A crise gerada pelo indulto do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), após o parlamentar ter sido condenado pelo STF a 8 anos e nove meses de prisão, é mais uma manifestação da disfuncionalidade das instituições do regime político brasileiro. Essa é a avaliação do diretor do Sintrajud Tarcisio Ferreira, servidor do TRT, para quem as instituições do país não são tão sólidas como quer fazer crer a mídia e na verdade “são muito sujeitas aos interesses de classe, que ao final arbitram os limites do jogo”.
A concessão do indulto abriu um debate jurídico sobre a constitucionalidade do decreto e sobre os limites do poder do presidente da República em relação a essa medida. Nos meios políticos, a decisão de Bolsonaro reacendeu a preocupação com a possibilidade de o presidente dobrar a aposta na fragilização da democracia.
Aliado de Silveira, o presidente usou o instituto jurídico que autoriza o indulto individual de competência privativa do chefe do Executivo. O Código Penal — de 1940 e de forte influência do ideário fascista do governo Mussolini, inspirador do regime político brasileiro à época — ainda prevê tal indulto, no artigo 107, II, sob a denominação de graça.
“Há todo o debate jurídico sobre desvio de finalidade, se tal perdão poderia ou não alcançar a conduta de Silveira, e sobre a constitucionalidade de modo geral. Mas para além do debate jurídico, o mais relevante e grave é o movimento político por trás do gesto de Bolsonaro, e o impasse decorrente desse novo tensionamento, que se acumula com outros fatos. As instituições não têm uma resposta, pois elas são parte do problema”, ressalta Tarcisio.
“Bolsonaro tenta se aproveitar da insatisfação com as instituições, inclusive com o Judiciário”, afirma o dirigente. Ele observa que, além de ser até mesmo parte ativa da agenda de “reformas” dos governos, o próprio STF validou a Lei da Anistia sob a compreensão de perdão aos agentes do regime militar que cometeram crimes já declarados, por exemplo. O dirigente critica também a postura da corte constitucional desde antes de Bolsonaro, que sempre foi conhecido como defensor da ditadura e da tortura, ter chegado à Presidência. “Por que as instituições nunca barraram uma candidatura como essa?”, indaga o dirigente.
Para Tarcisio, o indulto ao deputado Silveira, condenado por atacar a democracia, é mais um capítulo da crise do regime político, “que o próprio regime busca digerir mas não tem como resolver efetivamente em seus próprios marcos”. O diretor do Sintrajud lembra que o Brasil nunca teve uma justiça de transição e, ao contrário de outros países da América Latina onde houve ditaduras militares, não deixou de conviver abertamente com o discurso autoritário, potencializado no contexto da crise que se aprofunda desde a última década.
“O Supremo e o Judiciário acabam sendo parte disso. Embora destoem episodicamente e demarquem em relação a determinados temas, expressando na superfície algumas disputas e contradições do sistema político, no que é mais estrutural operam sob os limites dados pelos grupos de interesse que sustentam e instrumentalizam as instituições do país”, diz o dirigente.
Silveira foi condenado por ameaça ao Estado de Direito e coação no curso do processo. “Nos somamos a todos aqueles que defendem a responsabilização do parlamentar por sua conduta, inclusive com perda do mandato e dos direitos políticos, e que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não são invocáveis por quem defende a ditadura, a intolerância e a extinção das já limitadas liberdades democráticas”, diz Tarcisio.
Com Bolsonaro na Presidência, nenhuma instituição apresentou capacidade ou mesmo disposição para enfrentar esse discurso, aponta o diretor do Sintrajud. “Há interesses diversos que sustentam Bolsonaro”, afirma. “Com essas iniciativas [como o indulto], ele busca fidelizar aquela franja mais ideológica da sua base e ao mesmo tempo mantém a estratégia de se colocar como suposta alternativa à insatisfação com o sistema”, acrescenta.
O dirigente do Sindicato considera ainda que Bolsonaro tem apostado em tentar descolar sua imagem dos problemas reais do país, como o desemprego e a miséria, ao mesmo tempo em que canaliza para sua própria candidatura grande parte da insatisfação com o sistema, como se dele não fosse peça central e apesar de toda a rejeição acumulada. “Depois de ter sido deputado por quase 30 anos, Bolsonaro ainda se apresenta discursivamente como antissistema”, analisa Tarcísio.
Ele aponta ainda que, do ponto de vista eleitoral, o país se encontra hoje num dilema entre a reciclagem do regime político, em grande parte aglutinada em torno da candidatura do ex-presidente Lula (PT), e a via autoritária, representada por Bolsonaro. “O grande paradoxo é que se trata da política da negação: a maior força deles está na negação do opositor, e não propriamente na afirmação de um projeto claro e definido”, afirma.
A diretoria do Sindicato ressalta que o desafio, para além das eleições, que independentemente do resultado não colocarão termo à instabilidade política, é construir um projeto de superação dos limites estreitos da democracia representativa no Brasil, e dos problemas estruturais da sociedade brasileira. “A classe trabalhadora organizada e em luta tem um papel fundamental nisso”, conclui Tarcisio.
* Colaborou: Luciana Araujo