SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 76 - 26/11/2001 - Página 5

ENTREVISTA - CARMEN DORA DE FREITAS FERREIRA, DIRETORA DO SINTRAJUD

"A cor da pele ainda é critério de exclusão"
Diretora do sindicato e membro da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB, Carmen Dora diz que o debate do dia 23 de novembro tem o objetivo de provocar uma reflexão no Judiciário sobre a discriminação
O Jornal do Judiciário entrevistou a coordenadora executiva do Sintrajud Carmen Dora de Freitas Ferreira, responsável pela organização da Noite da Consciência Negra - evento que será promovido pelo sindicato no dia 23 de novembro às 19h, no Centro Cultural da Marinha (Av. Nove de Julho, 4597 - Jardim Paulista),
Carmen Dora é servidora aposentada do TRT e, como advogada, faz parte da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP). Leia trechos da entrevista concedida à jornalista Luciana Araujo.


Jornal do Judiciário - Qual o objetivo do Sintrajud ao organizar esta atividade relacionada à discriminação racial e o papel do negro na sociedade?
Carmen Dora
- O objetivo é provocar uma reflexão sobre o tema e abrir a discussão no meio judiciário. As oportunidades no Brasil não são iguais. A população negra é significativa e ainda é discriminada quando busca a integração no mercado de trabalho e o ingresso nas escolas de ensino superior. A cor da pela ainda é critério de exclusão, assim como as provas de entrevista e desempenho, que em muitas oportunidades são usadas como subterfúgio para excluir o negro da competição. Mas mesmo com estes percalços o negro vem ascendendo socialmente e ocupando postos de destaque em empresas, nas universidades, no funcionalismo, na mídia.

Algumas novas atividades do Departamento Cultural entraram para o calendário do Sintrajud de vez, como a Mostra de Artes e o Campeonato de Futsal. A perspectiva é fazer o mesmo com o debate sobre as questões ligadas às ditas "minorias"?
Sim, porque neste país as minorias têm grande papel no desenvolvimento - já que emprega sua mão-de-obra em todos os setores de serviços. Na atual conjuntura, o negro não mais se insere entre as minorias, mas mesmo assim é excluído, pois mede-se a qualidade da pessoa levando em consideração a cor de sua pele. Isto fere a auto-estima. É preciso discutir a forma como se reproduz a educação e a cultura: não retratar o negro na mídia também é uma forma de racismo. Até bem pouco tempo os livros didáticos retratavam o negro como subserviente ou como vilão, que não servia e não serve de referência para a criança negra e o adolescente. O mesmo acontece na indústria de brinquedos que fabrica, quase uma totalidade de bonecos que não têm identidade com a criança negra. Essa auto-estima precisa ser recuperada e isso só é possível com a interferência dos agentes multiplicadores de informações e combativos do racismo.

Você foi servidora do Judiciário Federal. Como vê a questão da discriminação dentro da estrutura deste Poder?
Foram 27,5 anos de trabalho prestado na área do judiciário e muitas situações de discriminação foram e são vividas nesta área. Os estereótipos e preconceitos interferem na verdadeira aplicação da justiça e o fator "cor da pele" não passa despercebido. Existe ainda alguma dificuldade dos aplicadores da lei em reconhecer a prática do crime de racismo, procurando sempre desclassificá-lo para outros crimes, como a injúria ou o desacato.

Recentemente houve condenação por racismo no Brasil. No entanto, de maneira geral, atitudes racistas são registradas como dano moral ou injúria. O que a comissão de assuntos antidiscriminatórios da OAB/SP vem fazendo para mudar essa realidade?
Na OAB buscamos proferir palestras específicas, entrevistas de longo alcance e em escolas, levando ao conhecimento do leigo os recursos que ele tem direito para defender-se de uma situação de discriminação racial. Atualmente a lei que pune esse tipo de crime é a 7.716/86 (Lei Caó - Carlos Alberto de Oliveira), em seu artigo 20.
Ainda buscamos erradicar essa marginalidade que é o racismo através da promoção da igualdade social. Desta forma, a nível da categoria promovemos seminários internos de capacitação para advogados, e seminários para a sociedade em geral de conscientização quanto a nocividade da prática do racismo, ressaltando que a lei é um instrumento de modificação comportamental. Os processos não buscam apenas punir os agressores, mas servem também de método pedagógico para neutralizar ou eliminar o racismo.