Menos de uma semana separam duas notícias diametralmente opostas: No dia 27 de fevereiro de 2025, o Tribunal de Contas da União decidiu que parte dos servidores e servidoras do Judiciário Federal devem perder um pedaço do reajuste salarial a título de compensação dos quintos. Rejeitou por unanimidade os embargos opostos pela Federação Nacional da categoria (Fenajufe) e sindicatos contra o Acórdão 2266/2024 (leia aqui).
Poucos dias antes, uma reportagem publicada pelo portal UOL mostrava um levantamento da “Transparência Brasil” que aponta que nove em cada dez magistrados no Brasil teriam recebido remunerações acima do teto constitucional em 2024. Isto é, receberam mais de R$ 46.366,19.
O levantamento é mais uma notícia a expor uma realidade inaceitável, porém sem apontar outro aspecto dessa mesma realidade, já muito denunciada pelas entidades sindicais: em meio ao ajuste fiscal imposto pelo governo Lula/Alckmin e pelo Congresso Nacional, as administrações dos tribunais adotam uma política orçamentária que concede ‘tudo aos juízes’, enquanto ignora as demandas dos servidores ou até impõe cortes, como se vê no auxílio-saúde.
Há ainda outro elemento grave: essa política de gestão deixa de investir no bom funcionamento deste setor público e alimenta as campanhas que tentam atacar, pelo viés reacionário, o Judiciário no Brasil.
A Diretoria do Sintrajud repudia esse movimento das administrações, que diante das restrições fiscais impostas pela política orçamentária e fiscal do governo Lula/Alckmin, com base no Arcabouço Fiscal, resolve buscar recursos para os penduricalhos de juízes e procuradores retirando direitos dos servidores e servidoras.
Numa palestra recente para servidores, o economista David Deccache alertou que se desenha um caminho insustentável para as políticas sociais com a lógica do Arcabouço Fiscal. Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, David expôs aspectos dos impactos das restrições fiscais que vigoram no governo Lula sobre os serviços públicos e a classe trabalhadora em geral.
Defendeu, ainda, uma reação urgente para evitar um cenário ainda pior. “O novo Arcabouço Fiscal foi aprovado em regime de urgência para não ser discutido. Eles não vão avisar quando forem fazer [novos ataques]. E isso pode acontecer com a saúde, a educação, áreas que estão sempre sob ameaça”, disse, assinalando que já há vários estudos restritos de setores ligados aos interesses do mercado que incidem contra os serviços públicos prestados à população em todas as áreas.
No Judiciário, cresce a insatisfação e indignação com as gestões dos tribunais que asfixiam os benefícios e contracheques dos servidores e servidoras – as perdas salarias crescem sem perspectivas de novos reajustes e auxílios como o saúde são até reduzidos – para garantir recursos para magistratura.
A Diretoria do Sintrajud volta a defender a organização coletiva da categoria para construir as mobilizações e a greve de 24h do dia 20 de março. É urgente enfrentar tantos ataques: já passou da hora de transformar a indignação individual em reação e luta coletiva.
A diretoria do Sindicato também publicou nota de repúdio às reportagens que a mídia comercial, especialmente o jornal ‘Folha de S.Paulo’ vem pautando sobre os ganhos da magistratura sem dinstingui-los de servidores e servidoras, como se todos ganhassem o mesmo e fosse possível traçar uma média considerando os membros do Poder e seus trabalhadores/as.
Confira abaixo a nota publicada pelo Sintrajud em 10 de fevereiro de 2025:
Em meio à era das fake news, o jornal ‘Folha de S.Paulo’ produziu no último sábado (8 de fevereiro) mais uma reportagem deliberadamente distorcida com o objetivo de atacar servidores e serviços públicos. Elencamos abaixo os dez principais esclarecimentos à sociedade brasileira que se fazem necessários.
