A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli — que no último dia 28 autorizou a compra de 1/3 férias dos juízes federais e do Trabalho, a revelia de Lei — confirma formalmente dois pesos e duas medidas no Judiciário Federal.
Em 24 de dezembro de 2019, quando concedeu liminar à Ajufe determinando que os Tribunais Regionais Federais reservassem o 1/³ de férias dos magistrados até regulamentação da Resolução CNJ 293/2019 pelo CJF, Toffoli destacou que a Associação afirmava na inicial da Reclamação para Garantia das Decisões nº 0009882-49.2019.2.00.0000 que “o Conselho da Justiça Federal vem descumprindo determinação do parágrafo 3º do art. 1º da Resolução”. Segundo menciona Toffoli, a entidade representativa dos magistrados alegava que os TRFs “vinham permitindo indicar os 10 dias que irão converter em abono”, mas não teriam dado aplicabilidade à determinação da Resolução e ainda teriam postergado a regulamentação da mesma.
Aprovada no CNJ em agosto do ano passado, o artigo 2º da Resolução estabelece, entre outras questões, que a indenização das férias seria regulamentada em 30 dias.
A Reclamação foi proposta pela Ajufe em 18 de dezembro do ano passado, e no dia 24 já tinha sido concedida liminar determinando que os TRFs fizessem “reserva do período a ser convertido (1/3 das férias do primeiro semestre de 2020) no aguardo da regulamentação do CJF, para aqueles que se manifestaram e para os que não tiveram oportunidade.”
Conforme registra a decisão mais recente, o TRF-3 e demais regionais informaram ter reservado os dias nas respectivas escalas de férias “até ulterior deliberação”. O TRF-2 acrescentou em sua manifestação que não havia previsão orçamentária para a despesa neste ano e que o Conselho da Justiça Federal deveria assegurar a adequação de orçamento dos regionais para atendimento à demanda e à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Passados oito meses, diante da falta de regulamentação no CJF, o presidente do CNJ resolveu o problema com uma canetada. Na decisão de agosto, Toffoli apontou o expressivo acréscimo orçamentário e economia com a pandemia como justificativa para atender ao pleito dos juízes.
Logo no começo da quarentena imposta com a pandemia do novo coronavírus e a suspensão do expediente presencial nos tribunais, em 31 de março deste ano o presidente do CNJ determinou que o pagamento de diversos benefícios deveria ser submetido prévia autorização do Conselho (foto).
Na sequência, os tribunais regionais federais e do Trabalho suspenderam o pagamento integral da indenização de transporte dos oficiais de justiça (integralmente na JT com base em resolução do conselho superior e sem a comprovação de diligência externa na JF, onde os oficiais continuaram realizando atividades de rua para cumprimento de mandados urgentes). O segmento e o Sindicato destacam que os gastos com manutenção dos veículos próprios que os oficiais utilizam para trabalhar não foram suspensos, e na volta ao expediente normal esses servidores terão de cumprir diligências que não tenham sido realizadas no período de suspensão das atividade presenciais.
A direção do Sindicato ressalta também a diferença de tratamento na garantia de direitos salariais previstos na Constituição para os servidores. O inciso X do artigo 37 da Constituição Federal estabelece que “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 [vencimentos da magistratura incluídos] somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
Em setembro do ano passado o ministro Dias Toffoli deu maioria no plenário do Supremo à tese que relativizou o direito à data-base, ao negar o direito de indenização pelo descumprimento da Constituição.
O último reajuste da categoria judiciária deu-se após a greve de 2015, com integralização em janeiro de 2019, e Toffoli está encerrando seu mandato no próximo dia 10 tendo se negado ao longo de toda a gestão a discutir a política salarial e de carreira dos servidores do Judiciário. Recentemente foi instituído o Fórum Permanente de Gestão da Carreira dos Servidores do PJU, mas não houve nenhuma reunião do colegiado até a publicação deste texto.
