Reforma trabalhista volta a colocar o Brasil na “lista suja” da OIT


19/06/2019 - helio batista

Ato em defesa da Justiça Trabalhista, no Fórum Ruy Barbosa, em 21 de janeiro de 2019. (Foto: Cláudio Cammarota)

 

Sem gerar os empregos prometidos pelos que a defendem nem trazer nenhum outro benefício aos trabalhadores brasileiros, a reforma trabalhista aprovada ainda no governo Temer (MDB) colocou o Brasil novamente na “lista suja” da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Reunião anual da OIT na semana passada. (Foto: Crozet M./OIT)

A entidade realizou na semana passada, em Genebra, a reunião anual que marca seu centenário. Na terça-feira (11), a OIT anunciou a lista de 24 países que serão examinados com prioridade devido a suas práticas trabalhistas. O Brasil foi incluído na lista ao lado de países como Egito, Turquia, Mianmar, Iêmen, Iraque e Etiópia. Na América Latina, também serão examinados Bolívia, Nicarágua, Honduras, Uruguai e El Salvador.

O governo Bolsonaro enviou à reunião o secretário do Trabalho, Bruno Dalcolmo, que no sábado (15), discursou atacando os peritos da organização. Dalcolmo acusou os especialistas da OIT de agir com parcialidade, de utilizarem critérios políticos e de basearem sua argumentação em jornais de sindicatos.

Além das críticas ao trabalho dos peritos, cuja conclusão deve ser anunciada oficialmente ao governo nesta semana, o Brasil busca mudar as regras da OIT para dar mais influência aos governos nas decisões da Organização. A OIT é a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, com representantes patronais, de governos e de trabalhadores (ver box).

O representante do grupo de trabalhadores Marc Leemans citou até a greve geral da última sexta-feira para responder às críticas do governo brasileiro. Leemans disse que Brasília precisa entender os sinais da greve de 14 de junho e que a reforma trabalhista foi “devastadora”, com redução da cobertura de direitos e aumento do desemprego.

Uma resposta ainda mais contundente, no entanto, veio da União Europeia, que saiu em defesa da OIT e de seus peritos. O bloco de 28 países não chegou a citar diretamente o governo Bolsonaro, mas afirmou que “a UE e seus estados apoiam os padrões da OIT e seu mecanismo de supervisão”, acrescentando que o grupo vai se manter firme “contra qualquer tentativa de enfraquecer ou minar o sistema”.

Por outro lado, o Brasil recebeu apoio dos governos de Argentina, Colômbia, Panamá e Chile, além de quatro países que também estão na “lista suja” – Argélia, Filipinas, Índia e Egito – mais Angola, China e Rússia.

Reforma já foi questionada em 2018

O Brasil já havia sido incluído na relação de países suspeitos de violar direitos trabalhistas no ano passado, também por causa da reforma aprovada em 2017. Na ocasião, o governo acusou a OIT de atender a motivações político-partidárias, de não levar em conta as posições do governo e dos empresários e de não esperar pelos resultados da reforma.

Os peritos da OIT apontavam entre os pontos da nova legislação que poderiam desrespeitar tratados internacionais a prevalência do negociado sobre o legislado, a negociação direta entre trabalhadores e patrões sem a mediação sindical e a possibilidade de trabalhadores serem contratados como pessoas jurídicas para burlar o pagamento de direitos trabalhistas.

A reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) foi acusada de violar a Convenção 98 da OIT, que trata do direito de organização e de negociação coletiva e que foi ratificada pelo Brasil em 1952.

O país também foi questionado sobre os progressos no combate a regras discriminatórias de gênero para contratação, especialmente em relação aos direitos das trabalhadoras domésticas, conquistados em 2015.

Apesar dos questionamentos, o Brasil conseguiu evitar uma condenação pela OIT em 2018. A Organização pediu que o governo brasileiro analisasse o impacto da reforma e que fizesse uma revisão da nova legislação em consulta às entidades sindicais.

 Ataque à Justiça Trabalhista

Passado mais de um ano, porém, o país caminhou no sentido contrário ao das recomendações da OIT. O número de desempregados atingiu 13,2 milhões de brasileiros na última medição do IBGE, praticamente o mesmo contingente de quando a reforma foi aprovada sob a promessa de que o barateamento da força de trabalho criaria empregos.

