Ciclo de formação sobre o teletrabalho termina com debate sobre desafios


01/10/2022 - Luciana Araujo
Dirigentes do Sintrajud, Sinsprev (previdenciários) e do Andes (docentes universitários) abordaram distância entre mudança de modelo de gestão e interesse público.

Participantes no encerramento do Ciclo de Debates (Fotos: Gero Rodrigues)

A quinta e última aula do Ciclo de Debates Teletrabalho, metas e direitos: os impactos no serviço público, realizada nesta quinta-feira (29 de setembro), com o tema Desafios dos sindicatos frente ao avanço da precarização do trabalho público, abordou diretamente os problemas vividos por servidores em três categorias federais de áreas diversas, compondo um painel amplo de análises sobre a nova realidade do trabalho.

Impulsionado com a pandemia, o novo modelo de gestão, que aposta na plataformização dos serviços públicos, já gera impactos que exigem uma discussão aprofundada sobre o futuro do sentido do trabalho público e a preservação da função social de garantia de direitos. Foi o que destacaram os três palestrantes da noite: Fabiano dos Santos, diretor do Sintrajud e da Fenajufe; Thaize Antunes, do Sinsprev (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado de São Paulo); e Michele Schultz, da direção do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior).

Na condução da mesa, a também servidora Grazielle Felício destacou a “iniciativa pioneira”, que “trouxe elementos teóricos e políticos importantíssimos para a gente compreender essa nova forma de gestão que, a princípio, pode até soar como um belo canto de sereia, mas para a qual, se a gente não se atentar e não refletir com criticidade, podemos perder o tempo histórico de nos posicionarmos e combatermos algo que vai nos mensurar pela lógica da meta e da produtividade”. Grazielle é coordenadora do Sinasefe-SP (sessão paulista do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica).

Fabiano dos Santos ressaltou como o retorno irrestrito ao expediente presencial imposto de forma muito desrespeitosa por parte da desembargadora Marisa Santos, no TRF-3, inclusive infringindo planos de trabalho homologados, colocou a situação de defesa do teletrabalho e ressaltou a necessidade de fazer esse debate.

O dirigente falou sobre como as mudanças na forma de trabalhar vêm se dando sem nenhuma preocupação com a melhoria dos serviços prestados à população. E ressaltou que as ferramentas avançam no controle, na aferição de produtividade, transformam o trabalho em números, e usam o trabalhador para executar as tarefas que exigem efetivamente inteligência, porque é mais barato pagar baixos salários do que investir na infraestrutura.

Fabiano dos Santos alertou para o risco da absorção da lógica do crowndsourcing — um modelo de terceirização coletiva —, adequando a prestação de serviços à plataformização anônima. “Essa lógica é altamente aplicável aos serviços públicos. No Judiciário, por exemplo, tentou-se aplicar as CPEs [Centrais de Processamento Eletrônico], o que só não avançou porque se confronta com o poder exercido pelos magistrados sobre as equipes de seus gabinetes e varas”, afirmou.

A elevação das horas de trabalho pela mesma remuneração, a exigência de aumento da produtividade e intensidade do trabalho (como a meta da produção 30% maior no regime à distância),  e a redução do capital variável para níveis abaixo do valor da força de trabalho (efetiva redução da remuneração) foram outros exemplos mencionados pelo dirigente sobre como o processo vem sendo implementado no Judiciário Federal.

“E a gente tem verificado isso por uma série de políticas, inclusive a da granada no bolso”, disse, referindo-se à expressão usada pelo ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, numa reunião ministerial que viria posteriormente ser tornada pública em meio a uma investigação de intervenção do Executivo na Polícia Federal.

A diferenciação estabelecida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região entre teletrabalho, trabalho remoto por gestão diferenciada e trabalho à distância, com a resolução 514, também aponta para o mecanismo do crowndsourcing, explicou Fabiano dos Santos.

A resolução presume o teletrabalho como trabalho à distância com base em metas, o trabalho remoto como o exercício de atividades à distância por demandas e a atividade desenvolvida em unidades descentralizadas como um mecanismo que permite que o trabalhador de uma subseção sirva a diversas em regiões no estado.

Fabiano também alertou para a necessidade de o sindicalismo incorporar o debate sobre o direito à desconexão, para evitar que os trabalhadores fiquem permanentemente à mercê das administrações em qualquer horário, independente das suas jornadas. Além de debates como o de mobilidade urbana, que precisa ser pautado junto às administrações.

Objetificação e direitos

A pesquisadora Michele Schultz, que também é presidente da Adusp, destacou que o vem sendo chamado de teletrabalho seria melhor definido como trabalho mediado ou ordenado pela tecnologia, tratou das mudanças comportamentais estimuladas pela nova forma de organização do trabalho e o adoecimento que ela provoca.

“Como nos ensina Marx, os meios de trabalho não só são medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha”, ressaltou Michele. A pesquisadora ainda acrescentou que o teletrabalho é um meio de trabalho que contém em si vários processos de trabalho acumulados, e a objetificação da existência dos trabalhadores.

Os processos de trabalho que deveriam se voltar para os interesses da sociedade, da população usuária dos serviços, têm sua função de garantia de direitos e vida digna à população subvertidos para atender aos interesses do capital.

