC 32, não há dúvida, é resultado do processo de mobilização da classe trabalhadora. As mobilizações que acontecem agora invocam o acúmulo de forças de 2021 e sinalizam que não vamos aceitar que essa reforma seja pautada”, declarou o ex-diretor do Sintrajud, servidor do TRT-2 e coordenador da Fenajufe e da CSP-Conlutas Fabiano dos Santos sobre a notícia de que a reforma administrativa não tramitará em 2023.

O governo Lula/Alckmin anunciou para 2024 o envio de minutas de projetos de lei para uma reestruturação da máquina pública que abarque o fim dos “supersalários”, mas que também prevê ataques ao funcionalismo e aos serviços públicos, como a extinção de carreiras e abertura da possibilidade de ingresso no funcionalismo sem concurso pública.

Para o Sintrajud, os últimos meses de mobilização dos servidores públicos foram determinantes para consumar a vitória que impediu a tramitação novamente em 2023, ano no qual o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP/AL) fez pressão para votar a ‘reforma’ desde o primeiro dia do ano legislativo.

PEC 32 derrotada em 2021

Ante à possibilidade de aprovação da proposta de ‘reforma’ administrativa de Jair Bolsonaro (PL) e Paulo Guedes, respectivamente o ex-presidente da República e seu ministro da Economia, servidoras e servidores públicos brasileiros fizeram história em 2021.

Em ato na Câmara em 2021, dirigentes de entidades da categoria encenaram compra de votos. (Foto: Scarlett Rocha)

Em mais de 14 semanas ininterruptas de mobilização em Brasília, o Sintrajud, a federação da categoria (Fenajufe), diversos sindicatos de base e todas as centrais sindicais derrotaram unificadamente a proposta de desmonte dos serviços públicos, que visa atacar a estabilidade dos empregos, permite reduzir salários, diminui a contratação de servidores via concursos e abre caminhos para a chamada ‘uberização‘ no serviço público.

Toda a estrutura do Sindicato também atuou em conjunto para demonstrar a gravidade da proposição e as consequências de sua aprovação para os serviços públicos no Brasil, com a produção de relatórios, materiais impressos e digitais; campanhas à categoria para que pressionasse os parlamentares, participação nas consultas públicas promovidas pelo Congresso Nacional e articulação com parlamentares em Brasília.

A resistência e resiliência dos servidores públicos, em unidade, gerou reação de parlamentares da extrema direita, como o ex-deputado federal Vinicius Poit (Novo-SP), que reagiu com agressividade a manifestações que “recepcionavam” os parlamentares no Aeroporto de Brasília, em frente à Câmara dos Deputados e em seu escritório na capital paulista. Após votar favoravelmente à PEC 32 em comissões da Câmara, Poit foi um dos que viu se concretizar o recado do funcionalismo: “Se votar, não volta!”. Acabou não reeleito.

Após reação agressiva contra os manifestantes, o gabinete do deputado Vinicius Poit (Novo-SP) foi “visitado”, em 12/11/2021, em mobilização contra a PEC 32. (Foto: Jesus Carlos)

A campanha na mídia hegemônica pela aprovação da proposição era intensa. Deputados tentaram costurar acordos para aprovar a proposta; mas os servidores, por outro lado, os expunham em suas bases eleitorais e reforçavam as movimentações em defesa do funcionalismo.

Derrotar a ‘reforma’ administrativa durante o governo Bolsonaro foi uma grande resposta do movimento organizado dos trabalhadores em tempos de destruição acelerada da coisa pública e ataques às instituições.

‘Reforma’ sob o governo Lula/Alckmin

A vitória de Lula (PT) ao mais alto cargo Executivo do país não enterrou a proposta. Já no dia 18 de janeiro, o Sintrajud protocolou, após reunião das centrais sindicais com o presidente Lula, um documento defendendo o direito à data-base e revisão anual dos salários do funcionalismo, bem como a realização de concursos públicos, rejeitando terceirizações e outras medidas que precarizam os serviços públicos, recordando a luta contra a PEC 32. Acesse o documento aqui. O novo governo, por seu turno, começou a falar em “modernização” dos serviços públicos e instituiu inclusive um ministério da Gestão e Inovação, mas as linhas gerais até hoje formuladas pela ministra Esther Dweck (que comanda o MGI) e Fernando Haddad (Fazenda) não no sentido da precarização e esvaziamento das garantias constitucionais.

Fabiano dos Santos na reunião das centrais sindicais com o presidente Lula, em janeiro.

Em julho de 2023, o deputado Arthur Lira deixou o funcionalismo em alerta quando anunciou a tentativa de retomar a tramitação dda PEC. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020 estaria pronta para ser analisada pelo plenário da Casa, garantiu Lira, durante seminário promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em São Paulo.

No dia seguinte, em 25 de julho, a Mesa Nacional de Negociação Permanente com o governo Lula tinha como primeiro ponto de pauta a PEC 32. Então diretor do Sintrajud, o servidor do TRT-2 Fabiano dos Santos foi categórico: “Dissemos ao governo que queremos o fim definitivo da PEC 32 de Bolsonaro”.

