Morte de Nicolau dos Santos Neto recoloca debate sobre danos da corrupção à sociedade


08/06/2020 - helio batista
Magistrado foi pivô do escândalo do desvio de verbas durante as obras do Fórum Ruy Barbosa.

Foto: Reprodução TV Globo

A morte do ex-juiz do trabalho Nicolau dos Santos Neto, que presidiu o TRT-2, comandou a construção do Fórum Ruy Barbosa e se tornou o pivô de um dos mais emblemáticos casos de corrupção no país, recoloca na pauta o debate sobre ressarcimento ao erário e sobre as punições previstas na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) por desvios de conduta ou crimes.

Nicolau morreu aos 91 anos na noite de 31 de maio, com suspeita de contaminação pelo coronavírus, mas os resultados dos testes para confirmar a doença ainda não ficaram prontos.

Lalau, como ficou conhecido após o escândalo do desvio de verbas da construção do Fórum, presidiu o TRT-2 entre 1990 e 1992. Nesse ano, logo após deixar a presidência do Tribunal, ele foi escolhido para dirigir a comissão de obras do Fórum. Até então, a primeira instância do Regional na capital paulista funcionava em diversos prédios, com falta de espaço e instalações inadequadas.

Em 1998, uma perícia do Tribunal de Contas apontou que só 64% das obras do Fórum haviam sido concluídas, mas 98% dos recursos já tinham sido liberados. Investigações do Ministério Público e de uma CPI na Câmara dos Deputados apontaram superfaturamento e pagamentos da construtora Incal, que havia vencido a licitação, para o grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão (PMDB/DF). Foi revelado ainda um contrato que transferia 90% das ações da Incal para o grupo.

Denunciado por um ex-genro, Nicolau foi apontado como principal responsável pelo desvio de R$ 169,5 milhões. O diretor do Sintrajud Tarcisio Ferreira lembra que o valor correspondia a um real para cada habitante do país na época.

Em julho de 2011, a União conseguiu recuperar R$ 55 milhões, no que era até então a maior soma recuperada de casos de corrupção. O ex-senador Luiz Estevão, que foi cassado em 2000 e cumpre pena no regime semiaberto, fez acordo em 2012 pelo qual devolveria R$ 468 milhões (R$ 80 milhões à vista e R$ 388 milhões em parcelas mensais de R$ 4 milhões).

Depois de pagar cerca de R$ 235 milhões, Luiz Estevão suspendeu os repasses e pediu adesão ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis), que prevê expressiva redução de juros e multas e a possibilidade de pagamento em até 180 meses. A Advocacia Geral da União (AGU) contesta o enquadramento da dívida no Refis (por não se tratar de débito tributário) e ainda cobra outros R$ 532 milhões dos recursos desviados.

O caso tramita no TRF-1 e os bens do ex-senador permanecem bloqueados até a quitação da dívida. Estão penhorados 1.200 imóveis, no valor de 150% dos débitos.

Foto: Joca Duarte

Condenação e prisão

Nicolau dos Santos Neto foi condenado em 2006 a 26 anos de prisão por peculato, estelionato e corrupção passiva. Ele havia se entregado à Polícia Federal em dezembro de 2000, depois de passar quase oito meses foragido.

Na época, a sede da PF em São Paulo funcionava no edifício Wilton Paes de Almeida (destruído por um incêndio há dois anos), na mesma rua da sede do Sintrajud, no centro da cidade. A prisão do ex-juiz atraiu para o local grande número de curiosos e jornalistas, além de intensa movimentação de policiais.

Ele cumpriu prisão domiciliar até 2013, quando foi transferido para a Penitenciária 2 de Tremembé, no interior do estado. No mesmo ano, teve sua aposentadoria cassada e em 2014, beneficiado por um indulto, voltou para a residência, onde vivia recluso.

Inaugurado em 2004, o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa até hoje é conhecido como o “Fórum do Lalau”.

“Infelizmente a situação do Judiciário e do país mudou para pior desde esse caso”, avalia o servidor do TRE Demerson Dias, que fazia parte da direção do Sintrajud na época do escândalo e da prisão do ex-juiz. “As condenações e prisões de juízes e autoridades não representaram avanço significativo no combate à corrupção. O próprio judiciário demonstrou inúmeras vezes que essas punições não levaram ao fim da promiscuidade entre autoridades e órgãos públicos com a finalidade de lesar, financeira ou politicamente, os direitos no país”, afirma o ex-dirigente.

Demerson ressalta que entidades da categoria, como o Sintrajud e a Fenajufe, alertaram que medidas de “controle social” do Judiciário só teriam efetividade se consistissem em instâncias públicas e não “confraria administrativa, como é o caso do CNJ”.

Legislação

O Código Penal brasileiro prevê, a partir de 2019, que “na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.” A inclusão no artigo 91-A foi feita por meio da Lei 13.964/2019.

Cabe ao Ministério Público requerer a perda do bem na denúncia, e ao juízo fica a responsabilidade de declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. À época das condenações de Nicolau e Luiz essa não era uma previsão legal. Mesmo passados mais de 20 anos e diversos escândalos depois, a previsão é facultativa.

Na opinião da diretoria do Sintrajud, nos casos de corrupção e desvios de verbas a recuperação dos valores ao erário deveria ser obrigatória em todos os julgamentos. Se a pessoa é condenada, mas continua mantendo um patrimônio que é publico sob sua posse, a sociedade continua perdendo.

Da mesma forma, a direção do Sindicato considera necessária a atualização da Loman, de 1979, que ainda tem como máxima punição a aposentadoria compulsória.

Quando o juiz Nicolau dos Santos Neto presidiu o TRT, entre setembro de 1990 e setembro de 1992, o oficial de justiça do TRT Neemias Ramos Freire era vice-presidente do Sintrajus, um dos sindicatos que se unificaram para dar origem ao Sintrajud. Nesse depoimento, Neemias lembra o embate entre os sindicalistas e o juiz Nicolau. “A administração Nicolau dos Santos Neto nos deixou lições. A corrupção denunciada e personificada em sua figura manchou o Poder Judiciário e em particular a Justiça do Trabalho em São Paulo. Nosso sindicalismo ainda jovem teve de enfrentar seu autoritarismo e usou de todos os meios possíveis para fazê-lo. Podemos dizer que saímos maiores após esse enfrentamento. Que não voltem a existir novos Nicolaus em nosso meio”, registrou.

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