‘Mais Brasil’: PECs preveem redução de dimensões inéditas de salários e serviços públicos no país


06/11/2019 - Helcio Duarte e Luciana Araujo

Menos de 15 dias após aprovar a ‘reforma’ da Previdência sob um discurso de que era preciso reduzir os gastos com aposentadorias para poder investir mais em outros setores, o governo de Jair Bolsonaro levou ao Congresso Nacional novas propostas de emendas constitucionais que contradizem essa intenção. A chamada ‘PEC Emergencial’, que recebeu no Senado o número 186/2019, proíbe a expansão de serviços públicos, derruba os orçamentos dedicados à saúde e educação, prevê a redução de salários e jornadas de servidores e levará a restrições nos serviços oferecidos à população em todas as áreas.

A proposta integra um pacote de medidas que totaliza quatro emendas constitucionais – a da ‘reforma’ administrativa está anunciada para ser apresentada nos próximos dias e deve ter sua tramitação iniciada na Câmara dos Deputados. As PECs conformam um conjunto de alterações do texto constitucional afinadas com as políticas neoliberais, semelhantes às já aplicadas com intensidade no Chile cerca de 35 anos atrás e que hoje levam aquele país a uma explosão social que mobiliza milhões nas ruas.

Outra proposta de emenda constitucional que afetará diretamente o funcionalismo se for aprovada é a 188/2019, batizada de PEC do Pacto Federativo. Já a PEC 187/2019, dos Fundos Públicos, extingue 248 fundos para garantir o pagamento da dívida pública. Se a medida passar no Congresso deve ser extinto inclusive o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que garante, entre outras ações, o pagamento do seguro-desemprego. O pacote ‘Mais Brasil’ também inclui privatizações generalizadas.

“É um ataque sem precedentes. É inacreditável. O governo ataca em todas as frentes, por todos os lados, para que que uma coisa absurda encubra as outras. É uma forma de tentar atordoar as pessoas. Uma maldade é complementada por outra, em outra PEC. Então as pessoas podem não ter noção de que o conjunto das medidas conforma um ataque inédito. Juntar os orçamentos da saúde e educação é uma forma de atacar as duas áreas, é o fim do SUS, da escola pública, gratuita e de qualidade. E com certeza várias questões foram colocadas como chamariz e vão cair, mas a parte principal tende a ser aprovada. Em relação ao funcionalismo e aos serviços públicos o governo deixa claro a que veio: acabar com a prestação de serviços públicos de qualidade e com os servidores. O objetivo é claríssimo e o governo não esconde”, avalia a diretora do Sintrajud e servidora da Justiça Federal em Campinas Claudia Vilapiano de Souza.

‘PEC Emergencial’

A chamada proposta de emenda constitucional emergencial começou a tramitação pelo Senado Federal nesta terça-feira (5). Um dos seus pontos centrais prevê a redução de 25% dos salários de servidores, com redução proporcional da jornada.Também suspende as progressões e promoções nas carreiras do funcionalismo.

Os dispositivos seriam acionados, na União, quando o  Congresso autorizar o desenquadramento da chamada regra de ouro. A regra fiscal proíbe o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes. Essa condição na prática já está configurada: o governo descumpriu a regra de ouro em 2019, vai descumprir em 2020 e a tendência é que isso se repita pelos próximos anos. Nos estados e municípios, o estado de emergência será acionado quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente.

O governo diz querer aprovar a proposta ainda este ano, o que a princípio só é possível com forte apoio das lideranças partidárias no Congresso Nacional. A favor do Planalto contam as reiteradas manifestações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em defesa do rebaixamento dos patamares salariais das carreiras do funcionalismo público. O parlamentar, porém, não havia se manifestado sobre o ritmo da tramitação da proposta até o fechamento deste texto.

Os números apresentados pelo Ministério da Economia, que preveem reduções de despesas a partir do ano que vem, indicam que o governo do presidente Jair Bolsonaro conta com a aplicação da redução salarial e o fim das progressões já em 2020.

‘Mais (ataques ao) Brasil’

Os textos entregues pelo Planalto foram formalizados ainda na noite de ontem com a assinatura de 34 senadores (eram necessárias 27 para as PECs começarem a tramitar), e já com algumas alterações em relação à proposta original. As versões apresentadas pelo Planalto previam, por exemplo, a inclusão de aposentadorias e pensões nos cálculos das verbas para saúde e educação. A versão oficial não traz esse dispositivo. Os textos passaram por “ajustes” dos senadores que as subscrevem, provavelmente para retirar gritantes erros de legalidade e dispositivos que trazem grande desgaste popular.

