Histórico: Mulheres terão paridade na direção da Fenajufe e seus fóruns


30/04/2022 - Luciana Araujo
Após denúncias de assédio sexual contra funcionárias do hotel e painel sobre opressões, congressistas comemoraram derrota de recurso de chapa 100% masculina contra divisão de espaços decisórios da federação.

Plenário aprova manifesto e resoluções propostas por mulheres ao 11º Congrejufe (Foto: Valcir Araújo)

O 11º Congrejufe terá a marca de um avanço importante da luta contra as desigualdades de gênero e as violências contra mulheres. Após anos de debates, foi aprovada neste dia 30 de abril a composição paritária de chapas e instâncias dirigentes da Fenajufe.

A resolução indica a realização do debate pelos sindicatos filiados, o incentivo a projetos de formação e a criação de núcleos de combate às violências de gênero – assegurada representatividade de raça/etnia, orientação sexual e identidade de gênero.

Também será tarefa da próxima diretoria da Fenajufe formular um Regulamento de Combate às Opressões e Violências e formalizar na estrutura institucional uma Coordenação de Combate às Opressões, nos mesmos moldes das demais coordenações (geral, finanças, imprensa etc).

As deliberações reafirmaram a derrota do recurso apresentado por um grupo de agentes de polícia judicial que tentava montar uma chapa para concorrer à diretoria da entidade sem respeitar a paridade de gênero aprovada no regimento do evento. A comissão eleitoral que conduz o processo de escolha da diretoria  da entidade nos anos de 2022 a 2025. Como repetiram várias falas de mulheres, e também de homens, durante a discussão, machismo, racismo e violências não serão mais tolerados nos ambientes da federação.

Gênero, raça e classe

Na tarde desta  sexta-feira, 29, durante o debate sobre opressões, foram novamente repudiados os casos de assédio sexual a pelo menos oito trabalhadoras do hotel por parte de congressistas. A diretoria da federação reiterou também que dará todo o apoio necessário às vítimas e ao processo de apuração de autorias.

Convidada, a assistente social Cláudia Durans destacou que ”é preciso ir além dos números e buscar compreender essa realidade. E vários esforços têm sido realizados no sentido de buscar uma visão que entenda, que compreenda esse processo a partir de uma visão integrada, combinada, desses elementos de opressão e de exploração, visando apreender a complexidade das identidades e das desigualdades econômicas e sociais. Ou seja, uma perspectiva que inclua o debate de raça, de classe, gênero, sexualidade”. Cláudia é ex-dirigente do Andes – Sindicato Nacional dos Docentes das Universidades Públicas e representou a CSP-Conlutas.

A palestrante lembrou que a primeira vítima fatal da pandemia do novo coronavírus no Brasil foi uma trabalhadora doméstica que contraiu a doença em contato com a empregadora que viajara à Europa em meio à crise sanitária e não liberou a funcionária do trabalho presencial diário. Aquela categoria denunciou por diversas vezes casos de cárcere privado e trabalho análogo à escravização durante os períodos de maior restrição de circulação impostos pela SarsCov2. E atuou contra a inclusão dos serviços domésticos no rol de “essenciais” (ou seja, que não seriam suspensos nem mesmo em períodos de lockdown). 

“Por outro lado, qual o percentual de negros e negras no serviço público, no Judiciário Federal onde vocês se encontram, de mulheres? E nas universidades, principalmente nos cursos de maior prestígio social?”, questionou Cláudia.

A trabalhadora química Rosana Fernandes ressaltou que “o racismo e o machismo são determinantes nas vidas das pessoas. Determinam quem vai ter voz, quem vai ter emprego, quem vai ter oportunidades” e também “quem vai ter poder político, econômico”. Secretária adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana lembrou que vivemos numa sociedade que “reproduz machismo e racismo o tempo todo”.

Durante o debate, servidores também apresentaram um manifesto de homens repudiando o assédio e violências contra mulheres.

O painel foi encerrado com uma homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), executada em 14 de março de 2018 e a cobrança ao Estado brasileiro para que responda à sociedade quem mandou matar a parlamentar.

