SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 223 - 14/09/2005 - Página 7

TRAGÉDIA NA TERRA DO JAZZ


A outra história americana

O furacão Katrina, que abalou o ‘mundo maravilhoso’ de Louis Armstrong,
deixa rastro de mortos, desabrigados, uma cidade destruída
e uma ferida aberta no império capitalista

Cenas da destruição em Nova Orleans

Por Luciana Araujo

O desastre provocado pelo furacão Katrina, que destruiu as cidades de Nova Orleans e parte do Mississipi, já era previsto. No entanto, outra vez o governo Bush mostra sua cara. Os negros pobres da cidade-mãe do jazz foram deixados à própria sorte.
A “coincidência” macabra do número de mortos com a realidade econômica da região mostra o outro lado da América. Em Nova Orleans, 28% da população está abaixo da linha da pobreza e 68% são negros. Este é um dos elementos que explica porque o maior império do mundo vai levar pelo menos seis meses só para drenar as águas que inundaram a cidade, sem previsão para reconstrução da infraestrutura e residências atingidas.
“Enquanto isso, as companhias petrolíferas lucram com a tragédia devido ao aumento de 25% no preço da gasolina e se preparam para receberem milionários contratos do que poderá ser a reconstrução da região”, alerta o servidor Waldo Mermelstein, que escreveu artigo para o Jornal do Judiciário comentando a tragédia (ver ao lado).

‘Fantasias ocultam repressão’
O comentarista da agência independente de notícias Alia (Agência Latino-Americana de Informações), Carlos Suárez, em artigo intitulado “Das torres gêmeas a Nova Orleans: a devastação de George Bush”, diz esperar “que esse desastre seja útil para que grande parte dos deslumbrados pela opulência da 5ª Avenida de Nova Iorque, os inigualáveis shopping e as fantasias da Disneylândia compreendam que esses fogos de artifício ocultam uma repressão similar à que sofreram nossos povos originários e em geral os habitantes do Terceiro Mundo”.
A esperança de Carlos parece concretizar-se. Pesquisa do instituto Gallup/CNN/USA Today, divulgada no último dia 13, mostra que 54% dos norte-americanos desaprovam a maneira como o presidente George W. Bush responde à catástrofe. E 70% querem uma investigação independente para determinar as causas dos erros na assistência aos afetados pelo furacão.

Um abalo na terra do Jazz
O desastre em Nova Orleans deixa também uma perda cultural irreparável. A cidade de Louis Armstrong, do blues e do jazz está submersa. Mas, artistas se organizam para ajuda às vítimas com shows pelo país e pela manutenção do festival de Jazz previsto para 2006 (New Orleans Jazz and Heritage Festival, encontro anual dos amantes do Jazz realizado no hipódromo da cidade).
Espera-se que a união dos trabalhadores americanos e de todo o mundo seja capaz de impor ao governo Bush uma ação decente para reconstruir a cidade e permitir o retorno dos antigos moradores para refazerem suas vidas. E que possam até lá estarem recuperados a ponto de, apesar do imperialismo e de sua sanha por lucros e “guerras preventivas” com o objetivo de aumentá-los, podermos novamente pensar conosco mesmos e com Louis Armstrong: “que mundo maravilhoso”.

Com agências internacionais


CARTA A GEORGE BUSH

Prezado Sr. Bush:
Você consegue imaginar deixar brancos nos telhados de suas casas por cinco dias? (...) Pra que lugar deste planeta você conseguiu extraviar todos os nossos helicópteros militares? Você precisa de ajuda para achá-los?
Outra coisa. Você tem alguma idéia de onde estariam todos os nossos soldados da Guarda Nacional? Nós realmente poderíamos contar com a ajuda deles agora para fazer o tipo de coisa para a qual se alistaram (...). Por que é que eles não estavam lá quando tudo começou?
A integra deste texto está disponível aqui


PONTO DE VISTA - WALDO MERMELSTEIN


Desastre social e humanitário revela
caráter do capitalismo americano

A tragédia de New Orleans merece atenção especial. Agências americanas responsáveis por emergências, a National Geographic e outras fontes já haviam alertado que a cidade não estava preparada para enfrentar um furacão de grau 5. Mas, as verbas para modernização dos diques que protegem a cidade, contenção das inundações e emergências foram diminuídas em até 80% para a sustentação da guerra no Iraque. Enquanto especuladores imobiliários receberam luz verde para reduzir as zonas alagadiças que protegiam os diques do impacto das águas.
A reação do governo foi de total estupidez e descaso, não sendo capaz nem tendo vontade política de enviar água e alimentos durante 4 ou 5 longos dias, o que provocou mortes evitáveis e sofrimentos incalculáveis aos mais de 100 mil habitantes que lá ficaram. Após o desastre, ainda eximiu-se das responsabilidades e tentou acusar os que ficaram de serem um bando de saqueadores.
A operação militar desencadeada após ter ficado clara a bancarrota total de sua política é de uma brutalidade sem par, preocupando-se com a propriedade, impedindo a entrada de auxílio, impondo a lei marcial, tratando os habitantes como bandidos e fazendo uma imensa operação militar com cerca de 65 mil soldados para evacuar até os habitantes que ficaram em regiões não atingidas. Bem ao estilo do que vemos em regiões ocupadas pelas mesmas tropas americanas. E poucas esperanças de reconstrução e indenização surgem das declarações governamentais.
No entanto, o congresso americano aprovou recentemente mais verbas para a guerra no Iraque, totalizando US$ 250 bilhões. Muito mais que o necessário para reconstruir New Orleans e a região.
Acontecimentos dessa magnitude escancaram fenômenos latentes na sociedade. Vemos as primeiras manifestações nas declarações de sobreviventes e comentaristas até na grande imprensa. Ver uma grande cidade submergir e ser ignorada, a falência das instituições supostamente dedicadas ao bem-estar público, como o sistema baseado no lucro privado não é capaz de dar mínimas condições de vida e segurança à maioria dos habitantes, é algo que afetará brutalmente a consciência dos trabalhadores e pobres da maior potência mundial.
Nem falemos da desmoralização completa da liderança política da classe dominante, começando pela do bufão-mor, Bush, com a cumplicidade do Partido Democrata.
A classe dominante do país demonstrou seu desprezo com a maioria explorada, em particular os mais pobres, e entre estes não por casualidade os negros, contra os quais vigora o sempre presente brutal racismo, mal encoberto pela presença de alguns no establishment.
O desastre de New Orleans poderá ser um catalisador para novas alternativas independentes para os trabalhadores e o povo pobre americano. Como trabalhadores brasileiros, é preciso divulgar nossa crítica ao capitalismo imperialista dos EUA e contatar as organizações de trabalhadores americanos para vermos como podemos auxiliar nossos irmãos de classe.
Veja aqui a íntegra desta matéria

Waldo Mermelstein é servidor do TRF-3.