Agressões a enfermeiras e jornalistas em ato por vítimas da Covid-19 no 1º de Maio e neste domingo mostram país doente


04/05/2020 - Luciana Araujo
Profissionais relataram ao Sintrajud como se deram a preparação do ato e as agressões; CSP-Conlutas e Intersindical fizeram live para defender direitos contra participação de ex-presidentes e parlamentares do 'Centrão'; jornalistas também foram agredidos por bolsonaristas neste domingo.

Os atos de 1º de maio deste ano foram, em grande medida, inéditos. A impossibilidade de ida às ruas devido ao necessário isolamento social transformou as manifestações em diversos países pelo Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores em transmissões ao vivo pela internet; bandeiras, cartazes e panelaços em janelas; ou pequenos atos com respeito ao distanciamento corporal.

No Brasil, os atos marcaram também os 40 anos da manifestação histórica que enfrentou a ditadura empresarial-militar e lotou, com mais de 100 mil metalúrgicos em greve contra o arrocho salarial, o ginásio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Este 1º de Maio ficou marcado como o início da derrubada do regime dos quartéis.

Até o início da semana passada estava prevista uma live unitária de todas as centrais sindicais do país. O protesto demonstraria solidariedade às vítimas do coronavírus e exigiria garantia de direitos e emprego para os trabalhadores durante a pandemia. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 1,6 bilhão de pessoas em todo o mundo podem perder o emprego em razão da pandemia.

A unidade das centrais foi rompida porque CUT, CGTB, CSB, CTB, Força Sindical, UGT, Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, Pública e NCST decidiram convidar o deputado federal Rodrigo Maia (DEM/RJ e presidente da Câmara dos Deputados); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM/AP); o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli; os ex-presidentes da República Lula, Dilma Rousseff (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB); o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

A CSP-Conlutas e a Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora (organização distinta da mencionada anteriormente) decidiram realizar outra transmissão ao vivo em parceria, mantendo a reivindicação do caráter classista do 1º de Maio, contra a participação de políticos representantes das elites e que fazem ou fizeram aprovar medidas contra os trabalhadores. A live contou com a participação de artistas militantes e dirigentes sindicais.

Assista abaixo ao vídeo. A reportagem continua na sequência:

Enfermeiras agredidas na capital federal

Ato dos enfermeiros (Facebook do Cofen-DF).

Em Brasília, na sexta-feira, 50 trabalhadores da área de Enfermagem realizaram um ato que acabou repercutindo até internacionalmente após os profissionais serem agredidos por um grupo de apoio do presidente da República. Os enfermeiros e auxiliares estavam em frente ao Palácio do Planalto num protesto silencioso, exibindo cruzes de papelão que representavam os mortos – trabalhadores da saúde e população em geral – pelo coronavírus. Nas faixas utilizadas, lia-se “A vida dos profissionais de Enfermagem importam #FiqueEmCasa” e “Enfermagem em luto pelos profissionais vítimas da Covid-19 #FiqueEmCasa”.

O ato não fazia qualquer menção ao presidente e acontecia numa área tradicional de protestos em Brasília. Ainda assim, o grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro que costumeiramente participa das gravações de descumprimento do isolamento social protagonizadas todos os dias pelo mandatário partiu para a agressão verbal e física contra os trabalhadores.

A enfermeira Ana Catarine Carneiro tentou interceder diante dos xingamentos e ameaças proferidas por um homem contra uma colega que gravava em vídeo a ação do grupo, do celular. Colocou-se entre os dois, mantendo silêncio, mas foi fisicamente agredida, além de ter recebido por mais de uma vez cuspidas ao rosto.

“Sabe-se lá Deus como os apoiadores do Bolsonaro entenderam que era contra ele. Colocaram suas faixas entre nós e nos xingaram. Muito! De canalhas, medíocres, covardes, hipócritas, palhaços, bandidos, genocidas, esquerdopatas e muitas outras coisas, gritaram e cuspiram na nossa cara. Tomei porrada na cabeça, empurrão, ameaça, e claro, mais cuspe”, informou à reportagem.

Só com a chegada da PM a situação foi amenizada. Embora os bolsonaristas tenham se afastado, continuavam a xingar os trabalhadores da saúde, relatou a enfermeira.

