“Confisco” previdenciário dos servidores começa neste mês, sob contestação judicial


24/03/2020 - helio batista

Março de 2019: faixa do Sintrajud em protesto contra a reforma da Previdência, no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa (Foto: Joca Duarte)

Enquanto lidam com o caos provocado pela pandemia de coronavírus, os servidores do Judiciário Federal pensam em como fechar as contas no final do mês, quando seus vencimentos sofrem o primeiro desconto da nova contribuição previdenciária.

A prévia dos contracheques já mostrou o tamanho do prejuízo causado pela reforma da Previdência que o governo Bolsonaro aprovou no ano passado. Nesta segunda-feira, 23 de março, os salários caíram nas contas com redução.

“Um horror! Fiz várias vezes a conta, porque não estava acreditando. É desanimador”, diz a oficiala de justiça da JF Ana Silvia Poço, diretora de base do Sintrajud na Central de Mandados Unificada (Ceuni) de São Paulo. A partir deste mês, ela sofrerá um desconto de R$ 1.037 acima do que vinha pagando. “É muito dinheiro, vai fazer muita diferença para mim”, conta a servidora.

O aumento do PSSS retira quase um terço do que ela conseguiu com a reposição salarial conquistada pela categoria com a greve realizada em 2015. A atual tabela de vencimentos só veio depois de uma das maiores greves da categoria e o reajuste foi dividido em oito parcelas semestrais, ao passo que o impacto da “Nova Previdência” será sentido de uma vez.

Na JF Santos, o servidor Antonio Carlos Lauriano, diretor do Sintrajud, terá perda de R$ 648 com a elevação da alíquota, mas seus rendimentos já sofreram outro abalo: recentemente transferido para a Central de Processamento Eletrônico (CPE), ele acaba de ficar sem a função comissionada que recebia antes da reestruturação em curso na Justiça Federal, o chamado “Programa e-Vara”.

Sem a FC, Lauriano viu sua renda mensal diminuir em cerca de R$ 1 mil. A taxação da Previdência, por sua vez, agora leva embora mais de R$ 2.700. “Ainda vou sentar e ver quais gastos posso cortar, mas já estou renegociando tarifas bancárias, por exemplo”, afirma.

Seu colega Luiz Cesar Paiva Reis, diretor de base na JF Caraguatatuba, também faz contas. “Tive redução próxima de R$ 300 no salário”, lamenta. “Isso significa ir mais vezes de bicicleta para o trabalho, diminuir alimentação na rua e cortar no lazer.”

Diretora do Sintrajud e servidora do TRF-3, Luciana Carneiro assustou-se já quando foi divulgada a prévia salarial na intranet. “Minha contribuição previdenciária teve um aumento de R$ 193,97. Um verdadeiro confisco”, aponta.

No TRT-2, o servidor Augusto Alves Castelo Branco também vai perder cerca de R$ 300 com o “confisco” previdenciário, apesar da leve redução no Imposto de Renda retido na fonte. A taxação adicional representa 39% do que ele conseguiu acrescentar aos vencimentos com a última reposição salarial.

Tendo entrado no serviço público em 2006, ele relata que antes da ‘reforma’ poderia se aposentar a partir dos 57 anos, com o benefício calculado sobre a média de parte das contribuições (as 80% maiores). Com a reforma, a conta passou a reduzir o valor do benefício e esticar o tempo de trabalho.

Também servidor do TRT-2, Marcus Vergne considera “um ultraje pagar mais à previdência através deste confisco, enquanto metade do orçamento público é destinado a pagamento de uma dívida pública jamais auditada, enquanto bancos batem recordes de lucro”. Ingressante no Judiciário em fevereiro de 2010, Marcus passará a receber R$ 530,00 a menos por causa da contribuição previdenciária.

Luta contra a ‘reforma’ prossegue nos tribunais

Antes da ‘reforma’ previdenciária que o governo de Jair Bolsonaro conseguiu aprovar no ano passado, os servidores que ingressaram no serviço público até 14 de outubro de 2013 pagavam a alíquota de 11% sobre todo o salário, ou 11% até o teto do INSS caso tivessem aderido ao Regime de Previdência Complementar, cujos benefícios são pagos pelas Funpresps. Os ingressantes após aquela data pagavam 11% até o teto do INSS.

Com a ‘Nova previdência’ foram instituídas alíquotas progressivas, que vão de 7,5% a 22% e incidem sobre faixas diferentes do salário, como as do Imposto de Renda (veja quadro). O mecanismo faz com que a alíquota efetiva seja diferente da nominal. Quem recebe R$ 10 mil, por exemplo, tem alíquota nominal de 14,5% e alíquota efetiva de 12,86%.

Outros pontos da ‘reforma’ podem aumentar ainda mais o prejuízo dos servidores: em caso de déficit no sistema, por exemplo, a Emenda Constitucional 103/2019 prevê a criação de alíquotas extraordinárias, de até mais 22%, e a mudança da base de cálculo, para que as alíquotas incidam sobre tudo que ultrapassar o valor do salário mínimo.

Para combater esses ataques aos direitos dos servidores e o confisco dos salários, o Sintrajud tomou diversas iniciativas jurídicas, dando prosseguimento à luta realizada no ano passado com greves, protestos e pressão sobre o Congresso. O Sindicato ingressou com ação contra o aumento da alíquota previdenciária, ajuizada na 2ª Vara Cível do Distrito Federal, apontando a taxação como abusiva. A União manifestou-se pela manutenção da cobrança e o Sindicato aguarda decisão sobre o pedido de tutela de urgência.

Além disso, o Sintrajud pediu ingresso em quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que tramitam no Supremo Tribunal Federal, sendo que três delas contestam as novas alíquotas.

As ADIs 6254, 6255, 6256 e 6271 são movidas por associações de juízes, procuradores, defensores públicos e auditores fiscais. Como sindicatos não podem ingressar diretamente no STF com ações de controle constitucional, o Sintrajud pediu participação como amicus curiae. Em todas, foi determinado o chamado rito abreviado, quando o feito vai direto ao plenário, após manifestações da Advocacia Geral da União, que pediu inadmissibilidade das ações. A Câmara tem se manifestado no mesmo sentido.

 

Contribuição previdenciária a partir de março/2020

Salário de contribuição (R$)Alíquota nominal (%)
Até 1.045,007,5
De 1.045,01 até 2.089,609
De 2.089,61 até 3.134,4012
De 3.134,41 até 6.101,0614
De 6.101,07 até 10.448,0014,5
De 10.448,01 até 20.896,0016,5
De 20.896,01 até 40.747,2019
Acima de 40.747,2022

Veja as tabelas com a nova contribuição dos servidores do Judiciário Federal e as perdas na remuneração.

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