Leia as íntegras dos manifestos abaixo:

Manifesto contra as opressões e as violências machistas no 11º Congrejufe

As trabalhadoras do Judiciário Federal e do Ministério Público da União – aqui representadas por delegadas, observadoras e convidadas – se manifestam, em solidariedade, a todas as mulheres vítimas de quaisquer atos de assédio sexual/moral e violências sexistas nos espaços deste 11º Congresso da Fenajufe, ou em qualquer espaço do Judiciário Federal, incluindo o próprio movimento sindical.

Não existe violência “menor” ou “maior”. Toda violação de direitos merece não apenas repúdio, mas responsabilização dos autores. O rigor da sanção é o instrumento para coibir atos tão covardes como naturalizados socialmente no patriarcado estrutural em que vivemos.

Somos todas mulheres e, reconhecemos as diversas dimensões de violência que atravessam as nossas vidas, sabendo que além do gênero, raça e classe são fatores preponderantes destas violações, vivenciadas por cada uma de nós. Não à toa neste 11º Congrejufe foram as mulheres que trabalham no evento as vítimas das investidas machistas.

Neste ambiente que se reivindica democrático, faz-se necessário que, além das palavras de solidariedade, se erijam estruturas formais e regulamentares de proteção a toda e qualquer vítima de opressão. Estar do lado da vítima pressupõe que, a partir de agora, não mais se realize eventos, reuniões, plenárias ou congressos sem um regulamento de combate à essas violências – do qual deve ser dada ampla divulgação para que seja de  conhecimento de todos os participantes, recaindo sobre as entidades de base e sobre a Federação a responsabilidade pela formação que seja capaz de, através da mudança cultural, evitar que tenhamos novamente que passar por situação tão vergonhosa.

Temos o dever de incorporar ações concretas aos instrumentos de representatividade democráticos que nos amparam nas decisões da categoria.

Todas as lutas serão descredibilizadas daqui para a frente sem este regulamento, que deve ser elaborado conjuntamente por nós, mulheres e sancionado pelo conjunto da Direção da Federação. Já passou do tempo de compreendermos as demandas de gênero, para além de paridade nas mesas de condução dos trabalhos – da qual também não abrimos mão, precisamos de efetividade nas nossas demandas, cujo passo inicial, através da paridade nos cargos da direção, conseguimos dar neste encontro. Isto, no entanto, não cessará, por si só, os efeitos do machismo e da misoginia, em especial, nos nossos movimentos. 

Este manifesto requer, ainda, garantia de respeito e reconhecimento às mulheres que participam de movimentos de luta social e enfrentam com coragem um sistema hostil à nossa atuação nos lugares de poder e resistência.

É inaceitável que congressistas eleitos, com responsabilidades de definirem as nossas lutas conjuntas, cuja participação nos eventos da categoria é custeada pelos trabalhadores e trabalhadoras de base, agridam todos os valores éticos e princípios de luta que trouxeram a maioria de nós até aqui.

É incompatível que companheiros levantem bandeiras contra o capitalismo e perpetuem a cultura machista, visto esta ser uma forte corrente do capital.

É ultrajante que homens participantes de fóruns que discutem alternativas de futuro para a categoria se comportem inadequadamente, de forma passível inclusive de punição nos âmbitos cível e criminal.

Superar essa realidade que reproduz a opressão que sustenta o capitalismo exige um processo de discussão, formação e práticas cotidianas que devemos construir, exigir e aplicar.

Esses são preceitos fundamentais para avanços na condução da luta contra o machismo e em busca da superação do racismo, da LGBTfobia e do patriarcado, para nossa emancipação e liberdade.

Por isso, propomos que este congresso delibere que a diretoria eleita para condução da Fenajufe no triênio 2022-2025 deve constituir Núcleos de combate às violências de gênero — assegurada representatividade de raça/etnia e orientação sexual e identidade de gênero — para:

