França luta para manter direitos que precisam ser retomados no Brasil, diz pesquisadora da Previdência


28/04/2023 - Helcio Duarte Filho
Professora da UFRJ, Sara Granemann afirma que é preciso defender a previdência pública e impedir que aposentadoria se torne um privilégio.

Crédito: Joca Duarte

É preciso impedir que o direito à aposentadoria se torne algo tão inacessível no Brasil ao ponto de ser tratado como um privilégio. É o que defende a professora Sara Granemann, da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que se dedica a estudar e pesquisar fundos de pensão e previdência social. Ela afirma que o direito à previdência e à aposentadoria tem que ser assegurado a todos que trabalham, pagam impostos e ajudam, assim, a constituir o fundo público previdenciário.

 

Afirma ainda que as mobilizações massivas que ocorreram na França, que ainda luta para reverter as mudanças impostas pelo governo, são um exemplo de defesa de direitos previdenciários que precisam ser reconquistados no Brasil. Direitos retirados da classe trabalhadora brasileira por sucessivas ‘contrarreformas’, a mais recente e provavelmente mais grave para os trabalhadores realizada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2019.

 

A defesa de direitos previdenciários e a luta para reverter as mudanças prejudiciais aos trabalhadores e trabalhadoras integra as pautas dos debates que devem ser travados no 9º Congresso do Sintrajud, que acontecerá entre os dias 4 e 7 de maio, em Atibaia. No Congresso, a categoria definirá as propostas que devem pautar a atuação do Sindicato nos próximos três anos.

 

A seguir, a entrevista concedida ao jornalista Hélcio Duarte Filho, da equipe do Sintrajud.

 

Qual o principal desafio hoje em relação à aposentadoria no Brasil?

 

Sara Granemann – Eu teria dificuldades em apontar um desafio. Então, apontaria dois como imprescindíveis, em torno dos quais nós temos lutado. Primeiro, estender a aposentadoria, a previdência, uma forma de proteção realmente digna e não de salário-mínimo, compatível com aquilo que a classe trabalhadora brasileira gera de riqueza e entrega por meio das contribuições sociais, pelos impostos ao comprar alimentos, ao comprar o básico para a vida civilizada. Paga impostos e, por isso, contribui para a formação do fundo público. E se contribui para a formação do fundo público, também contribui para a formação do fundo público alocado na Previdência Social. Então, estender para todos os seres adultos, que a partir de uma determinada idade teriam condições de uma proteção social digna de mais do que R$ 600,00, mais do que um salário-mínimo para poder viver na velhice ou em situações de desamparo.

 

Os povos originários também devem ser cobertos por uma proteção. As pessoas que são resgatadas de trabalhos análogos à escravidão também. Nesse mesmo momento, o que importaria é conceder [essa proteção) a essas pessoas como forma de lembrar que elas estão subordinadas a esses capitais porque não encontraram emprego melhor, não encontraram melhores proteções para o trabalho, para poder sobreviver. Então, imediatamente, é constituir aposentadoria para essas pessoas e fazer as empresas pagarem, as empresas que as escravizaram pagar adiantadamente para o INSS a aposentadoria dessas pessoas.

 

A outra, que é análoga a essa, e que é uma grande luta que nós temos no Brasil, é lutar por previdência pública e reverter todas as medidas que foram produzidas para que fôssemos trabalhadores e trabalhadoras empurrados para as tais previdências privadas. É absurdo o tanto de provas daquilo que gostaríamos que fosse só uma teoria errada, que há mais de duas décadas temos afirmado: que os fundos de pensão, que as previdências vendidas pelos bancos, que as entidades fechadas de previdência, as entidades abertas de previdência, uma e outra funcionam da mesma forma. Elas compram o capital fictício, elas são investidas em bolsas de valores, em bancos que compram títulos públicos, e isso não pode ser admitido como previdência. Pior ainda é a previdência pública passar a fazer esse tipo de investimento, esse tipo de concessão ao capital.

 

O Estado Brasileiro está fazendo isso e os municípios, os estados também o fazem: investem o dinheiro da previdência pública, não mais só a privada, em especulações, em capital fictício, para capturar juros das empresas de capital lucrativo, para capturar fundo público por meio da dívida pública. Então, esses dois desafios são para mim os incontornáveis, ponto zero da nossa luta: contra a previdência privada, contra a redução da previdência. Espelhemo-nos no exemplo francês, deve ter esse ponto de partida e esse ponto de chegada.

