Arcabouço de Lula coloca em xeque reajuste de servidores e serviços públicos


24/08/2023 - Giselle Pereira
‘Novas’ regras fiscais não revertem lógica do 'teto' de gastos (EC 95) e impõem travas no Orçamento ainda mais rígidas, alertam especialistas..
Fabiano dos Santos, diretor da Fenajufe, protesta em frente à Câmara (Brasília) em rechaço ao arcabouço fiscal (25/5). Foto: Valcir Araujo

A aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 93/2023, que versa sobre o ‘novo’ arcabouço fiscal, é mais um ataque às trabalhadoras e aos trabalhadores e à população socialmente mais vulnerável, de forma geral. O PLP aprovado pela Câmara dos Deputados nessa terça-feira (22) impõe travas no Orçamento e regras ainda mais rígidas. O texto encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo Lula recebeu 379 votos a favoráveis e 64 contra. Agora, segue para a sanção presidencial.

A CSP-Conlutas, Central à qual o Sintrajud é filiado, defende combater o ‘novo’ marco de regras fiscais e os ataques do governo; e lutar em defesa das reivindicações da classe. As estratégias de mobilização em torno da pauta serão tema do 5° Congresso Nacional da Central, que acontecerá de 7 a 10 de setembro. O Sindicato e a Central protagonizaram diversas ações organizadas em São Paulo e em Brasília em protesto contra o ‘novo’ arcabouço e outras medidas que estrangulam o orçamento do país para garantir o pagamento dos juros e serviços da dívida pública. As atividades em rechaço ao projeto também alertaram a população para os riscos do PLP.

Esse ponto foi destacado pela recém-empossada diretoria que reafirmou a posição do Sindicato se contrapõe integralmente ao texto por entender que as regras fiscais do governo atacam o funcionalismo, congelando os salários e contratações, colocando em risco, inclusive, a antecipação dos 6,13% previstos para 2025, aprofundando a precarização das condições de trabalho e vida dos servidores públicos; e amplia a possibilidade de terceirizações e privatizações.

Diretora do Sintrajud, Ana Luiza Figueiredo, em assembleia no TRF-3, realizada nessa quarta, 23. Foto: Kit Gaion

Além disso, destacou a diretora do Sindicato Ana Luiza Figueiredo, inviabiliza a oferta e manutenção dos serviços públicos essenciais à população. “O ‘arcabouço’ é incapaz de alterar de fato a atual política fiscal e afastar o quadro de asfixia dos serviços públicos e de desmonte das políticas sociais”, criticou durante assembleia geral realizada no dia 22 de agosto, que deliberou por ampliar a mobilização contra essa e quaisquer outras medidas de ataque do governo. Na setorial do TRF-3 e Justiça Federal da capital, em 23/8, o alerta foi repetido pela dirigente.

O texto foi aprovado de forma esmagadora, após semanas de manobras e jogo de interesses com o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e o Centrão. A votação foi a segunda realizada na Casa, já que a primeira versão, aprovada em maio, passou por alterações no Senado e, por isso, teve de voltar para análise dos deputados, tornando as ‘novas’ regras ainda mais rígidas para investimentos sociais, alertam especialistas.

Parte das mudanças feitas no Senado, que deixaram de fora das regras do arcabouço fiscal o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e o Fundo Constitucional do Distrito Federal, foram mantidas. No entanto, os deputados derrubaram ainda uma mudança feita pelos senadores, que autorizava o governo a mandar o valor das despesas considerando a projeção da inflação até o fim do ano na hora da elaboração do Orçamento de 2024. A rejeição significará, segundo estimativas, uma redução de R$ 32 bilhões no Orçamento do próximo ano, em outras palavras, cortes em áreas sociais.

Teto de gastos “recauchutado”

O governo vem tentando convencer a população de que o arcabouço colocará fim ao ‘teto de gastos’, imposto pelo governo Temer, em 2016. Porém, essa é uma inverdade, pois na prática as ‘novas’ regras mantêm a mesma lógica, ou seja, limita os gastos públicos e investimentos sociais, para pagar os juros da dívida pública, que nunca foi auditada, a banqueiros e especuladores. Para a Auditoria Cidadã da Dívida, a mudança chega a ser pior que o ‘teto de gastos’ (EC 95) –  que previa o congelamento em investimentos por 20 anos –  pois cria regras  mais rigorosas e punições ao Orçamento público. O que pode ser conferido em trecho do projeto que destaca que “prioriza a realização de superávits primários e o pagamento da Dívida”.

Tecnicamente o arcabouço limita o crescimento das despesas da União em 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores. Isso significa que diante de um aumento real na arrecadação de 2%, por exemplo, as despesas do governo poderiam ser de até 1,4%, ou seja, 70% dessa alta. Todavia, mesmo para esse crescimento, no caso, haverá um teto e um piso. Em momentos de maior crescimento da economia, a despesa não poderá crescer mais de 2,5% ao ano acima da inflação. Já em contração econômica, o gasto não poderá crescer mais que 0,6% ao ano acima da inflação. Na prática, representam um aumento ínfimo nos recursos de áreas como saúde, educação etc.

Enquanto a EC 95 restringia a variação de despesas de um ano para o outro à correção monetária com base na inflação, o arcabouço permite o uso de 70% do aumento real da receita, porém sob o teto de 2,5% de crescimento real das despesas. 

Ato realizado em 24/5, em frente à Bovespa, contra o arcabouço fiscal. Foto: Kit Gaion

Regras do ‘novo’ regime fiscal

Conforme as metas estabelecidas pelo arcabouço fiscal, o governo quer zerar o déficit primário da União já em 2024, fechar o ano de 2025 com superávit de 0,5% do PIB e obter o dobro disso no ano seguinte. Porém, caso as metas não sejam cumpridas, os gastos do ano seguinte serão limitados a 50% do crescimento da receita.

Para piorar, o ‘novo’ conjunto de regras fiscais estabelece “punições” em caso de descumprimento das metas. Gatilhos que serão acionados para cortar gastos, afetando, principalmente, os serviços públicos e os investimentos sociais. Entre elas, por exemplo, proibições de aumento salarial aos servidores, abertura de concursos públicos e de criar novos cargos ou reestruturar planos de carreiras.

Os cortes previstos terão consequências diretas no atendimento à população, com menos servidores e piora na qualidade de serviços. Os recursos para o pagamento do piso salarial da Enfermagem e as verbas para Ciência e Tecnologia foram mantidas nas regras do arcabouço fiscal, apesar das demandas para que fossem excluídas e, portanto, também serão afetados, sofrendo limites e cortes.

Confira os principais pontos marco fiscal

Limite de crescimento da despesa primária a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores;

Limite superior e inferior dentro desses 70% do aumento de receita;

Mecanismo de ajuste para impedir o aumento dos gastos em momentos de crescimento econômico e a queda dos gastos em caso de baixo crescimento;

Aplicação de gatilhos — caso o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda, o crescimento das despesas para o ano seguinte cai de 70% para 50% do crescimento da receita;

Promessa de zerar déficit primário em 2024, com superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026;

Meta de resultado primário terá banda de flutuação, com margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB para cada ano;

Excedente de superávit primário acima do teto da banda poderá ser usado para investimentos;

Exceções para gastos instituídos pela Constituição, como o Fundeb e o Fundo Constitucional do Distrito Federal, não podem ser limitadas pelo novo arcabouço.

* Com informações da CSP-Conlutas e Agência do Senado

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