1 – A mistura de vencimentos de juízes e desembargadores com os de funcionários técnicos e analistas para calcular uma “média” salarial do Poder Judiciário não é confusão. É parte de um projeto de criminalização do funcionalismo para engajar sociedade na defesa das privatizações indiscriminadas. Nem mesmo após a pandemia de Covid-19, que evidenciou a importância do servidor público de carreira para o impedimento e/ou denúncia de irregularidades, apadrinhamentos e negativa de direitos, a ‘Folha’ mudou sua postura de ataques permanentes ao funcionalismo. Assim poupando as cúpulas dos Poderes e defendendo a política de ajustes fiscais que beneficiam banqueiros e empresas como as do sistema de mídia, contempladas por isenções fiscais que saem do orçamento que deveria assegurar direitos.
2 – Essa narrativa da média de banana divida por abacaxi é também uma forma de acobertar os penduricalhos autoconcedidos por juízes, desembargadores e ministros, jogando na confusão de que todo mundo participa da farra denunciada cotidianamente pelas entidades representativas de servidores em todo o país. Não à toa, outro grande veículo de mídia, o jornal ‘Valor Econômico’, abriu espaço ao ministro do STF Flávio Dino para jogar água no moinho da confusão de que o Judiciário aumentaria salários de servidores.
3 – Os vencimentos de servidores do Judiciário são decididos por meio de leis aprovadas no Congresso Nacional, que sistematicamente tem aprovado barreiras à recomposição salarial por meio do arcabouço fiscal. Já a magistratura tem se autoconcedido uma série de benefícios à margem da legislação, incluindo a retomada do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), explicitamente vedado na Constituição Federal.
4 – Após sete anos de congelamento nos governos de Jair Bolsonaro e Michel Temer, os servidores públicos não vêm tendo respeitada a disposição constitucional da data-base (direito de qualquer trabalhador), inclusive com anuência do Supremo Tribunal Federal, que relativizou o direito em prol do “ajuste” fiscal. A terceira parcela de uma reposição parcial de perdas salariais conquistada em 2023, e integralizada neste mês de fevereiro, nos coloca novamente sem perspectiva de quando nossos salários serão adequados, frente a uma inflação que é sentida por toda a população trabalhadora.
5 – A referência temporal escolhida na matéria é outra distorção absurda. Em 1985 tivemos um ano de hiperinflação. Os servidores do Judiciário Federal sequer tinham carreira reconhecida e recebiam vencimentos básicos em muitos casos abaixo do salário mínimo da época (o que exigia complementação para adequar a remuneração da pessoa à legislação). A intencional distorção revela que o que a Folha realmente defende é que quem arrecada milhões passe fome.
6 – Os servidores são os responsáveis pela efetivação do combate a crimes federais, arrecadação e persecução penal, muitas vezes se expondo a riscos que os juízes não se expõem em seus gabinetes. É o caso dos oficiais de justiça, muitas vezes vitimados pela violência no exercício funcional, inclusive com mortes. Mas são os magistrados que recebem adicional de produtividade.
7 – Em diversos tribunais, enquanto se autoconcederam benefícios e penduricalhos “legalizados” por decisões administrativas ou judiciais, a mesma magistratura vem determinando o corte de parcelas salariais dos servidores. Caso do TRT-2, que promoveu um corte de 25% do auxílio-saúde em 2024, um mês após alguns juízes receberem até 130 mil reais. Em dezembro do ano passado, juízes e promotores se presentearam com penduricalhos da ordem de até R$ 1 milhão de reais. Nada disso foi pago aos servidores.
8 – É necessário denunciar a apropriação orçamentária que a magistratura tem feito ao arrepio da legislação. O Sintrajud e a Fenajufe fazem isso permanentemente.
9 – A sobrecarga de trabalho crescente tem derivado em adoecimento e transtornos que muitas vezes são negligenciados pelas administrações devido à subserviência à lógica do ajuste fiscal.
10 – Um jornalismo que se afirma “a serviço do Brasil” não pode produzir deliberadamente fake news para defender seus princípios editoriais ultraliberais.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2025.
Diretoria Executiva do Sintrajud