Em relação às entidades sindicais, o governo Bolsonaro editou em março a Medida Provisória  873, que veda a consignação em folha de pagamento dos descontos voluntários de trabalhadores para seus respectivos sindicatos.  Segundo o Ministério Público do Trabalho, a MP desrespeita a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que data de 1998. A Medida também é alvo de ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Noemia Porto, presidente da Anamatra. (Foto: Laycer Tomaz – Câmara dos Deputados)

“O que mais nos preocupa no impacto da reforma no mundo trabalhista é a falta de acesso à Justiça do Trabalho”, afirmou a juíza Noemia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ao comentar a nova inclusão do Brasil na “lista suja”da OIT. “Dá a impressão de que os conflitos diminuíram. Pelo contrário: eles permanecem. Mas estão fora dos olhos da justiça”, disse a juíza, numa entrevista ao site “Metrópoles”.

Em novembro do ano passado, a Anamatra informou aos peritos da OIT os dados sobre o primeiro ano de vigência da reforma trabalhista. Em dezembro, foi a vez de as centrais sindicais entregarem à OIT um documento com denúncias de violações aos direitos trabalhistas provocadas pela reforma.

As centrais denunciaram também o não cumprimento da Convenção 151 da OIT, que assegura aos trabalhadores e trabalhadoras do serviço público o direito a uma negociação coletiva justa.

Fabiano dos Santos, diretor do Sintrajud (Foto: Cláudio Cammarota)

Na esteira da reforma trabalhista, veio também a ameaça de fechamento da Justiça do Trabalho. “O discurso que tem sido apresentado é que a Justiça Trabalhista traz risco para o trabalhador, e isso não é verdade, este ramo só se torna um ‘risco’ na medida em que os direitos dos trabalhadores são sistematicamente descumpridos pelos empregadores”, afirmou o diretor do Sintrajud Fabiano dos Santos, num evento realizado pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) em janeiro deste ano.

“O que está por trás deste discurso é que a solução para esta crise é retirar direitos. A ‘reforma’ trabalhista já demonstrou que esta não é a solução, na medida em que um ano e meio depois, é perceptível que a única coisa que aumentou foi a precarização”, disse Fabiano.

 

Um século de OIT

Organização nasceu do Tratado de Versalhes e agora mira os desafios da 4ª revolução industrial.

Criada em 1919, a OIT ganhou o Prêmio Nobel da Paz quando completou 50 anos, em 1969. Sua fundação resultou do Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Ainda sob o impacto do conflito e da Revolução Russa (1917), a entidade foi instituída como agência da Liga das Nações, que precedeu a Organização das Nações Unidas (ONU), e com uma estrutura tripartite que inclui representações de governos, trabalhadores e empregadores.

Em 1944, os princípios da OIT foram atualizados com a adoção da Declaração da Filadélfia, que antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Segundo a Declaração, o trabalho não pode ser considerado mercadoria, a liberdade de expressão e a liberdade sindical são essenciais a um progresso duradouro, e a pobreza constitui um perigo para a prosperidade de todos.

Já como uma das agências da ONU, a Organização abriu seu escritório no Brasil em 1950. Sua atuação no país tem destacado a promoção do trabalho decente, o que envolve o combate ao trabalho forçado, ao trabalho infantil e ao tráfico de pessoas, assim como a defesa da igualdade de oportunidades e tratamento, entre outros temas.

Guy Rider, diretor-geral da OIT. (Foto: Crozet M./OIT)

O Brasil ratificou sete das oito convenções fundamentais da OIT. A única convenção fundamental ainda não ratificada é a de número 87, de 1948, que trata da liberdade sindical. A Constituição de 1988 adotou o regime da unicidade sindical (uma única organização sindical para cada categoria numa mesma base territorial), enquanto a Convenção 87 implica a pluralidade sindical.

Dirigida pelo britânico Guy Rider (foto à dir.), de origem sindicalista, a OIT considera que seus desafios para os próximos anos estão ligados à chamada quarta revolução industrial. A Organização alerta para o risco de que as mudanças tecnológicas dominem o debate e chama a atenção para a necessidade de se discutir também a organização do trabalho, a globalização, a mudança climática e a demografia.

No ano passado, durante a reunião do G-20 na Argentina, Rider ressaltou que os países devem reorganizar a aprendizagem ao longo da vida, reforçar a proteção social e não deixar ninguém de lado.

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