Isso porque o secretário de Relações do Trabalho José Lopez Feijó alegou que o regimento interno da Câmara não permitiria que o governo retirasse a proposta de tramitação, mas que o solicitasse ao presidente da Casa Legislativa e apoiador da proposta, Lira, considerando ainda a possibilidade de um revés neste procedimento. Na prática, a postura governamental colocando aos servidores a responsabilidade por um tiro que poderia sair pela culatra — a possibilidade de, assim, a pauta avançar na Casa.

“Nesse momento, pedi a palavra e disse que o que queríamos era a efetiva retirada da PEC, que nossa reivindicação é que o governo construa essa retirada”, contou Fabiano dos Santos. O posicionamento do Sintrajud foi ratificado pelas demais entidades sindicais.

No segundo semestre de 2023, categorias do funcionalismo público realizaram mobilizações e o Sintrajud, mais uma vez como referência nacional na atuação em defesa dos serviços públicos e das movimentações unificadas entre diversos setores do funcionalismo municipal, estadual e federal, esteve na linha de frente da luta.

Marcos Trombeta e Antônio Melquíades (Sintrajud) e Elizabeth Zimmermann (SindMPU). (Foto: Valcir Araujo)

Parceria Sintrajud e SindMPU-SP

No bojo das lutas por mais verbas para financiar a assistência em saúde nos tribunais, antecipação da parcela da recomposição salarial de 2025 para 2024 e pela aprovação do Projeto de Lei 2342, os diretores do Sintrajud Antônio Melquíades e Marcos Trombeta, acompanhados da dirigente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do MPU e da Escola Superior do MPU, Elizabeth Zimmermman, passaram semanas em Brasília em novas articulações com os parlamentares e autoridades.

Nos diálogos, buscavam comprometimento com as demandas dos trabalhadores e o compromisso de vetar propostas fatiadas e infralegais sinalizadas pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

O diretor Antônio Melquíades (o Melqui) se reuniu com a assessoria especial do ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, em 1º de setembro, para cobrar o compromisso de campanha do governo Lula/Alckmin contra a ‘reforma’ administrativa.

Como cerne dessa atuação, a denúncia do novo arcabouço fiscal, lógica do teto de gastos sociais que prevaleceu sob o governo Lula/Alckmin. O majoritário direcionamento de recursos para o pagamento de juros aos credores das dívidas públicas mantém e amplia os benefícios aos grandes bancos, enquanto penaliza a população cortando investimentos dos serviços públicos que atendem brasileiros e brasileiras, afirma a diretoria do Sintrajud.

A direção do Sindicato também vem denunciando a lógica fiscal que privilegia os verdadeiros ricos e poderosos e o corporativismo da magistratura. Leia mais aqui.

Lutas contra a PEC 32 que buscaram envolver setores do funcionalismo culminaram nas mobilizações de 3 de outubro e 8 de novembro, em defesa também das estatais, contra as privatizações. Mobilização que seguiu com mais uma greve no último dia 28 de novembro.

O Sindicato reforça que não aceitará nenhuma proposta de ‘reforma’ administrativa que retire direitos dos trabalhadores e enfraqueça os serviços públicos.

“É um momento importante para uma reflexão de que nós precisamos seguir enfrentando qualquer proposta de reforma que ataque os serviços públicos e os direitos trabalhistas. Essa é uma perspectiva importante que precisa fazer parte da continuidade da mobilização porque sabemos que muitas vezes uma pauta neoliberal, como essa pode voltar na forma de outra proposta”, avaliou Fabiano.

O governo Lula/Alckmin já ventila propostas que dão conta da extinção de carreiras, terceirização do nível médio das carreiras, fim de concursos públicos. O Ministério da Gestão abriu em setembro grupos de trabalho da Mesa Nacional de Negociação Permanente, com foco na reestruturação de carreiras do serviço público.

“Isso já aconteceu anteriormente com a proposta de reforma da Previdência do [governo Michal] Temer, que não vingou devido a uma grande greve geral da classe trabalhadora e posteriormente foi aprovada no governo Bolsonaro e transformaada na Emenda Constitucional 103. São reflexões para nós, classe trabalhadora, no sentido de que precisamos seguir a mobilização contra qualquer proposta de reforma administrativa que ataque os serviços públicos e os direitos”, emendou.

O servidor do TRT-2 e coordenador da Fenajufe Thiago Duarte participou de audiência pública na Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira (27), sobre a reforma administrativa.

Apesar da narrativa de que o funcionalismo brasileiro é oneroso aos cofres públicos, na verdade, só com juros e amortizações da dívida pública foram gastos 46,30% do orçamento federal executado em 2022, o equivalente a R$ 1,879 trilhão. Apontados como “inimigos das contas públicas”, os servidores se veem excluídos do Orçamento 2024 — resultado já da política de arrocho fiscal que o governo indica querer manter nos próximos anos. Como demonstrou o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Núcleo alagoano da Auditoria Cidadã da Dívida, José Menezes, durante debate sobre a carreira judiciária organizado pelo Sintrajud em outubro deste ano (leia aqui).

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