“O governo abriu uma verdadeira Caixa de Pandora, que vai exigir de nós muita mobilização, logo após a ‘reforma’ da Previdência. É o desmonte total do Estado, dos serviços públicos, e vai ser um ataque sem precedentes aos nossos direitos”, alerta Fabiano dos Santos, diretor do Sintrajud e da Fenajufe que está em Brasília nesta quarta-feira, acompanhando os debates sobre a ‘PEC Paralela’ da Previdência (133/2019), cujo relatório foi lido na manhã de hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O governo quer acelerar também a aprovação desta PEC, que altera elementos constantes da “Nova previdência”. A promulgação da ‘reforma’ previdenciária está prevista para o dia 19 deste mês.

A ‘Caixa de Pandora’ foi aberta pelo governo com apoio das bancadas do PSDB, MDB, Cidadania, PSD, DEM, PP, Podemos, PL, Republicanos e PSC, legendas que indicaram senadores como autores das propostas oriundas do Planalto. Diante dos ataques, as centrais sindicais se reuniram na manhã desta quarta-feira e indicaram a realização de um ato unitário na próxima quarta-feira (13 de novembro) contra o pacote de Bolsonaro. A concentração será no Theatro Municipal de São Paulo, às 9 horas. A categoria está chamada a participar.

Como ficou evidente no processo de discussão da ‘reforma’ da Previdência, se não houver forte mobilização nacional o governo sairá vitorioso e os trabalhadores vão perder todos os direitos.

Principais ataques da PEC 186/2019

Veja, a seguir, pontos da PEC 186/2019 (a chamada ‘PEC Emergencial’) analisados por Antonio Augusto Queiroz, diretor de comunicação licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e que presta assessoria parlamentar para a Fenajufe. As novas regras valeriam tanto para a União quanto para estados, municípios e Distrito Federal. Segundo Antonio Queiroz, merecem destaque os dispositivos que:

1) autorizam a redução de jornada com redução de salário, por ato normativo do Poder ou órgão (não precisa de lei) que especifique a duração, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da medida;

2) vedam que lei ou ato que conceda ou autorize qualquer pagamento, com efeito retroativo, de despesa com pessoal, inclusive de vantagem, auxílio, bônus, abono, verbas de representação ou benefício de qualquer natureza;

3) autorizam o acionamento do gatilho do corte de gasto com servidor, independentemente de ter ou não ultrapassado o limite de gasto com pessoal, sempre que as operações de créditos (empréstimos) superem a despesa de capital (investimento), ficando automaticamente vedado:
3.1) a criação de cargo ou emprego;
3.2) a alteração de estrutural de carreira;
3.3) a admissão ou contração;
3.4) a realização de concurso;
3.5) criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefício de qualquer natureza;
3.6) aumento do valor de benefícios de cunho indenizatórios destinado a servidores e seus dependentes; e
3.7) a criação de despesas obrigatórias

4) proíbem a progressão e promoção funcional de carreiras de servidores públicos, incluindo os empregados públicos de estatais, com exceção de juízes, membros do ministério público, serviço exterior, policiais e demais que impliquem alterações de atribuições;

5) incluem os pensionistas na despesa com pessoal e determinam que sempre que ultrapassar esse novo limite, os poderes ou órgão, por ato normativo que especifique a direção, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa, poderão reduzir 25% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, pela redução do valor da remuneração ou pela redução do número de cargos; bem como promover a redução temporária da jornada de trabalho, com redução proporcional de subsídio ou vencimento, em, no máximo, 25%.

Principais ataques da PEC 188/2019 (do Pacto Federativo)

Veda o pagamento com efeitos retroativos, de despesa com pessoal, inclusive vantagem, auxílio, bônus, abono, verba de representação ou beneficio de qualquer natureza;

Veda o pagamento de despesa de pessoal de qualquer natureza, inclusive indenizatória, com base em decisão judicial não transitada em julgado;
Veda o pagamento de abono, auxílio, adicional, diária, ajuda de custo ou quaisquer outras parcelas de natureza indenizatória sem lei específica que autorize a concessão e estabeleça o valor ou critério de cálculo.

Ataca a revisão geral anual de salários prevista no artigo 37 inciso X da Constituição.

 

O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) também analisou as PECs e divulgou nota sobre o ‘Plano Mais Brasil’.

Os principais pontos destacados pela entidade nesta PEC são:

1) O estabelecimento de uma “regra de ouro” para estados e municípios proíbe a criação de dívida para pagamento de salários, benefícios de
aposentadorias e demais gastos de custeio;

2) Os percentuais mínimos estabelecidos para saúde e educação não serão alterados, mas serão somados. Assim, estados e municípios poderão retirar verba da educação para cobrir a saúde vice-versa, colocando
um gasto contra o outro;

3) Desindexa despesas obrigatórias, como salários dos servidores (exceto benefícios previdenciários e Benefício de Prestação Continuada);

4) Criação de um Conselho Fiscal da República, que se reunirá a cada três meses para avaliar situação financeira dos estados.

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