“Fui para casa. Precisava lavar o rosto rapidamente, porque fui atingida pela saliva deles várias vezes. Aí a ficha caiu. A tristeza veio com força, não consegui mais conter o choro”, disse Ana. “Num momento em que era para estarmos unidos contra a pandemia, virou jogo de torcida”, questionou em um texto que fez circular na internet.

Ana é diretora do Sindicato dos Enfermeiros, mas fez questão de frisar que participou do ato “por ser cidadã, por ser enfermeira, por me sensibilizar com as mortes. Estaria lá independente do sindicato. Já participava de atos assim antes de entrar na diretoria. Aliás, entrei no sindicato porque queria fazer mais do que reclamar dos que estavam nas instituições.”

Como trabalhadora na saúde pública há nove anos, cinco deles em pronto-socorro, Ana relata que já foi agredida outras vezes. “Já fui muito hostilizada quando trabalhava em pronto-socorro. Gente que briga com a enfermeira porque o atendimento médico demora. Gente que não entende nossa limitação de recursos e acha que a culpa é nossa por estar em falta isso ou aquilo”, relata. As recorrentes campanhas governamentais contra os servidores públicos, responsabilizando-os pelas agruras do país e desqualificando-os, certamente ajuda a instigar situações como essas.

Crédito: Mídia Ninja.

“A ideia do ato surgiu após a verificação de que muitos profissionais da saúde na linha de frente do combate ao coronavírus sucumbiram, tornando-se vítimas da Covid-19. A gente sabe que no Brasil, devido ao sucateamento dos serviços públicos, corriqueiramente a gente enfrenta a falta de equipamentos de proteção individual e condições de trabalho, o que piora com a pandemia”, afirmou à reportagem o enfermeiro Jorge Henrique de Sousa. Ele também atua na saúde pública do Distrito Federal e integra a direção do sindicato da categoria (Sindenfermeiro-DF).

“Era um ato silencioso, ordeiro. A gente fez questão de orientar os participantes a usar máscara, jaleco, marcamos o chão antes para garantir o distanciamento e evitar qualquer aglomeração, mas, infelizmente, tivemos essas agressões verbais e físicas por parte de pessoas que também não acreditam na Covid-19”, concluiu Jorge.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) anunciou que conseguiu identificar três agressores por meio das gravações realizadas por profissionais de mídia e acionará o Ministério Público Federal. Relatório divulgado pela entidade no dia 27 de abril apontava mais de 4.600 mil profissionais de enfermagem afastados das atividades laborativas em decorrência de contaminação ou suspeita de infecção pelo novo coronavírus e 49 enfermeiros e auxiliares mortos por razões associadas à Covid-19. Os profissionais da área são a linha de frente no atendimento às pessoas que sofrem com o contágio pelo coronavírus e demais atendimentos em saúde no país.

Liberdade de imprensa ameaçada

Dida Sampaio, no chão, cercado pelos agressores e colegas. Reprodução.

Neste domingo (3) – Dia Internacional pela Liberdade de Imprensa – jornalistas que cobriam a manifestação organizada por apoiadores do presidente da República também foram agredidos. O protesto repetia a reivindicação de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, além de pedir intervenção militar. Jair Bolsonaro participou mais uma vez do ato.

O premiado fotógrafo Dida Sampaio, da equipe do jornal ‘O Estado de S.Paulo’ e o motorista que o acompanhava, Marcos Pereira, foram empurrados e agredidos a chutes e socos. Fábio Pupo (‘Folha de S.Paulo’), Nivaldo Carboni (do site ‘Poder 360’) e Orlando Brito (do site ‘Os Divergentes’) também sofreram violências ao tentar interceder pelos colegas.

O presidente Jair Bolsonaro não manifestou solidariedade aos profissionais da mídia, mas várias instituições, como a OAB, a Associação Brasileira de Imprensa, a Associação Nacional de Jornais e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram repúdio à tentativa de impedir o livre exercício do jornalismo. A Fenaj pedirá investigação sobre os agressores também. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e do STF, Dias Toffoli, mais uma vez ficaram calados diante dos episódios. A Procuradoria Geral da República pediu investigação sobre as agressões.

Assista ao vídeo do ato dos profissionais de Enfermagem, no 1º de Maio em Brasília. As agressões têm início aos 15 minutos de gravação:

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM