Em São Paulo, negros e pardos são 4 vezes mais infectados por coronavírus que brancos


20/07/2020 - Shuellen Peixoto
Pesquisadores também apontam que a incidência do vírus também é maior entre a população com menor escolaridade; no Judiciário, desigualdade racial também é gritante..

Foto: Carolina Grabowska/Livre utilização

Pessoas negras (pretas e pardas) são quatro vezes mais infectadas pelo coronavírus do que as brancas na cidade de São Paulo, aponta a pesquisa realizada pelo projeto SoroEpi MSP. O resultado é produto do recolhimento de amostras de sangue entre os dias 15 e 24 de junho. Entre os que se autodeclaram negros e negras, 19,7% já possuíam anticorpos contra a covid-19, ou seja, tiveram contato anterior com o vírus, entre os pardos são 14%. Já entre os que se declaram brancos o porcentual é de apenas 7,9%.

O estudo separou distritos com maior e menor renda, segundo dados do IBGE. Foram realizados exames sorológicos em 1.183 pessoas, todas maiores de 18 anos, em 115 regiões diferentes da cidade – foram sorteados 12 domicílios em cada região. Nos distritos com a metade mais pobre da população a taxa de infectados é 2,5 maior que no restante. Além disso, entre as pessoas com ensino superior, a soroprevalência é 4,5 vezes menor do que entre os que não completaram o ensino fundamental.

Essa não é uma realidade somente do município de São Paulo. Segundo nota técnica assinada pelos pesquisadores do NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde),  mais da metade das pessoas negras que estiveram internadas em hospitais do Brasil para tratar casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), com confirmação de covid-19, morreram. Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.

Os números chamam atenção e comprovam que a epidemia de covid-19 no Brasil reflete o racismo estrutural e a desigualdade social. Num país fundado sobre a violência da colonização e da escravização baseada no racismo, até hoje esses elementos são parte estruturante da sociedade brasileira e marcam as vidas dos cidadãos e das cidadãs negros e negras.

Mesmo com toda a propaganda de que não existe racismo no país, ainda hoje, negros e negras seguem majoritariamente em postos de trabalho mais precarizados, com salários menores e sendo a maioria da população carcerária. Segundo a pesquisa do IBGE, em 2018, o rendimento médio domiciliar per capita de pretos e pardos era de R$ 934, enquanto o dos brancos era R$ 1846, quase o dobro (veja aqui).

Esta realidade também fica evidente na representação no Congresso Nacional, apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018 são negros e negras.

No Judiciário

No serviço público, onde a possibilidade de acesso é menos desigual em razão do ingresso por concursos, as diferenças de acesso a escolaridade imposta pelas segregação econômica, social e regional prejudicam mais à população negra.

Mesmo sendo 56,10% da população brasileira, em parte das carreiras públicas no país há menos de 20% de pessoas negras ou pardas.  O Judiciário enquadra-se nesta situação. Segundo o levantamento feito pelo Fenajufe (ver matéria aqui), os dados do Censo 2019 do CNJ indicam que apenas 18% dos servidores do Judiciário são negros.

Em São Paulo, o Sintrajud questionou nos tribunais a composição étnico-racial entre os servidores, e apenas o TRE não respondeu. Na Justiça Federal são 11,94% de servidores pretos e pardos, sendo 2,29% negros e negras, e 9,65% pardos. Já no TRF-3 o número é um pouco maior, são 2,16% pretos e 11,7% pardos, totalizando 13,97%.

No TRT-2, segundo a pesquisa de Clima Organizacional de 2019,  16% dos servidores são negros, sendo 14,3% pardos e 1,7% pretos. A pesquisa também aponta que, além das dificuldades no acesso, a discriminação também é presente no cotidiano: 2,6% dos servidores declararam que já sofreram alguma violências étnicorracial no Tribunal.

Vidas negras importam!

Outro dado que evidencia a segregação racial é  que os negros e negras são a maioria entre os que morrem em decorrência de ações de agentes de segurança do Estado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, 74,5% das pessoas assassinadas em intervenção policial são pretas ou pardas.

A situação não é exclusivamente brasileira, nos Estados Unidos explodiram grandes manifestações pelo direito dos negros e negras a uma vida livre da violência e da brutalidade policial. Os atos que ganharam as ruas das cidades norte-americanas com o lema black lives matter (vidas negras importam) tiveram como estopim a morte do agente de segurança George Floyd, no estado de Minnesotta, no dia 25 de maio. Floyd foi imobilizado sob o joelho do policial Derek Chauvin durante nove minutos, indo à morte por asfixia.

Os atos ultrapassaram as fronteiras dos Estados Unidos e aconteceram em vários países, inclusive no Brasil. Na opinião da diretora de base Raquel Morel, servidora do TRE, as manifestações ganharam força em todo mundo pela crise econômica e sanitária agravada pela pandemia de coronavírus, que empurrou milhares de trabalhadores para situações de desamparo.

“O levante de negros no coração do capitalismo são uma reação justa e necessária ao racismo cruel, é uma revolta potencializada de maneira enorme pela crise econômica e pelos efeitos da pandemia”, afirmou Raquel. “No Brasil foi grito de revolta contra o genocídio da população negra e contra o governo Bolsonaro e a sua política racista e genocida, que empilha a cada dia mais mortos vítimas da pandemia”, finalizou a diretora de base.

A diretoria do Sintrajud apoiou as manifestações em São Paulo ocorridas em junho (veja matéria).

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