Relator da PEC 186 recua em corte salarial, mas amplia congelamento e extingue ‘piso’ da saúde e educação


23/02/2021 - Luciana Araujo
Substitutivo que pode ser votado nesta quinta prevê fim de verbas constitucionais "carimbadas" e amplia congelamento salarial e ataques a direitos do funcionalismo; mobilização afastou redução de salário, mas ataque pode ser retomado.

Apresentado nesta terça-feira (23 de fevereiro), o relatório substitutivo à proposta de emenda constitucional (PEC) 186/2019 recua, ao menos temporariamente, da intenção de reduzir em até 25% os salários e jornadas dos servidores públicos. Uma vitória parcial importante num cenário de retirada de inúmeros direitos.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), eleito com apoio do governo de Jair Bolsonaro, promete colocar o texto em votação no próximo dia 25, quinta-feira.

Leia aqui a íntegra do relatório

O próprio substitutivo, no entanto, abre brechas para que o tema volte ao debate até mesmo como emenda de plenário durante a votação da PEC. Ao excluir a medida, o relator da PEC, senador Márcio Bittar (MDB-AC), destaca que o corte salarial acompanhado de redução da jornada não seria “ofensa a cláusula pétrea”.

Bittar afirma ainda que mesmo que a Constituição consagre a irredutibilidade de subsídios e vencimentos, a garantia estaria “sujeita a restrições”. A decisão do Supremo Tribunal Federal em 2019, que relativizou a irredutibilidade, sob comando do ministro Dias Toffoli, é trazida pelo senador como sustentação jurídica à tese que mantém a espada da perda remuneratória sobre as cabeças dos servidores.  Ainda que o próprio senador reconheça que “a magnitude da folha de pessoal é uma medida dos serviços que devem ser prestados à população, em especial nas áreas de segurança, saúde e educação”.

A reflexão apresentada no relatório como mudança de posicionamento parece denunciar o efeito da campanha de esclarecimento realizada pelas entidades de servidores junto à população, que se refletiu numa rejeição de 92% dos votantes na Consulta Pública aberta pelo Senado à PEC 186/2019.

Ataques mantidos

Outras medidas de ataque ao funcionalismo estão mantidas no texto, como o congelamento das promoções e progressões, concursos, reajuste de salários e benefícios, criação e provimento de cargos, sempre que descumprido o limite estabelecido pelo Novo Regime Fiscal. O texto possibilita que tais medidas sejam estendidas por anos (ao menos mais dois após o fim de estado de calamidade decretado, ou enquanto não houver um superávit primário de pelo menos cinco por cento), com ampliação dos ataques da emenda constitucional 95/2016, do “teto de gastos”, aprovada com o apoio de Bolsonaro durante o governo de Michel Temer. Também está prevista a obrigação de cortes nos orçamentos das despesas discricionárias em todos os poderes caso as metas fiscais previstas na leis de diretrizes orçamentárias não sejam atingidas.

Para a diretoria do Sintrajud, é necessário prosseguir e intensificar a mobilização, incluindo as iniciativas de pressão digital sobre o parlamento. O Sindicato impulsiona uma carta aberta aos senadores contra a aprovação da PEC (clique aqui e envie a sua mensagem) e orienta que a categoria vote na consulta online do Senado (clique aqui).

A vinculação dos ataques aos servidores e serviços públicos à prorrogação do auxílio emergencial para quem vive em situação de vulnerabilidade decorrente da pandemia é outro aspecto que a diretoria do Sindicato considera importante desmistificar junto à sociedade. Nesta quarta-feira, entidades do funcionalismo e parlamentares da oposição vão protocolar um documento junto à presidência do Senado pedindo a desvinculação do benefício assistencial aos ataques a direitos e aos serviços públicos.

O dirigente do Sindicato e servidor do TRT-2 Tarcisio Ferreira destaca que “o governo tenta fazer chantagem ao lançar uma falsa oposição entre o auxílio emergencial e os demais serviços públicos, igualmente fundamentais e necessários. Também é uma falácia usar o termo ’emergencial’, na medida em que o texto articulado pelo governo faz uma série de mudanças estruturais na política fiscal e aprofunda a política do teto de gastos”, afirma.

A chamada ‘PEC Emergencial’ foi apresentada em novembro de 2019, muito antes da pandemia, e ficou paralisada no Congresso Nacional até agora. Para acelerar a aprovação dos ataques aos serviços e servidores públicos, o governo de Jair Bolsonaro costurou com o presidente do Senado inserir no texto a associação com o auxílio a brasileiros em situação de vulnerabilidade. Márcio Bittar, eleito com apoio do Planalto, adendou ao texto a desvinculação dos orçamentos da saúde e educação.

Saúde e educação na mira

Ao recuar do confisco aos vencimentos de servidores, muitos deles na linha de frente do enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, que já vitimou quase 250 mil brasileiros, relator da PEC decidiu propor extinguir o orçamento vinculado de saúde e educação.

Hoje, estados e municípios são constitucionalmente obrigados a despender um mínimo de 25%, e a União 18%, da Receita Líquida de Impostos (RLI) em educação. No caso da saúde, o percentual é de 12% da receita para estados e 15% para a União e os municípios. Durante a vigência da EC 95, que já achatou os limites, está previsto o investimento do orçamento do ano anterior corrigido pelo IPCA. Se a PEC 186 for aprovada, todos esses patamares mínimos deixam de ser obrigatórios. Em 2020 o orçamento da União para a educação já foi o menor em uma década – R$ 42,8 bilhões. A desvinculação orçamentária pode fazer retroceder ainda mais os gastos governamentais na área.

“O texto da PEC 186/2019 aprofunda o desmonte causado pelo teto dos gastos públicos federais. Além disso, neutraliza as conquistas do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica]. No meio da pandemia, enfraquece ainda mais o SUS. O governo Bolsonaro quer lançar o Brasil na ignorância e na morte”, afirmou à reportagem o sociólogo Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP que coordenou por dez anos a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A proposta de “remover as amarras orçamentárias, inclusive as relativas a saúde e educação” e os repasses ao BNDES destinados ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico, vão favorecer o mercado financeiro. O relator nem procurou esconder que a drenagem de recursos que podem salvar vidas de milhares de brasileiros visa assegurar a remuneração da banca. Bittar ressalta em seu relatório que um dos principais objetivos da PEC é “estabelecer a obrigação dos entes federados de, por meio de suas políticas fiscais, assegurarem a sustentabilidade da dívida pública, devendo tal orientação se refletir nos planos e orçamentos elaborados e executados”.

“O que a gente chamava de ‘PEC da Morte’, que resultou na emenda 95, com essa nova PEC é aprofundado. Aproveitam-se da pandemia para aprofundar os cortes de investimentos públicos que já prejudicavam os serviços devidos pelo estado à população, chegando ao ponto de suprimir os percentuais mínimos destinados à saúde e à educação, para obediência ao teto de gastos e colocando em ainda maior disputa do orçamento setores dos serviços públicos que têm que ser sustentados pelo estado”, ressalta Tarcisio Ferreira.

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