O principal responsável pela escalada inflacionária que derrubou o poder de compra dos salários, fez a carestia disparar e jogou boa parte da população brasileira na pobreza ou miséria chama-se Jair Messias Bolsonaro. Quem afirma é o economista Washington Moura, que assessora o Sintrajud.
O assessor econômico menciona dois aspectos centrais que levaram ao descontrole inflacionário: os preços dos combustíveis e a desvalorização cambial. “Praticamente metade da inflação [do ano passado] foi por conta do combustível. Não precisava ser assim. Não precisava ter esses aumentos. O Brasil é autossuficiente em petróleo. Ele não precisa seguir preços internacionais para definir o quanto o consumidor nacional vai pagar no combustível”, afirma Washington, para quem só o interesse em beneficiar grandes acionistas da Petrobras explica essa opção do governo.
Ele destaca que o real esteve entre as moedas mais depreciadas no mundo, o que tem impactos fortes nos preços. “Isso aconteceu, basicamente, com a entrada do Bolsonaro. Por quê? Porque houve uma desconfiança generalizada no governo do Bolsonaro. Apesar dos grandes empresários, grandes banqueiros etc terem feito campanha para ele, eles tinham desconfiança”, resume Washington.
Isso levou a um expressivo movimento de envio de divisas brasileiras para fora do país – o que inclui o ministro da Economia, Paulo Guedes, flagrado com uma empresa em paraíso fiscal para fugir da insegurança da economia brasileira – algo considerado inadmissível pelo economista do Sintrajud.
Washington Moura ressalta ainda que a inflação e a não recomposição salarial representa uma enorme transferência de riquezas – que se concentram mais nas mãos de poucos capitalistas. “Você tem uma transferência muito grande de riqueza. Quando tem inflação, significa que você vai consumir menos. Esse menos que você está consumindo foi para quem? Foi para o banqueiro, foi para o grande especulador, para o grande acionista da Petrobrás”, afirma.
O assessor econômico afirma que toda a política de Bolsonaro leva ao enfraquecimento da economia nacional, algo que considera evidente no que ocorre com as privatizações, num cenário em que “uma coisa empurra a outra” sucessivamente e que levará a um caos caso continue. “Já estamos muito próximos disso”, alerta.
A seguir, a quarta e última parte da entrevista com o economista, que abordou as perdas salariais dos servidores, a campanha salarial pelo reajuste e os impactos da inflação — que os servidores buscam combater com a campanha salarial conjunta em curso, que inclui o ‘Apagão Judiciário’ desta quarta-feira (16 de março) e o indicativo de construção de greve por tempo indeterminado a partir de 23 de março, caso não haja abertura de diálogo e avanços na negociação.
SINTRAJUD – Quem é o principal responsável pela inflação, que em 2021 ultrapassou os dois dígitos?
WASHINGTON MOURA – São duas questões econômicas em relação à inflação, para mim, nos últimos anos, particularmente no governo Bolsonaro. Primeiro, o combustível. Como nós vimos este ano, praticamente metade da inflação foi por conta do combustível. Não precisava ser assim. Não precisava ter esses aumentos. O Brasil é autossuficiente em petróleo. Ele não precisa seguir preços internacionais para definir o quanto o consumidor nacional vai pagar no combustível. Não há necessidade nenhuma. Reduzindo, a Petrobras não vai ter prejuízo. Ela vai continuar fornecendo petróleo. O presidente da Petrobras é nomeado pelo presidente da República. E o presidente da Petrobras tem uma política clara de favorecer os grandes acionistas. Uma coisa é você ter uma ação da Petrobras, outra coisa é, sei lá, você ter 10 milhões, 100 milhões de reais em ações da Petrobras. Porque esse lucro que ele afere, ele ganha com o aumento do combustível, ele distribui em dividendos para os acionistas. É claro que a maior parte vai para quem tem mais dinheiro. O cara que tem um real vai receber, sei lá, 20 centavos, 30 centavos. Agora, o cara que tem um bilhão vai ser 200 milhões. Então, é uma política clara de favorecer o dito mercado financeiro, os grandes especuladores, os grandes bancos, com a Petrobras.
