A semana passada foi marcada por vitórias parciais dos trabalhadores contra a política neoliberal adotada no país pelo governo de Fernando Henrique.
Na Câmara, a Comissão de Finanças aprovou o projeto que revisa o Plano de Cargos e Salários do Judiciário. E o governo não conseguiu aprovar no plenário a "flexibilização" de direitos como férias e 13º salário.
A semana também marcou a ratificação do acordo vitorioso que suspendeu a greve dos servidores do INSS. A categoria terá 11% de reajuste linear e conseguiu fazer com que uma nova gratificação, que seria variável, passasse a ter percentual fixo.
A greve dos professores das universidades e escolas técnicas está próxima de um final parcialmente vitorioso, após a decisão do Supremo Tribunal Federal favorável ao pagamento dos salários dos grevistas.
Entretanto, a luta contra o desmonte de direitos assegurados na CLT continua essa semana.
Na quinta passada, deputados governistas fugiram do plenário da Câmara quando o projeto, do ministro Francisco Dornelles (do Trabalho), iria ser votado nominalmente através de declaração oral de voto, devido a um defeito no painel eletrônico de votação. Conscientes que a proposta é prejudicial aos trabalhadores, os parlamentares temiam a repercussão negativa das imagens da votação.
Mas o governo tentará novamente votar o projeto, que tramita em regime de urgência urgentíssima, esta semana. Se aprovado, ele vai para o Senado, onde será travada nova batalha. Caso seja rejeitado na Câmara, só poderia ser recolocado na pauta do Congresso no ano que vem.
O presidente Fernando Henrique disse que mudar as leis trabalhistas é um compromisso seu com empresários. O assessor do Diap (Departamento Intersindical de Assistência Parlamentar) Marcos Verlaine afirma que isso vai além. "É uma exigência para consolidar o último acordo feito com o FMI", diz (entrevista nesta página).
O interesse do governo em aprovar o projeto é grande. Na semana passada, liberou cerca de R$ 4,5 bilhões em emendas orçamentárias de parlamentares governistas para tentar convencê-los a aprovar a medida. Tramitando em regime de urgência, o governo tentou aprová-lo sem que a população tomasse conhecimento. Não teve sucesso.
As manifestações contra o projeto, em Brasília e nas capitais, impediu a votação imediata. As intenções do governo repercutiram mal. "Os salários já estão lá embaixo e ainda temos que negociar direitos como férias e 13º? É um absurdo", critica a comerciária Cecília de Souza.
A batalha continua esta semana no Congresso. Mas é nas mobilizações e denúncias que os sindicalistas apostam para vencer o governo. "Reagiremos com atos e indicativos de paralisação. Depois, vamos publicar cartazes com fotos dos deputados que votarem contra os trabalhadores.", ameaça o secretário-geral da CUT-RJ, Ronaldo Moreno.
Jornal do Judiciário - Como o senhor vê as medidas do governo federal para coibir as greves no serviço público federal?
Fábio Comparato - Elas são perdidamente inconstitucionais.
O presidente pode outorgar a si mesmo tantos poderes (pagamento de salários, ilegalidade de greves, contratação de servidores sem concurso público) em um Estado democrático de direito?
O objetivo dessa absurda concentração de poderes na pessoa do Presidente da República é de fixar no Supremo Tribunal Federal a competência para o julgamento da legalidade e constitucionalidade de todos esses atos administrativos relativos ao funcionalismo federal, na suposição de que aquele Tribunal aprovará, como tem aprovado, todos os atos do Presidente da República.
O pacote antigreve do governo somado às propostas de mudanças do artigo 618 da CLT pode significar um aprofundamento qualitativo na flexibilização das leis trabalhistas. Qual a sua avaliação?
Todas essas propostas e projetos violam os direitos fundamentais dos trabalhadores, declarados na Constituição Federal, nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, todos eles instrumentos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.
Quais as conseqüências essas mudanças teriam para a Justiça do Trabalho?
Obviamente, aprovadas todas essas medidas governamentais, a Justiça do Trabalho ficará mais esvaziada do que já está.
Qual o teor do projeto do governo que desregulamenta leis trabalhistas?
Marcos Verlaine - Esse projeto foi resultado de uma exigência para consolidar o último acordo feito com o FMI. A legislação é flexível para incluir outros direitos e não retirar. O governo quer que o negociado prevaleça sobre a lei. Na prática, quer retirar direitos dos trabalhadores. Os acordos que venham a ser feitos entre empregador e empregado podem reduzir o período de férias, o percentual do FGTS (que não é regulamentado por lei, que determina apenas que seja feito o depósito mas não o percentual), pagar o 13º parcelado, tirar o repouso semanal remunerado, repartir os proventos de férias, suspender o pagamento da licença-maternidade (a trabalhadora pode tirar a licença, mas sem remuneração), retirar o adicional de insalubridade. Outra coisa são as horas extras. Nos finais de semana e feriados, a hora excedente é de 100% e, com o projeto, pode passar a ser negociada.
Quais são os argumentos do governo para justificar o projeto?
O governo propagandeia que o projeto vem para modernizar as relações de trabalho e diminuir o desemprego. Isso é conversa fiada. A OAB é contrária a esse projeto, porque nenhum acordo entre partes pode prevalecer sobre a lei. A Anamatra também é contrária. Para fazer um paralelo, eu diria que o governo agora quer fazer com os trabalhadores privados o que foi feito com os servidores públicos. É mais ou menos isso, trata-se de retirar direitos conquistados ao longo do tempo. É uma provocação ao movimento sindical. Qualquer acordo que seja feito entre empregado e empregador que contradiga a lei não tem amparo legal, portanto, é ilegal.