Orçamento e PEC Emergencial abrem ano de luta em defesa do serviço público


04/02/2021 - helio batista
Votações no Congresso, agora sob comando do centrão, ameaçam salários e direitos do funcionalismo.

Arthur Lira (PP-AL), novo presidente da Câmara, discursa durante sessão para eleição da mesa diretora. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Com a abertura do ano judiciário e do ano legislativo na última segunda-feira, 1º de fevereiro, iniciou-se a contagem regressiva para os duros embates que os servidores terão de enfrentar na defesa de seus salários e do próprio serviço público. As primeiras batalhas devem se dar em torno do Orçamento da União e da PEC Emergencial (PEC 186/2019), com o horizonte ainda turvado pelas ameaças contidas no projeto de ‘reforma’ administrativa.

A proposta orçamentária enviada pelo governo Bolsonaro em agosto do ano passado ainda não foi votada devido a um impasse político na instalação da Comissão Mista de Orçamento. O Congresso votou apenas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada em 16 de dezembro.

Já a PEC Emergencial, enviada ao Senado em novembro de 2019 (antes, portanto, da pandemia), tem por objetivo garantir o cumprimento de duas regras que limitam o uso do dinheiro público: o teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016) e a Regra de Ouro—proibição constitucional de o governo se endividar para pagar despesas correntes.

A partir de determinado limite de comprometimento orçamentário nas três esferas de governo, a PEC prevê medidas para cortar gastos, com destaque para a redução em 25% de salários e jornadas de trabalho de servidores. Se estivesse em vigor, o gatilho já poderia ser acionado no governo federal e na maioria dos estados e municípios.

Quando ainda presidia a Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) declarou mais de uma vez que o Orçamento só poderia ser votado depois da aprovação da PEC Emergencial. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro chegaram a colocar a PEC como condição para a renovação do auxílio emergencial, numa estratégia para pressionar o Congresso e ao mesmo tempo colocar a população contra os servidores.

Agora, tanto o Orçamento como a PEC Emergencial serão votados num cenário que combina o recrudescimento da pandemia, o agravamento da crise econômica e a ampliação do domínio do Centrão sobre o Congresso e o governo Bolsonaro. Na última segunda-feira, o governo conseguiu eleger seus candidatos para as presidências da Câmara e do Senado, respectivamente o deputado Arthur Lira (PP/AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG).

Essa combinação aumenta o risco de que ajustes no Orçamento – para acomodar as demandas do Centrão e a prorrogação do auxílio-emergencial – sejam feitos às custas dos direitos previstos em lei para o funcionalismo e com os serviços públicos (o que as PECs da ‘reforma’ administrativa tentam desconstitucionalizar.

Crise avança e Estado recua

Enquanto o Orçamento não é aprovado, o governo executa as despesas por meio da chamada regra dos duodécimos: a cada mês pode usar apenas 1/12 do valor previsto para o ano em despesas inadiáveis, além de gastos obrigatórios, prevenção de catástrofes, financiamentos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e serviços de saúde essenciais.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê um déficit de até R$ 233,6 bilhões nas contas do governo federal neste ano, sem contar as despesas financeiras. Essas, formadas principalmente por amortização de dívidas (inclusive refinanciamento), juros e encargos, somam R$ 2,36 trilhões, o que representa 56,9% dos orçamentos fiscal e da seguridade social. Na LDO, a projeção de déficit é ainda maior, chegando a R$ 247,1 bilhões.

Ao analisar o Projeto, técnicos do Congresso observaram que o agravamento dos problemas econômicos e sociais causados pela pandemia não alterou a agenda do governo, de redução do Estado e atendimento do setor financeiro.

“Até mesmo o mercado parece entender que a atuação do poder público para estimular a atividade econômica seria, no momento, justificável e talvez necessária”, diz a Nota Técnica Conjunta 4/2020, elaborada por técnicos da Câmara e do Senado. “Mas o projeto de lei mostra que o foco do Poder Executivo no comportamento da dívida e do déficit público continua o mesmo de antes da atual crise, o que o distancia dos graves problemas que afetam a economia”.

Sem concursos nem reajustes

A programação para 2021 prevê um gasto de R$ 2,44 bilhões com provimento, admissão ou contratação de servidores, mas apenas R$ 273 milhões referem-se a esse tipo de despesa no Poder Judiciário, que em todos os ramos segue com orçamentos variando abaixo da inflação (ver quadro).