  • Elaborar e aprovar um Regulamento de Combate às Opressões e Violências, que assegure o acolhimento às vítimas, recebimento das denúncias, apuração com garantia de ampla defesa e contraditório, bem como a adoção das medidas cabíveis em relação aos fatos constatados – não só em esfera cível e/ou criminal, mas também nas instâncias do movimento sindical;
  • Promover iniciativas de discussão e formação sobre os temas relacionados ao machismo, racismo e LGBTfobia e suas consequências na sociedade, em especial no mundo do trabalho, considerando que a organização social que impera favorece o machismo e atos como estes reforçam as desigualdades;
  • Fomentar a participação dos homens da nossa categoria e diretores das entidades sindicais nas atividades de formação de temática de gênero considerando que a tarefa é de mulheres e homens;
  • Fortalecer e intensificar a atuação das mulheres do Judiciário Federal e MPU nos espaços de poder e decisão, com o intuito de não naturalizar a cultura de dominação;
  • Assegurar a paridade de gênero na composição da diretoria executiva, conselho fiscal e todas as instâncias da Federação;
  • Produzir materiais que publicizem o que é o assédio moral e sexual, como reconhecê-los e enfrentá-los;
  • Formalizar na estrutura institucional da Fenajufe a criação de uma Coordenação de Combate às Opressões, nos mesmos moldes das demais coordenações (geral, finanças, imprensa etc) que possa atuar em parceria com os movimentos sociais que combatem estas opressões;
  • Estabelecer na Federação um Observatório Permanente de Combate às Opressões e Violências, que atuará em todos os eventos da federação. Este observatório será responsável por receber denúncias de práticas opressivas, bem como garantir, que o tema esteja sempre presente como ponto de discussão nos debate, seja através de mesas, panfletos ou cartazes;
  • Encaminhar à Comissão de Ética da Fenajufe as denúncias recebidas pelo Observatório, para apuração de responsabilidades legais e possíveis penalidades administrativas e/ou criminais, sem prejuízo do afastamento imediato, por decisão do plenário (em caso de congressos, plenárias, etc.) de participantes, que reproduzam práticas violentas e opressivas, durante o evento;
  • Definir como prioritárias, as políticas de combate à opressões e violências, através de criação de encontros nacionais de opressão e participando de atividades conjuntas com outras categorias e movimentos sociais.

Basta! Não toleraremos mais estas violações!

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Manifesto de repúdio às violências machistas no 11º Congrejufe

Chega! Não dá mais! Não é não!

O machismo e o racismo patriarcal, âncoras do sistema capitalista, organizam nossa sociedade. Não é possível lutar por liberdade e igualdade sem se opor com firmeza a esses sistemas de opressão.

A luta por equidade de gênero passa pela conscientização e ação dos homens, sobre seus privilégios de raça, orientação sexual e, muitas vezes, econômicos.

Uma cultura antimachista e antipatriarcal precisa ser pauta em todas as atividades sindicais, e precisa ser objeto de debates em todos os ambientes sociais, como forma de superar todo tipo de opressão de gênero, de raça e sexual.

A reincidência dos assédios, como os lamentáveis fatos ocorridos ontem no ambiente do Congrejufe, são inaceitáveis. Os homens, nesse congresso e na sociedade, têm o dever de se posicionar, denunciar, e lutar diariamente contra a violência de gênero.

Preservando as vítimas de exposição e novas violências, é imprescindível e fundamental a responsabilização do assediador.

A objetificação das mulheres é inaceitável! Nós, homens, precisamos lutar diariamente contra o assédio, fruto da desigualdade de gênero, em todos os espaços da sociedade. Assobios, “piadas” entre amigos, “cantadas”, abordagens insistentes, prática de tocar o corpo das mulheres enquanto fala não dá mais!

Nesse sentido, propomos que a Fenajufe e os sindicatos filiados:

– Assegurem formação para a categoria sobre equidade e opressão de gênero e raça, assédio sexual e moral, a fim de desconstruir a cultura machista e patriarcal incrustada em nossa sociedade e comumente reproduzida em nossos fóruns;

– Promovam instruções sobre cultura antimachista como requisito de participação nos fóruns de representação da categoria;

Garantam em todas as instâncias e atividades, no mínimo, um painel sobre opressões de gênero, raça e orientação sexual, de preferência no início;

– Assegurem que em todas as atividades as delegações recebam orientações e manifestação explícita de que a entidade não compactua e não se eximirá de apurar e punir tais condutas em seu âmbito interno, além de remeter às esferas cível e criminal o que couber.

Chega! Não dá mais! Não é não!

Assinam esse manifesto: Sérgio Amorim – RS; Henrique Sales Costa – SP; Mário Marques – RS; Thiago dos Reis Martins – SP e 94 homens que lutam contra o machismo presentes nesse 11° Congrejufe.

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