Eleito sob denúncias de compra de votos, Lira diz que PEC que reduz salário de servidor é prioridade


02/02/2021 - Helcio Duarte Filho
Presidente da Câmara diz que 'reforma' administrativa é prioridade e se cala sobre pedidos de impeachment; em dia de atos, servidores defendem reação urgente da categoria.

O deputado federal Arthur Lira (PP/AL), eleito presidente da Câmara dos Deputados na noite da segunda-feira, 1º de fevereiro, para mandato de dois anos, disse logo após assumir o cargo que a PEC Emergencial (186/2019) e a ‘reforma’ administrativa (PEC 32/2020) são prioridades e precisam ser resolvidas o mais brevemente possível. Lira teve o apoio do presidente Jair Bolsonaro e representa o ‘Centrão’, conjunto de partidos que hoje dão sustentação ao governo federal. Foi eleito sob denúncias de compra de votos por Bolsonaro.

A PEC Emergencial (PEC 186/2019) prevê a redução de salários e jornadas de servidores e de serviços públicos prestados à população. O parlamentar citou ainda como prioridades a votação do orçamento da União para 2021 e a busca de uma forma de instituir algum auxílio social na pandemia. Explicitamente, fez uma vinculação entre os quatro pontos prioritários e o teto de gastos fixado pela Emenda Constitucional 95 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não fez menções aos mais de 60 pedidos de abertura de processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro parados na Câmara.

Ato dos servidores: não à ‘reforma’ administrativa

Poucas horas antes do início da sessão que elegeu Lira, do lado de fora do Congresso Nacional representantes de entidades sindicais nacionais dos servidores realizaram um ato simbólico, organizado pelo Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais) e outras organizações representativas do funcionalismo. O Sintrajud e a Fenajufe, participaram desse dia nacional de mobilizações do setor.

As entidades protocolaram na Câmara manifesto no qual rejeitam a ‘reforma’ administrativa, defendem os serviços públicos prestados à população, a vacinação urgente contra a covid-19 e a volta do auxílio emergencial para pessoas em vulnerabilidade social. A manifestação, que combinou participação presencial com virtual pelas redes sociais, também criticou o presidente Jair Bolsonaro e cobrou a abertura do processo de impeachment. Entre os manifestantes, consenso sobre a necessidade de o funcionalismo reagir e se mobilizar amplamente para enfrentar os projetos que seriam postos em pauta na Câmara, seja quem fosse o presidente eleito.

Discurso: pautas emergenciais

Em seu discurso de quase 15 minutos, ao lado de aliados e do deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), a quem sucederá no cargo e que defendia a candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB/SP), Arthur Lira não mencionou quais seriam as suas prioridades. Falou genericamente em uma pauta de assuntos emergenciais e frisou a necessidade de vacinar toda a população.

Pouco depois, porém, em entrevista à rede de TV CNN, pontuou quais pautas emergenciais defenderia para o início da gestão. “Nós temos a pauta social, temos a pauta econômica e temos que resolver as questões orçamentárias. Temos matérias em comum entre o Senado e a Câmara. Vou procurar amanhã [Rodrigo Pacheco (DEM/MG), presidente eleito do Senado], para que a Câmara tenha uma pauta de matérias próprias, como a reforma administrativa e a reforma tributária, e o Senado com a PEC Emergencial. E que nós possamos instalar a Comissão Mista de Orçamento, para que o Brasil tenha orçamento e possa gerir as suas despesas com tranquilidade e previsibilidade. Esses quatro assuntos precisam ser encaminhados muito rapidamente, porque tem muita gente que está fora do cadastro único, sem auxílio emergencial, sem orçamento para fazê-lo e a gente tem que discutir com muita clareza, com muita rapidez, com muita persistência e com muita firmeza esses quatro assuntos. Isso é o que eu chamo de uma pauta emergencial, rápida, própria, para que o Brasil comece a destravar e sinalizar para um futuro de crescimento esse ano”, disse Lira.

O deputado disse ainda que o auxílio emergencial “foi absolutamente indispensável num momento da pandemia”, mas que o país não tem mais como pagar milhões de pessoas com o valor de R$ 600,00. Neste momento, fez referência entre isso e a redução de salários de servidores, por meio do ‘gatilho’. “Nós temos que fazer o nosso dever de casa. Câmara e Senado têm que discutir a PEC Emergencial com todas as suas nuances, com desvinculação, com descontingenciamento, com possíveis gatilhos, com a PEC administrativa, com reforma tributária. Esse tripé, lógico e essencial, tem que calçar as condições necessárias para que um pouco do social entre”, defendeu.

Também ensaiou, ao final, uma possível relação entre vacinas e essas medidas, como se o atraso na vacinação decorresse da falta de recursos públicos. Sinalizou aí, talvez, um novo viés para o discurso contrário aos servidores e servidoras, justamente o setor mais envolvido nos trabalhos que asseguraram o início da vacinação, apesar do explícito boicote de Bolsonaro à vacina. “Temos que diminuir as divergências e todos trabalharmos firmes e juntos para construirmos possibilidades de conseguirmos vacinas e insumos para vacinar todos os brasileiros o mais rápido possível”, disse.

Eleição na Câmara

Lira obteve 302 votos, contra 145 dados ao deputado Baleia Rossi (MDB/SP). Ambos defendiam a ‘reforma’ administrativa e a votação da PEC Emergencial. A eleição foi marcada por denúncias de interferência ilegal do presidente da República, Jair Bolsonaro, que teria negociado cargos e liberação de verbas públicas em emendas parlamentares em troca de votos para Lira. Segundo levantamento obtido pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, R$ 3 bilhões teriam sido destinados a essa negociação. O parlamentar nega que tenha havido ilegalidades. Bolsonaro, contrariando o que prometera ao ser eleito, admitiu que interferiu fortemente na eleição, sem informar como fez isso.

Também disputaram a eleição Fábio Ramalho (MDB/MG), que recebeu 21 votos; Luiza Erundina (PSOL/SP), que ficou com 16 votos; Marcel van Hattem (Novo/-RS), com 13 votos; André Janones (Avante/MG), com 3 votos; Kim Kataguiri (DEM/SP), com 2 votos; e General Peternelli (PSL/SP), com 1 voto. Foram registrados 2 votos em branco.

Ameaça a salários e concurso público

A PEC Emergencial prevê medidas de redução de gastos públicos nas esferas federal, estadual e municipal. Entre elas, a criação de um gatilho, que permitiria a redução em 25% de salários e jornadas de trabalho de servidores, não necessariamente de forma linear, sempre que as despesas públicas ultrapassem determinados limites. No quadro atual, isso já poderia ser aplicado, caso a emenda estivesse em vigor, na União e na grande maioria de estados e municípios.

Já a ‘reforma’ administrativa (PEC 32/2020) acaba com a estabilidade no emprego para futuros servidores, amplia a possibilidade de demissões por desempenho e reduz as contratações para quais é exigido concurso público. Mesmo quando aplicado, o concurso deixaria de ser aplicado apenas com base em provas ou títulos: a definição de quem seria empossado como servidor efetivo ficaria ainda submetida a um processo de escolha posterior e subjetivo, a ser regulamentado.

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