  Dotação 2020LOA 2021  Variação
Supremo Tribunal Federal688,4712,53,5%
Justiça Federal12.436,512.956,34,17%
Justiça Militar da União581,1597,92,89%
Justiça Eleitoral9.274,69.472,02,13%
Justiça do Trabalho21.016,821.799,63,72%

Valores em milhões de R$               IPCA 2020: 4,52%

Fonte: Nota Técnica Conjunta Nº 4/2020 – Conorf (SF) e Conof (CD)

 

Desde o ano passado e até o final deste ano contratações de servidores e reajustes de salário para o funcionalismo estão limitadas pela Lei Complementar 173/2019, que estabeleceu medidas fiscais e administrativas para o enfrentamento da pandemia nas três esferas de governo. O preenchimento de cargos vagos só é possível graças a um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), segundo o qual a LC 173 não afeta as vacâncias anteriores a 28 de maio do ano passado.

Foi esse parecer que possibilitou, por exemplo, o ingresso de 59 servidores no TRE de São Paulo em outubro do ano passado. Apesar dos provimentos, o quadro continua aquém das necessidades do Regional, que agora se vê às voltas com a ameaça da devolução de até 1.264 servidores requisitados de outros órgãos.

Nos demais tribunais, a carência de pessoal também vem se agravando diante da suspensão dos concursos públicos e das vagas que se abrem com as aposentadorias. Além da sobrecarga de trabalho, os servidores que permanecem têm de lidar com o congelamento dos salários e dos benefícios.

A última parcela do reajuste salarial conquistado pelos servidores do Judiciário Federal com a greve de 2015 foi paga em janeiro de 2019. Desde então, a categoria sofre até redução de salário, com o aumento das alíquotas de contribuição previdenciária que resultou da reforma da Previdência e o reajuste das mensalidades dos planos de saúde sem a contrapartida equivalente dos tribunais.

No TRT-2, foi preciso uma suplementação orçamentária no apagar das luzes de 2020, obtida após pressão da categoria e intervenções do Sindicato perante a administração do Tribunal e o CSJT, para que os servidores não tivessem de arcar integralmente com um reajuste médio de 10,33% no plano de saúde da Notredame, retroativo a junho.

Além de congelar os benefícios, como auxílio pré-escolar, auxílio alimentação e auxílio saúde, o Judiciário mantém disparidades entre os valores pagos nos tribunais superiores e nos regionais. No TRE, onde os servidores ainda não contam com plano de saúde, o valor do auxílio-saúde foi reajustado em 16% no ano passado, para R$ 249,40, mas permanece bem abaixo dos R$ 414,91 pagos no TSE.

 

Pandemia acelera mudanças administrativas

Servidores pagam custos do trabalho remoto e não são ouvidos sobre reorganização dos tribunais

Os tribunais têm aproveitado o período de pandemia e trabalho remoto para dobrar a aposta na reorganização administrativa e no uso da tecnologia, abrindo mão da demanda estrutural por mais servidores. Na abertura do ano judiciário, o presidente do STF, Luiz Fux, destacou a intensificação do uso do PJe como uma das prioridades de sua gestão.

Em todos os tribunais, no entanto, as mudanças seguem unicamente a lógica do “fazer mais com menos” e os servidores não são ouvidos sobre a reestruturação. Enquanto isso, pagam grande parte dos custos do home office, como manutenção de equipamentos e consumo de energia elétrica e internet.

Em São Paulo, o TRF e o TRT providenciam a desocupação de prédios e alterações na rotina de trabalho dos oficiais de justiça, entre outras mudanças. No TRF, a Central Unificada de Mandados (Ceuni) será deslocada para o prédio administrativo (na rua Peixoto Gomide). A Diretoria do Foro admite que o novo espaço será menor do que o atualmente ocupado pelos oficiais, mas diz que há “possibilidade de aumento uma vez que será do tipo coworking“.

No TRT, o espaço onde trabalhavam os oficiais está sendo reformado para receber também a Secretaria de Precatórios. Ao mesmo tempo, o Tribunal está desocupando 11 andares do Edifício Millenium. Segundo o diretor-geral de Administração, Rômulo Borges Araújo, o planejamento de obras do TRT levou em conta o “cenário de incertezas provocado pela pandemia e de expansão do trabalho remoto”.

No TRE, a fim de se readequar à devolução dos servidores requisitados de outros órgãos, foi criada uma comissão para reorganizar a distribuição de cartórios eleitorais no interior do estado,  com a possível unificação de cartórios. Assim como nos outros tribunais, o Regional não abriu espaço à participação dos servidores nas decisões sobre a mudança: nem mesmo o Conselho de Representantes de Cartórios Eleitorais foi representado na comissão.

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