Em 24 de dezembro, quando conferiu liminar atendendo à demanda da Ajufe, o presidente do STF e do CNJ apontou que haveria violação do artigo 1º da Resolução CNJ 293/2019, acrescentando que “o direito alegado consiste a previsão normativa que assegura, expressamente, direito de conversão em pecúnia de um terço de férias”.
Enquanto aos juízes o presidente do Supremo reconheceu o risco de perecimento do que considerou direito — após oito meses de ausência de regulamentação do pagamento de indenização de férias aos magistrados por parte do CJF —, os servidores aguardam desde os anos 1990 o cumprimento da determinação constitucional de revisão geral anual dos salários sem distinção de índices.
As reposições parciais de perdas até aqui conquistadas dependeram todas de longas greves e mobilizações. E a negativa de indenização pelo descumprimento da data-base, imposta com o voto de Toffoli no ano passado, tornou relativo um direito constitucional.
Na década de 1990 uma canção afirmava que ‘Aqui embaixo as leis são diferentes’. A decisão administrativa de Toffoli confirma a tese. Ao longo de anos as entidades representativas dos trabalhadores – Sintrajud, Fenajufe e demais sindicatos – cobram uniformização dos critérios salariais e administrativos a partir dos parâmetros dos Tribunais Superiores.
O Sindicato também demanda historicamente às administrações isonomia no pagamento de benefícios aos servidores com base nos critérios mais justos implementados no país. Em outubro passado, o diretor-geral do CNJ alegou em reunião com dirigentes sindicais da categoria que o fim das compensações orçamentárias previstas na EC 95 para este ano dificultavam o atendimento ao pleito de atualizar os valores do auxílio-saúde, congelado há cinco anos (leia aqui).
O auxílio-saúde foi o único benefício geral que escapou do congelamento expresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias nos últimos anos. A demanda de atualização dos valores foi apresentada em reuniões do Sintrajud, Sinstrajusc e Sitraemg com as direções do CNJ, CJF, CSJT e TSE, mas a resposta de todos os órgãos superiores foi que não havia margem para tal, embora estudos do assessor econômico do Sintrajud, Washington Moura, demonstrassem o contrário.
Ao determinar a compra de 1/3 das férias dos magistrados, o presidente do STF e do CNJ ressaltou, no entanto, estudo da Ajufe que “procurou demonstrar a viabilidade do pagamento do abono pecuniário de férias no âmbito da Justiça Federal”.
A reunião no CNJ que discutiu o valor do auxílio saúde pago aos servidores aconteceu no dia 24 de outubro. Exatamente dois meses depois, na noite de Natal, Toffoli deu a liminar que prenunciava um gasto sem previsão legal e mandou que os tribunais regionais federais fizessem a reserva do 1/3 de férias dos magistrados.
Para os servidores, após muita mobilização, somente o TSE, em abril deste ano, autorizou a atualização do valor do benefício. No TRE de São Paulo, a partir de maio o auxílio foi reajustado em 16%, após cinco anos de congelamento. No TRT, com o reajuste do contrato do plano, o Tribunal absorveu o aumento médio de 10,33% que incidiria sobre os vencimentos dos servidores até mês. Na Justiça Federal de São Paulo, Grande São Paulo e algumas cidades dos Vales do Paraíba e do Ribeira houve reajuste médio de 8%, retroativo a janeiro, no valor custeado pelos servidores. O Sintrajud está questionando o aumento (leia aqui).
A diretoria do Sintrajud considera inadmissível que juízes possam vender e e tribunais possam comprar férias, enquanto aos servidores, que estão na base da pirâmide salarial, é impedido ou limitado até mesmo remarcar férias agendadas para período que coincidiu com a quarentena. Aos servidores também está sendo imposto pagar reajuste retroativo a janeiro em plano de saúde. E os trabalhadores do Judiciário também não vêm recebendo qualquer contrapartida em recursos ou auxílio para toda a estrutura pessoal que colocam à disposição da justiça no home office, sem que para isso tenham dado causa.