SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 224 - 23/09/2005 - Página 4

ENTREVISTA - LÚCIA MARIA AMARAL, PSICÓLOGA


‘O assédio moral no Judiciário é gritante’

Psicóloga que atuou por cerca de cinco anos para o TRF-3 afirma que
o assédio moral está disseminado no Judiciário Federal, mesmo que de formas sutis

Psicóloga credenciada pelo TRF-3 entre 1999 a 2004, Lúcia Maria acompanhou casos de assédio moral no tribunal e na Justiça Federal. “O assédio moral no Judiciário é gritante”, afirma. Em 1º de dezembro de 2004, Lúcia foi descredenciada, sem explicações, pelo tribunal, após atender mais de cem servidores em seu consultório.
O comunicado foi feito a ela no dia 18 de outubro daquele ano “para assegurar a possibilidade de desligamento do processo de forma adequada”, logo depois que Lúcia questionou um procedimento adotado pelo departamento responsável na Justiça Federal.
“É preocupante porque se a intenção do tribunal é se preocupar com a saúde dos servidores, não é assim que se lida com um ser humano”, diz.
Apesar de o Tribunal ter se colocado formalmente “à disposição para maiores esclarecimentos”, nenhuma explicação foi obtida pela psicóloga junto à Corte.
Mesmo descredenciada, Lúcia segue atendendo os servidores que acompanhava e emite relatórios semestrais sobre o tratamento de seus pacientes. Formada em 1987 pela FMU, é especialista em psicanálise e psicossomática pelo Sedes-Sapientiae. A seguir, trechos da entrevista concedida à jornalista Luciana Araujo.

Jornal do Judiciário - No período em que você atendeu servidores como parte do credenciamento de seu consultório pelo TRF-3, qual o percentual de casos de assédio moral no universo de pacientes?
Lúcia
- Pelo menos uns 60%.

E dentro desse contesto, quais as principais queixas que você recebia?
As pessoas chegavam com queixas de depressão, que estavam ‘perdidas’, não sabiam o que fazer. Em geral, tinham medo de tudo, até de trabalhar. Essas eram as queixas principais. ‘Estou procurando você porque eu estou muito depressivo’. Alguns estavam com Síndrome do Pânico. A pessoa começa a somatizar e ter problemas emocionais. Até para justificar, ela precisa de ajuda, precisa gritar de alguma forma. Às vezes, a depressão ou somatização de doenças orgânicas é uma maneira do corpo pedir socorro. Mas nem isso é considerado, quando é caso de assédio moral, pela chefia. Ao contrário, quando a pessoa procura atendimento psicológico e esse chefe fica sabendo, começa a boicotar os horários, mesmo sendo um serviço que o tribunal disponibiliza para o funcionário.

Qual o padrão de assédio mais comum na Justiça Federal e no TRF? Acontece mais da pessoa ser encostada num canto? Ou são mais comuns os casos do chefe ‘mandão’?
A maioria é colocada de lado, mudada de mesa, ou é tirado o computador [com o qual a pessoa trabalhava]. É boicotando dessa forma. A minoria é dessa forma que você esta falando, de gritar, humilhar, falar, proibir.

As queixas eram maiores antes da pessoa procurar o tratamento, ou seja, ela se sentia mais agredida antes de te procurar ou depois do tratamento iniciado?
A pessoa já chega dessa forma, com esse tipo de queixa. E às vezes, não piora não. É muito difícil piorar porque a pessoa fica mais estruturada, procura um reforço emocional e fica mais forte, começa a peitar mais e tomar providências.

E o que você recomendaria aos servidores em geral, além da denúncia?
É importante que a pessoa não espere ficar aos frangalhos. Que ela tome uma decisão de procurar ajuda, seja ela qual for, mas que esse sofrimento não fique só para ela, que ela divida. Quando a pessoa começa a dividir o problema, seja de que nível for, ele se sente mais apoiado. Se ele guarda para ele aquilo vira um fardo muito doloroso, muito pesado.

Há quanto tempo você acompanha casos de assédio moral?
Minha experiência teve haver mais com o acompanhamento aos casos no Judiciário. Aí foi gritante, realmente complicou. E é uma coisa que salta aos olhos, porque você pensa: ‘poxa, dentro do Judiciário, da Justiça? Como isso pode acontecer’. Acho que o assédio também pode ser caracterizado como no meu caso, quando se dispensa uma pessoa que presta um serviço direta ou indiretamente e que era competente no serviço por pelo menos seis, sete anos. É muito comum as pessoas chegarem e não encontrarem seu computador no local, ou sua mesa ou suas incumbências, enfim, retiram a sua identidade. E a pessoa pergunta para os colegas e não têm nenhuma explicação. Você não pode pensar. Tem que pensar como eles ou não faz parte do esquema.


Pesquisa sobre assédio é recolhida na JT

O funcionário do sindicato Gastão Cid está recolhendo os questionários sobre o assédio moral distribuídos no início do mês pelos diretores Cláudio Klein e Eliseu Trindade no fórum trabalhista da Barra Funda. Foram entregues cerca de mil pesquisas e 51% já foi recolhido.
Na próxima semana, os diretores do Sintrajud seguirão distribuindo os questionários e conversando com a categoria sobre a importância das respostas. O questionário é parte da pesquisa feita pelo sindicato para identificar a prática do assédio e determinar as formas mais usadas pelas chefias para humilhar cotidianamente as vítimas no local de trabalho.
É importante não banalizar as respostas, relatando episódios ocorridos apenas uma vez, porque o assédio se caracteriza por uma conduta constante, repetitiva de humilhações e imposição de sofrimento ao trabalhador.
Isso não significa que os ataques esporádicos não sejam graves, no entanto, não podem ser qualificados como assédio moral. Contra esses, também cabem denúncias e ações de dano moral. Mas no caso do assédio, é fundamental que a vítima seja acompanhada psicologicamente e que as medidas de combate sejam mais específicas.
Informações sobre o assédio moral e formas de combatê-lo podem ser obtidas pelo telefone (11) 3337-2746 com a advogada Eliana Ferreira (coordenadora do Jurídico do Sintrajud). Quem ainda não entregou o questionário pode solicitar a retidada pelo mesmo número.