 

Qual a relação possível entre esse desafio e as mobilizações que ocorrem hoje na França?

 

Sara Granemann – A luta na França hoje é uma pedagogia de como se mantém uma previdência pública exemplar para o mundo inteiro. A França de novo. A França da Comuna de Paris, a França de 1968, a França de 1995. A França que nessas lutas todas tem discutido como se protege o trabalhador e a trabalhadora, quando esses trabalhadores e trabalhadoras não têm as condições de vida para além do momento em que é uma força de trabalho ativa e saudável. O ranking dos 100 maiores fundos de pensão chamam a atenção. Isto porque dois países na Europa, que têm previdência pública de modo diferenciado em cada um deles, têm fundos de pensão minoritariamente, [que estão], digamos assim, para economias de primeira grandeza, mal colocados nesse ranking.

 

O maior fundo francês é o quadragésimo quarto desse top 100 dos fundos de pensão; e o da Alemanha é o quinquagésimo nono. Ou seja, eles estão em posições não compatíveis com a grandeza de suas economias. Não compatíveis do ponto de vista dos capitais. É diferente no Reino Unido, é diferente na Holanda, é diferente até na Noruega e na Dinamarca. Mas esses dois países, que têm políticas previdenciárias muito consolidadas, estão lutando para não destruírem a política previdenciária. Porque cada vez que a política previdenciária pública se torna mais difícil e mais inacessível, que é o que está em curso na França, mais crescem as medidas de investimento privado, chamados de previdências, que é uma falsa previdência como já temos dito por muitas vezes.

 

Então, a França está lutando contra isso, a França está lutando para que a sua previdência permaneça pública e compatível com o esforço da classe trabalhadora francesa de ter uma previdência a tempo de continuar a viver e viver com saúde, a tempo de não retroagir às injustiças com as mulheres. Porque essa contrarreforma em curso é também mais agressiva com as mulheres, como foram as contrarreformas realizadas no Brasil, em especial a última de Bolsonaro. E a França está em luta para impedir que medidas iguais à contrarreforma ocorrida no Brasil e em vários países do mundo aconteçam também na França.

 

Pode-se afirmar que há uma tentativa de dissolver o direito à aposentadoria? Um jovem que trabalhe em entregas por aplicativo, pode ainda sonhar em um dia alcançar o direito de se aposentar?

 

Sara Granemann – É da natureza do modo de produção capitalista e da concorrência intracapitalista, e da sua relação com a classe trabalhadora, tentar reduzir cotidiana e continuamente o valor da força de trabalho. Reduzir aquilo que já foi chamado de trabalho indireto, por exemplo a previdência ou direitos sociais, como queiramos, é reduzir o valor da força de trabalho em um determinado país.

 

Depois desse período que alguns chamaram de neoliberalismo – e que para mim já é o período da barbárie capitalista, da explicitação cada vez mais forte da barbárie capitalista – querem os grandes capitais, querem os padrões que não existam direitos. E, se possível voltar a relações assemelhadas de trabalho escravo, melhor ainda para o capital. Veja, essas situações ocorrem também com as pessoas imigradas da África e do Médio Oriente, também dos Bálcãs, na Europa, ocorre nos Estados Unidos também, com precaríssimas condições de trabalho e de qualquer direito.

 

Então, o sonho dos capitais seria uma sociedade sem trabalhadores. Ocorre que isso não é possível porque são os trabalhadores que geram a riqueza para os capitais, na extração da mais-valia, que gera o lucro. Agora, a existência de trabalho cada vez mais desprotegido tem sido uma vitória momentânea dos capitais. Os grandes capitais conseguiram, nesse tempo que vai da segunda metade dos anos 70 até os dias de hoje, uma investida sobre o trabalho no centro e na periferia. Perdem mais quem tem um patamar civilizatório de direitos mais rebaixados do que aqueles que têm um patamar mais alto, demora mais a cortar tudo por lá – além de haver uma tradição de luta por direitos sociais. E a nossa formação social é tão absurdamente violenta, não que os outros capitais em outros países não seja, mas aqui, por esses séculos todos de escravização, a classe trabalhadora é mais maltratada do que em outros lugares.

 

Então, a luta tem de ser muito potencializada para que consigamos que o direito de se aposentar não seja quase um privilégio, mas que seja de fato uma perspectiva de vida para cada trabalhador e cada trabalhadora do nosso país, independente do contrato de trabalho ou da ausência dele, que milhões de trabalhadores s

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