Veja, mesmo assim a Petrobras não precisaria dividir esses dividendos com os acionistas. Ela poderia usar em investimentos próprios, ela não é obrigada a distribuir toda essa renda. Então, o que aconteceu? Você tem uma transferência muito grande de riqueza. Quando tem inflação, significa que você vai consumir menos. Esse menos que você está consumindo foi para quem? Foi para o banqueiro, foi para o grande especulador, para o grande acionista da Petrobras. Então, esse é um elemento muito, muito, muito importante.
E o segundo elemento, isso principalmente foi no começo do governo Bolsonaro, mas ainda tem um peso hoje: o Brasil foi um dos países no mundo que sofreu a maior depreciação da sua moeda. Em relação ao dólar, ao euro e às outras moedas, a moeda brasileira foi a que mais caiu. E, isso aconteceu, basicamente, com a entrada do Bolsonaro. Por quê? Porque houve uma desconfiança generalizada no governo do Bolsonaro. Apesar dos grandes empresários, grandes banqueiros etc terem feito campanha para ele, eles tinham desconfiança. Então, o que aconteceu? Aconteceu um forte movimento de um lado, de mandar divisas brasileiras para fora, foram centenas de bilhões de reais mandados de dentro do Brasil para fora. E, por outro lado, não houve, também por desconfiança em relação ao governo do Bolsonaro, investimento estrangeiro que poderia recompor esses dólares que foram enviados para fora.
SINTRAJUD – A desvalorização cambial teve um peso importante nisso.
WASHINGTON – Você teve uma valorização do euro, do dólar e das moedas estrangeiras e uma desvalorização do real. Isso gerou um primeiro problema que é o seguinte: por exemplo, ficou claro na época, o problema da carne. Se eu vendia carne aqui, no mercado interno, a R$ 50,00, e houve um aumento no dólar de 50%, significa que eu posso vender, lá fora, pelo mesmo preço por R$ 75 reais. O preço em dólar não mudou porque houve um aumento do dólar, mas o preço em real mudou. Então, o quê que eu fiz? Eu peguei a carne e mais um monte de itens, como o câmbio estava muito desvalorizado, e priorizei exportar. Isso pressionou muito a inflação e continua pressionando, de certa forma, ainda hoje. E o segundo problema, que está relacionado com isso: aqueles produtos que o Brasil importa, quer seja para produzir, quer seja para consumo imediato, tiveram o preço elevado por causa do câmbio. Então, se você comprava um quilo de alguma coisa por um dólar antes e era R$ 4 reais, depois passou para R$5,50. E essas duas coisas estão relacionadas com a desconfiança do mercado, esse mercado que elegeu o Bolsonaro.
Se você considerar que antes você tinha inflação de 2% ou 3% e subiu esse ano para 10%, essa diferença é muita responsabilidade do governo Bolsonaro. E, aí, particularmente, nessas duas questões, do combustível e da desconfiança do mercado. Várias empresas fecharam, foram para fora. A Ford fechou a fábrica no Brasil depois de décadas. Isso é desconfiança ou não? Isso gera ou não gera inflação? Por exemplo, agora, os preços dos carros estão aumentando muito. Houve uma, como eles falam, disruptura na cadeia produtiva. Em parte pela covid, mas em parte porque as fábricas estão indo embora. Não só fábrica automotiva.
SINTRAJUD – Então o principal responsável é o próprio Bolsonaro.
WASHINGTON MOURA – Exatamente. Esse é o ponto. Essa elevação na inflação, o principal responsável é o Bolsonaro. Não tem como ele dizer que não é ele. Vai jogar a culpa no presidente da Petrobras, mas o presidente da Petrobras foi ele quem indicou. E tantas outras coisas, porque ele não tem nenhuma política de geração de emprego, de geração de renda, de diminuir o desemprego. Então, lógico, as empresas não vão investir no Brasil. Você tem uma perspectiva de mercado diminuindo. Toda a política do Bolsonaro é isso: enfraquecimento da economia nacional, através das privatizações [ou outras medidas]. É como se fosse um cenário que uma coisa empurra a outra, que empurra a outra, que empurra a outra, que empurra a outra, que vai levar, se ele continua por mais tempo, a um caos. Já estamos muito próximos disso, né? Mas, se continuar, vai levar ao caos, porque um elemento leva ao outro, a inflação leva à desconfiança, que leva à falta de investimento, que leva à desconfiança. É um círculo para baixo.
Veja as demais partes da entrevista:
‘O impacto da inflação em dois dígitos nos salários é brutal’, afirma economista do Sintrajud