Neste ano a lista de agraciados de comendas da chamada Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho evidenciou o quão distante da realidade esse tipo de premiação pode chegar. Os prêmios foram entregues em cerimônia realizada neste dia 13 de agosto a 51 personalidades
Comenda de inspiração imperial, a OMJT é destinada, segundo informa o site do Tribunal Superior do Trabalho, a personalidades “que tenham se distinguido no exercício de suas profissões e se constituído em exemplo para a coletividade, bem como as pessoas que, de qualquer modo, hajam contribuído para o engrandecimento do país, internamente ou no exterior, da Justiça do Trabalho ou de qualquer ramo do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da advocacia”. Confira aqui os graus hierárquicos, critérios e insígnias das comendas da OMJT.
Neste ano, entre os agraciados figuram o presidente da República, Jair Bolsonaro, que já defendeu a extinção do Judiciário Trabalhista e teve como um dos primeiros atos fechar o Ministério do Trabalho. Além de ter colocado em tramitação a Medida Provisória 881/2019 – apelidada de ‘minirreforma trabalhista’ -, que aprofunda a desregulamentação das relações de trabalho no país, reduzindo o descanso semanal aos domingos a uma folga mensal, eximindo sócios de empresas em conflito com o Judiciário Trabalhista da responsabilidade subsidiária, entre outros ataques. Bolsonaro também encaminhou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional para desregulamentar profissões que hoje são regidas por conselhos.
Tornou-se um ícone do discurso de campanha do atual mandatário da Nação uma foto publicada na capa do jornal ‘Folha de S.Paulo’ que registrou, em 13 de novembro de 2018, o então presidente eleito fazendo o conhecido gesto de arminha com as mãos em direção ao presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Brito Pereira.
Também recebeu a comenda o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que durante a campanha afirmou que o 13º salário seria uma “jabuticaba” (expressão comumente usada para falar sobre coisas que só existiriam no Brasil).
Rodrigo Maia (DEM/RJ), que comandou com mão de ferro a aprovação da ‘reforma’ da Previdência na Câmara e em 2017 defendeu que a Justiça do Trabalho “nem deveria existir”, foi outro premiado com a honraria para quem contribuiu de alguma forma com o ramo do Judiciário criado para assegurar os direitos sociais e trabalhistas.
Outro premiado foi o deputado federal licenciado e atual ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Em sua última campanha eleitoral, Lorenzoni recebeu R$ 200 mil de Rubens Ometto, um dos fundadores do Grupo Cosan, que atua nas áreas de logística, infraestrutura, agronegócio e combustíveis. Ometto entrou na “lista suja” da organização não-governamental Repórter Brasil em 2009 por submeter 42 trabalhadores a condições análogas à escravidão. Em 2012 Ometto e familiares também foram alvo de ação do Ministério Público Federal pela prática de exploração de trabalho escravo e exploração da Terra Indígena Marãiwatsédé.
“Essa última ‘premiação’ levou ao extremo da contradição a Justiça do Trabalho. Premiar o presidente da República que atenta contras as instituições que deveria defender, que manifestou intenção de extinguir esse ramo do Judiciário e vem adotando sucessivas medidas com vistas a esvaziar o Direito que cabe a essa Justiça aplicar. Mais uma vez coloca-se a questão sobre a própria existência desse tipo de honraria, que mobiliza esforços e recursos da instituição e não coaduna com os princípios republicanos mais elementares”, critica o servidor do TRT-2 e diretor do Sintrajud Tarcisio Ferreira.
Além dos citados acima e sete militares de alta patente, entre eles quatro generais, também foi agraciado o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, que na semana passada causou espécie ao país após declarar que defende a “desidratação da Constituição Federal” – embora não tenha deixado a condição de presidente da Corte que existe para guardar a Carta Magna. Toffoli, aliás, vem se superando em desnudar a falta de independência entre os poderes da República. O ministro já defendeu um “pacto” entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – responsável por julgar eventuais desvios dos representantes dos outros dois poderes – e o revisionismo histórico ao chamar a ditadura empresarial-militar de “movimento”. O STF comandado por Toffoli também tem que se posicionar diante de duas condenações internacionais às quais o Brasil foi submetido por não apurar e responsabilizar autores de crimes contra a humanidade durante o regime dos quartéis.
“Já entrou no histórico dessas premiações, em âmbito nacional e regionais, premiar figuras que atentam contra os direitos trabalhistas e sociais, que são a razão de ser da JT, incluindo representantes do regime ditatorial que vivemos por 21 anos no país após o golpe militar. Sua lógica põe a nu também a falsidade do discurso daqueles que afirmam que haveria independência de fato entre os poderes”, pontua Tarcisio Ferreira.