Experiência e luta

Participando à distância, porque estava cumprindo uma agenda em Brasília pela Federação dos Trabalhadores em Saúde e Previdência (Fenasps), da qual também é diretora, Thaize Antunes falou sobre uma das mais antigas experiências de plataformização do trabalho no serviço público: o atendimento no INSS.

“A gente teve um avanço muito grande na digitalização dos processos, na implantação do ‘Meu INSS’ (a plataforma digital para a obtenção de benefícios previdenciários e de assistência) e também dos modelos de gestão por metas e teletrabalho. Quando foi implementado, o teletrabalho foi vendido como um benefício para a categoria — diante do serviço sucateado, dificuldades de acesso às redes e do reduzido quadro de funcionários, de 2015 para cá perdemos quase metade do quadro funcional. Mas a gente já vem sofrendo as consequências”, contou Thaize.

A substituição de mão de obra, a precarização maior das condições de trabalho e o aumento da exploração vêm sendo questionados pela categoria previdenciária.

Thaize também abordou a necessidade de o movimento sindical superar o modelo de atuação dos anos 1980 e utilizar as novas tecnologias em favor da luta. Os trabalhadores do INSS construíram uma greve de 60 dias impulsionada muito fortemente pelas redes e mídias sociais, numa mobilização que tinha como um dos principais questionamentos o acréscimo de 30% na produtividade exigida. Pauta que foi vitoriosa a partir da luta nacional da categoria.

“Óbvio que as redes sociais não substituem de forma nenhuma a interação humana, mas podem ser utilizadas em nosso favor e a favor das lutas. Nós conseguimos colocar a categoria em movimento e fazer as pessoas saírem das suas casas para visitar locais de trabalho que estavam em trabalho presencial e construir a greve”, afirmou Thaize.

Avaliação positiva

O Sintrajud ouviu alguns servidores e servidoras que acompanharam o projeto de formação sobre a avaliação que tiveram do Ciclo. Foram muitos os elogios, e já surgiram propostas de novas iniciativas.

“Adorei os debates. Cada participante apresentando suas falas com entusiasmo e conhecimento, mostrando aspectos que por vezes não vemos. Pensei em não participar por ser aposentada e não ter a experiência do trabalho remoto, mas tenho a experiência dos ambientes de trabalho tóxicos, como foi relatado várias vezes. Acredito que agora o Sindicato poderia fazer novas reuniões, a partir das observações que foram apresentadas, para podermos ter soluções para os problemas apresentados, mas acredito que isso é o próximo passo. Agradeço muito a iniciativa do Sintrajud de fazer esse ciclo, convidar pessoas ótimas para apresentar [os temas], e que venham novos ciclos de debate!”, exclamou a aposentada do TRE Rosana Nanartonis.

Vanderson Nunes da Costa, servidor do TRT-2, entusiasmou-se na resposta à reportagem. “Gostei muito do Ciclo, adorei todos os palestrantes que vieram, todos são muito proficientes na matéria que trataram de expor, e o curso deu até uma aquecida no coração, porque confirma as nossas intuições e mostra que não estamos sozinhos e nem errados. Sinto-me fortalecido para levar o que aprendi aqui aos colegas, com mais propriedade e convicção”, afirmou.

Também servidor do TRT-2, Eduardo Galindo afirmou que “o curso foi maravilhoso, muito bom. É realmente o momento de trazer tanto a nossa categoria como outras que estiveram aqui presentes à reflexão. Um momento para a gente repensar e caminhar no sentido de aprimorar nossas ideias para poder indicar caminhos melhores e perceber que, se a gente não tiver essa visão mais ampla da sociedade e dos desafios, a gente pode se perder em questões menores sem entender a origem delas. Então, essa ideia do Sintrajud de curso de formação é muito importante”.

Iván López, professor da Universidade do México (Unam) que acompanhou todo o curso e esteve presente no encerramento, parabenizou o Sintrajud pela iniciativa e ressaltou que promover espaços de formação “é uma tarefa importante do movimento sindical”.

Parceria

O Ciclo de Debates foi realizado junto com diversas entidades. São elas: Fenajufe – Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União; Fenasps – Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social; Andes – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; Sindjufe/BA – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal na Bahia; Sindjus/AL – Sindicato dos Servidores do Judiciário Federal em Alagoas; Sintrajufe/MA – Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU no Maranhão; Sitraemg – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no estado de Minas Gerais; Fórum dos Trabalhadores do Setor Público no Estado de São Paulo; Sindjesp – Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Estadual das Cidades de Caieiras e São Paulo; Sintrajus – Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo; Assojubs – Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário do Estado de São Paulo; ExejeAoj – Associação dos Oficiais de Justiça do Oficio das Execuções Fiscais Estaduais; Sinsprev – Sindicato dos Servidores e Trabalhadores Públicos em Saúde, Previdência e Assistência Social no Estado de São Paulo; Sindsef/SP – Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado de São Paulo; Assibge/SP – Sindicato dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (núcleo São Paulo); Sinasefe/SP – Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (núcleo São Paulo); Sindireceita – Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (regional São Paulo); SintUFABC – Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais do ABC; e Sintusp – Sindicato dos Trabalhadores da USP.

Assista abaixo à última aula do ciclo:

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