Destruição da previdência e dos serviços públicos são estopins dos protestos no Chile


30/10/2019 - Shuellen Peixoto

Foto: Stringer/EBC

Em fevereiro de 2019, dias antes de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) entregar a proposta de ‘reforma’ da Previdência na Câmara dos Deputados, o ministro Paulo Guedes afirmou em entrevista ao jornal inglês ‘Financial Times’ que o Chile seria a “Suíça da América Latina”, graças às regras econômicas e previdenciárias implantadas durante a ditadura de Augusto Pinochet. Passados apenas oito meses, as manifestações em curso naquele país parecem dizer o contrário.

Milhões de pessoas foram às ruas nas cidades Chilenas para demonstrar o descontentamento com a situação econômica e social do país. Os protestos começaram por conta do aumento no valor das passagens do metrô, que parece ter sido a gota d’água para uma população endividada, que tem que pagar caro por educação, saúde e, quando chega à velhice, recebe proventos miseráveis de aposentadoria.

A atual situação do povo da “Suíça da América Latina” é fruto do projeto que o ministro Paulo Guedes pretende aplicar no Brasil, baseado na privatização e precarização dos serviços públicos e no fim da Previdência Social, que transformou o Chile em um dos países mais desiguais do mundo. Os protestos estão sendo duramente reprimidos – segundo levantamento da CNN Chile, até o fechamento da matéria, contabilizava-se 20 mortos, 1227 feridos e mais de 9 mil pessoas detidas.

‘Previdência’ privada

O Chile, ainda nos anos 1980, sob a ditadura de Augusto Pinochet, passou por uma mudança no sistema previdenciário e adotou o sistema de capitalização, modelo que estabelece contribuições para contas individuais. Assim como o ministro Paulo Guedes quis implantar no Brasil, a capitalização foi vendida como solução para o desenvolvimento do país.

O problema é que, 30 anos depois, os resultados da capitalização individual mostram-se desastrosos. No Chile, os encarregados das aposentadorias são as Administradoras de Fundos de Pensões (AFP), entidades privadas que recebem parte do salário de todos os trabalhadores formais no país e calculam o valor que cada pessoa receberá quando tiver direito de deixar de trabalhar.  Ou seja, no momento da aposentadoria toma-se o fundo acumulado e divide-se pela quantidade de meses da estimativa de vida, o que, na prática, significa proventos bem menores do que os da ativa.

Ao menos 79% das pensões pagas entre 2007 e 2014 eram inferiores a um salário mínimo local, aponta a Comissão de Assessoramento Presidencial sobre o Sistema de Pensões chileno (veja aqui).

Em entrevista à reportagem do Sintrajud, o professor e advogado chileno Raul Marcelo Devia Ilabaca, de 56 anos, explicou que além de desastrosa, a capitalização no Chile está a serviço da garantia dos lucros das AFPs. “Acho que o sistema de capitalização individual que existe no Chile não é um sistema de seguridade social, mas sim um sistema de acumulação de capital para as grandes empresas e o desenvolvimento do capital financeiro,  que consegue acumular dinheiro, através das AFPs, com a contribuição dos trabalhadores que, no caso do Chile, chega a 71% do PIB da nação”, afirmou Raul. “Já as pensões pagas não chegam a um salário e, com isso, não é possível viver de forma digna”, destacou o advogado.

A professora Cristina Victoria Tapia Poblete, presidente da ANACPEN (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Chile), que esteve presente na Comissão Especial da Reforma da Previdência, no dia 4 de junho, apresentou uma avaliação semelhante. “Sistema de poupança [capitalização], não tem benefício constituído, sem levar em consideração o tempo de serviço, depende apenas do que o trabalhador conseguiu juntar, sem contribuição nenhuma do empregador”, disse Poblete. “Os pensionistas no Chile não sabem quanto será sua pensão, não há transparência nas AFPs e, de repente, nos encontramos com pessoas que poderiam ter pensões similares e têm pensões completamente diferentes”, concluiu.

Para conter os protestos no país, o presidente chileno  Sebastian Piñera apresentou um pacote de medidas, que tem como um dos principais pontos o reajuste imediato de 20% nas pensões, aposentadorias e benefícios sociais. Também foram previstos aumentos adicionais nas pensões de pessoas com mais de 75 anos a partir de 2021 e 2022 e outros aportes de recursos do governo para complementar e melhorar o sistema de pensões e benefícios do Chile. A contribuição patronal para a Previdência deverá ser majorada, chegando a 5%, enquanto os trabalhadores já contribuem com 10%.

Para Raul, tais medidas não resolvem o problema das baixas aposentadorias no país. “A única solução que acreditamos capaz de resolver a aposentadoria futura no Chile é voltar a um sistema tripartite, solidário, público e administrado pelo Estado”, finalizou o advogado.

Paulo Guedes prepara novos ataques

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Além do Chile, Peru, México e Colômbia estão revendo os seus sistemas previdenciários de capitalização, mas Paulo Guedes ainda não desistiu de implantar o modelo no Brasil. Os protestos no Chile têm preocupado a equipe econômica, que teme que tal situação atrase a entrega do novo pacote de maldades (ver aqui).

Essa segunda fase de reformas, após a aprovação da PEC 06/2019, é a principal tentativa da equipe econômica para mudar a gestão das contas públicas e retirar ainda mais direitos dos trabalhadores do serviço público, que são os principais alvos.

Dentre os eixos estão a reforma administrativa, que visa mexer na estabilidade, reduzir o número de carreiras e salários iniciais dos servidores, e uma nova proposta de emenda constitucional (que já está sendo chamada pelo governo de ‘PEC emergencial’), que inclui congelamento de reajustes salariais de servidores, redução de jornada de trabalho do funcionalismo com corte proporcional de salários, suspensão de repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES, entre outros ataques.

Para a diretoria do Sintrajud, somente a mobilização dos servidores do Judiciário Federal, em unidade com os trabalhadores de outras categorias do funcionalismo público e privado será capaz de barrar a retirada de direitos que este governo tenta implementar.

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