Em meio à mobilização de servidores que levou mais de 250 pessoas à assembleia setorial no último dia 28, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo convocou para esta quarta-feira (04 de dezembro) um webinário para apresentar seu plano de terceirizações. Em meio ao monólogo administrativo no qual servidores só podiam enviar perguntas por escrito que não foram mencionadas e muitas sequer foram respondidas no chat oficial, uma nota no grupo de comunicação interna informou que será paga ainda neste mês a vitória judicial obtida pelo Sintrajud. A origem do pagamento, no entanto, não foi mencionada.
A VPI (vantagem pecuniária individual) foi uma conquista judicial do Sindicato, em ação que transitou em julgado e gerou o pagamento da parcela a servidores do Judiciário de todo o país após o presidente do Supremo Tribunal Federal estender o acórdão obtido pelo Sintrajud aos servidores da Suprema Corte administrativamente. O TRE-SP, no entanto, omitiu essa informação em sua publicação oficial divulgada enquanto a alta administração anunciava um plano classificado como “trágico” por um servidor ouvido pela reportagem.
Em meio a merecidos elogios aos requisitados, que desde a criação da Justiça Eleitoral, em 1932, são parte fundamental do quadro funcional deste ramo judiciário, a administração reconheceu que são legítimas as preocupações de servidores e do Sindicato. Mas tentou convencer a todos que foi prudente ao gestar um plano sem esteio financeiro ou autorização do Tribunal Superior Eleitoral para ser posto em marcha.
“A gente tem que entender o dinamismo da gestão pública como um todo e esse contexto, essa realidade de requisição, não mais consegue se sustentar. Não consegue mais se manter, por ene razões. Porque os órgãos públicos aguentam mais esse modelo da Justiça Eleitoral”, afirmou o diretor-geral Cláucio Corrêa na abertura do evento.
O único exemplo concreto mencionado, no entanto, foi a informação de que o Governo Tarcísio de Freita (Republicanos) teria limitado a 700 os servidores que continuariam sendo cedidos à Justiça Eleitoral pelo poder público estadual.
Cláucio disse ainda que em reunião com a diretora-geral do TSE, na semana passada, ouviu que “não está em cogitação pelo TSE essa prorrogação”.
Poucos minutos depois, o próprio diretor-geral, no entanto, se contradisse. “Se prorrogarem, perfeito, ótimo. Aí a gente pode até sobrestar a terceirização”, afirmou, dando a entender que não há uma decisão definitiva da Corte Superior de eliminar cerca de 3.500 servidores requisitados que atuam na Justiça Eleitoral em todo o país e estão na condição de terem que retornar aos órgãos de origem a partir de julho deste ano, conforme a Resolução nº 23.720/2023, um terço deles em São Paulo.
Na sequência, a servidora integrante da Comissão de Força de Trabalho criada pelo Regional para analisar a questão, Ana Maria Rocha, também afirmou que os cartórios poderão continuar requisitando servidores de outros órgãos, visto que não há projeto de constituição de força de trabalho própria com concursos em quantidade necessária. “O instituto da requisição segue sendo permitido na Justiça Eleitoral e os Cartórios Eleitorais continuarão podendo requisitar servidores de outros órgãos”, informava a apresentação de Ana Maria.
Ao longo de uma hora de explanação, o TRE-SP só não conseguiu explicar porquê, se a requisição continuará sendo autorizada, o poder público vai abrir mão de servidores concursados de outros órgãos que em alguns casos estão há mais tempo na Justiça Eleitoral que toda a alta administração, com aprofundado conhecimento da rotina de trabalho.
Para piorar, o plano não tem garantia orçamentária por parte do TSE. Durante o webinário foi dito que a administração pretende utilizar o orçamento “liberado” pela extinção do programa de estágio de nível superior que foi denunciado e suspenso. Ou seja, confessou a precarização como projeto, com salários aviltantes como é prática na economia terceirizada no Brasil para trabalhadores, e a proposta de contratar empresas que vão lidar com o maior banco de dados do país. “A gente não tem nem um planejamento oficial do TSE para reposição dessa força de trabalho que a gente vai perder ano que vem”, reconheceu Ana Maria, que disse ainda que a proposta de terceirização teria sido levantada por chefes de cartórios.
O coordenador de Educação, Desenvolvimento e Apoio à Governança, Leandro Tamashiro, foi ainda mais enfático. “Não vai dar para atender todo mundo desde o início do programa porque não tem dinheiro”, afirmou. A “solução” desenvolvida pelo Tribunal é priorizar zonas eleitorais em situação mais crítica, cujo método de avaliação não foi devidamente esclarecido. E só em 2027 haveria possibilidade de cada cartório ter ao menos um terceirizado.
Até lá, as equipes terão que se virar para fazer “mais com menos”, como tem preconizado a gestão judiciária nos últimos anos.
Sobre o perigo de vazamentos de dados, a administração tentou convencer que seria pequeno pois nos postos do Poupatempo, que estão sendo extintos, e no alistamento eleitoral já são utilizados serviços terceirizados e estariam “sendo estudadas” cláusulas contratuais para mitigar os riscos. O que não foi dito é que, nos dois casos, as empresas terceirizadas não têm acesso a todos os dados com os quais os servidores lidam nos cartórios.
No mesmo dia o país tomou conhecimento de denúncias de fraudes em transferências de domicílio eleitoral nas últimas eleições, a partir da maniputação terceirizada dos dados do TRE no Piauí em cinco municípios (saiba mais aqui).
O coordenador-geral do Sintrajud e chefe de cartório Lutemberg Souza apresentou um questionamento que não foi respondido pela administração. “Não passamos do tempo de realizar estudos mais aprofundados no sentido de dar à Justiça Eleitoral a grandeza que ela merece, com o estabelecimento de quadro próprio? Claro que não acontece de uma hora para outra, mas é necessário começar, no mínimo, a se pensar nisso. A terceirização nada mais é do que a precarização do trabalho, o incentivo à falta de profissionalização”, pautou dirigente do Sindicato.
Diante da postura da administração, a diretoria do Sindicato colocou em circulação o abaixo-assinado aprovado na assembleia do último dia 28, contra a terceirização e perda dos servidores requisitados. Acesse aqui e repasse a todos os colegas
“Respeitamos demais e temos toda a consideração pelos trabalhadores terceirizados que já atuam no Tribunal, mas não dessa forma. Como está sendo proposto, será uma tragédia. Especialmente nesta função de auxiliar de cartórios”, avaliou um servidor cuja identidade será preservada para evitar retaliações.
O Sindicato também reiterou solicitação apresentada nesta semana pela diretora Isabella Leal à presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, de audiência para discutir a situação da Justiça Eleitoral paulista e dos requisitados. Ofício formalizou o pedido de reunião e também nesta semana Isabella e a diretora da Fenajufe por São Paulo Luciana Carneiro pediram a intervenção da deputada federal Sâmia Bomfim para buscar abertura na Corte Superior Eleitoral para debater seus rumos. O pedido foi feito durante audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados.
Além disso, o Sindicato vai buscar dialogar também com o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União sobre as ameaças de abrir mão dos servidores requisitados de forma açodada.
Para o ano que vem, a categoria já tem indicativo de mobilização e paralisação no dia 20 de março.
* Texto atualizado às 13h17 do dia 06/12/2024 para corrigir que a servidora Ana Maria Rocha é integrante da CFT, mas não coordenadora.