O Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis participará da manifestação que marca o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e de Tereza de Benguela, em 25 de julho, por ‘reparação histórica e bem viver’. A concentração para a mobilização acontece na Praça República, Centro da capital, a partir das 17h30. De lá, após um ato político-cultural, o grupo percorrerá as principais ruas da capital paulista em cortejo precedido por ialorixás e o bloco afro Ilú Obá de Min. A atividade é uma articulação suprapartidária, supra-religiosa, autônoma e independente de governos.
As mulheres denunciarão as diferentes formas de racismo e violências agravadas pelas condições de gênero e raça impostas cotidianamente à população negra, e em paralelo, vão celebrar a data em homenagem a Tereza de Benguela, quilombola, símbolo da luta por liberdade e por um mundo sem exploração. Pedirão justiça por Marielle Franco e Luana Barbosa: mães, negras e lésbicas assassinadas em crimes que permanecem impunes e a todas as mães que têm seus filhos assassinados em chacinas pelas polícias do Estado brasileiro.
À véspera do ato, as novas revelações sobre o caso Marielle Franco demonstram a importância de manter as denúncias e cobranças em evidência nas lutas populares para que os crimes não sejam esquecidos e os mandantes sejam responsabilizados. O ex-PM Élcio Queiroz negociou delação com a Polícia Federal e apontou que a arma usada para matar a vereadora fora extraviada do paiol do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) após um incêndio, noticiou o portal UOL (aqui a íntegra do depoimento).
Todos os anos, diversos coletivos e ativistas que se aglutinam na coletiva Marcha de Mulheres Negras de São Paulo desde 2016 se reúnem para decidir um tema para o Julho das Pretas que dialogue com a conjuntura estadual e nacional. Nesta edição, a 8ª Marcha do 25 de Julho tem como mote ‘Mulheres Negras em marcha por um Brasil com democracia! Sem racismo! Sem violências! Sem anistia para fascistas! Por Marielle Franco e Luana Barbosa! Por nós, por todas nós e pelo bem viver!’
O grupo produz todos os anos um manifesto amplamente divulgado e distribuído durante o ato para a população (confira aqui o deste ano). Nele foi destacado que “inúmeras ações de luta têm sido construídas pelo movimento de mulheres negras porque grande parte da sociedade – incluindo governos e alguns movimentos sociais – ignoram que em função do racismo patriarcal e cisheteronormativo – as mulheres negras e indígenas do Brasil são as que ocupam os mais baixos extratos sociais e se encontram nos territórios invadidos e explorados, nas favelas, nas periferias e nas ruas, recebendo pouca ou nenhuma assistência de governos e do estado”, salienta trecho, que reitera como um desafio da maioria das mulheres negras é viver, não apenas sobreviver.
Entre as diversas pautas, será reafirmada, uma vez mais, a unicidade da luta das mulheres negras, cis e transgêneras, contra as opressões racistas, machistas e LGBTQIA+fóbicas decorrentes da estrutura social capitalista, articulando as perspectivas de gênero, raça e classe.
Ainda de acordo com o manifesto, o Brasil tem desafios fundamentais para o povo negro, sendo alguns deles: garantir refeição diária para mais de 33 milhões de pessoas, sendo quase 80% mulheres e crianças negras; erradicar definitivamente o trabalho escravo; reverter a situação de pobreza extrema, muito presente entre mulheres negras, e que alcançou os piores índices durante o governo anterior, cuja agenda de extrema direita, portanto racista, misógina, Lgtbtfóbica, potencializada por discurso de ódio contra os mais vulneráveis, levou cerca de 10% da nossa população a estar nesta situação; tirar o país do ranking de primeiro lugar de assassinatos de pessoas trans e travestis no mundo; combater o genocídio do povo negro que segue em curso. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil em 2021, 78 eram negras. Em 2010, essa proporção era de 66,9%. Além disso, mulheres negras representarem 62% das vítimas de feminicídio.
A atividade de mobilização segue em solidariedade também às mulheres indígenas que lutam contra o Marco Temporal, o Projeto de Lei (PL) 490/2007. A tese ameaça os direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988, particularmente em seu Artigo 231, que garante, categoricamente, os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las”. O Marco, que tramita no Senado agora como PL 2.903/2023, representa uma ameaça histórica às populações indígenas, além disso, coloca em risco a biosfera de diversas regiões, que serão colocadas à disposição de madeireiros, mineradoras e do agronegócio, como denuncia o movimento de mulheres.
Ainda sobre a pauta fundiária e a defesa dos territórios tradicionais, demarcação e titulação, as manifestantes apontarão a política do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que durante sua administração, estagnou a regularização das terras quilombolas, o que gerou invasões e despejos durante a pandemia. Espera-se que, agora, o governo Lula (PT) cumpra com as promessas de campanha e dê continuidade ao processo de demarcação aos territórios quilombolas. De acordo com o Mapa de Conflitos – Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, comunidades quilombolas em todo o território brasileiro sofreram ameaças e tiveram áreas desmatadas por fazendeiros.
Além de pontuar a luta pela extinção do feminicídio, LGBTfobia, mortalidade materna, violência obstétrica e racismo ambiental também denunciarão o racismo religioso. De acordo com o II Relatório sobre Intolerância Religiosa, organizado com apoio de diversas representações, houve aumento dos casos de intolerância religiosa no país. Terreiros estão sendo incendiados e destruídos por milícias, traficantes e grupos religiosos ligados a essas facções. Em algumas situações, o desaparecimento dos territórios comunais se dá por parte do poder público, como foi o caso do terreiro de Mãe Zana, em Carapicuíba (Grande São Paulo), onde a prefeitura, sem diálogo com as lideranças religiosas, de forma autoritária, demoliu a Casa sob justificativa das obras de canalização do Córrego do Cadaval, em 2022. (saiba mais).
O 25 de julho foi instituído no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. No Brasil, desde 2014 a efeméride resgata também a história da primeira mulher a comandar um quilombo – território de resistência à escravização e embriões de organizações sociais de tipo republicano, não centralizados e hierarquizados com base em critérios dinásticos. Tereza de Benguela foi reconhecida na historiografia como líder do Quilombo do Quariterê, atual Estado do Mato Grosso, por ao menos quatro décadas.