Congelamento da tabela do Imposto de Renda amplia confisco dos salários


29/02/2020 - helio batista

 

Começa na próxima segunda-feira, 2 de março, e termina em 30 de abril o prazo para a entrega das declarações do Imposto de Renda. Têm de cumprir essa obrigação todos os trabalhadores que no ano passado receberam mais de R$ 1.903,98 por mês, o que corresponde a menos de dois salários mínimos.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), se a tabela do Imposto de Renda fosse corrigida de acordo com a inflação, estaria isento quem recebeu até R$ 3.881,65. O número de pessoas isentas passaria de 10 milhões para 20 milhões.

A defasagem da tabela superou pela primeira vez os 100%, de acordo com os cálculos do Sindifisco. A diferença entre o IPCA acumulado desde 1996 (quando a tabela começou a apresentar valores em reais) e a correção aplicada até o ano passado atingiu 103,87%, diz o Sindicato.

Em apenas cinco desses 23 anos as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. A última alteração foi feita em 2015, quando o governo aceitou corrigir a tabela após negociações com o Congresso, aplicando um reajuste escalonado de acordo com as faixas de renda, de 4,5% a 6,5%. Mas a mudança valeu apenas a partir de abril e o IPCA de 2014 já havia chegado a 6,41%.

Categoria paga alíquota máxima

“Como a faixa de isenção não se eleva, a cada ano, mais contribuintes com proporcionalmente menos renda tributável (em especial os assalariados) ingressam na faixa de retenção”, escreveu o jornalista e auditor fiscal aposentado Vilson Antonio Romero, em artigo publicado no site do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Portanto, essa defasagem eleva a carga tributária dos menos aquinhoados, dos mais pobres”, acrescentou.

A falta de correção da tabela não apenas aumenta a parcela salarial retida na fonte como também diminui as deduções. De acordo com o Sindifisco, a aplicação integral do IPCA elevaria a dedução por dependente dos atuais R$ 2.275,08 para R$ 4.646,40 por ano. O teto das deduções com educação passaria de R$ 3.561,50 para R$ 7.260,83.

Entre os servidores do Judiciário Federal, a alíquota máxima do imposto de Renda, de 27,5%, atinge praticamente todos os níveis da carreira (a exceção seria os padrões iniciais do nível auxiliar, para os quais não há concursos há anos). Vilson Romero cita o exemplo de quem ganha valor líquido próximo ao teto do INSS (R$ 6.101): nesse caso, o desconto mensal na fonte, que hoje é de R$ 808,15, não passaria de R$ 195,32 se a tabela fosse corrigida.

O Imposto de Renda incide sobre o Vencimento Básico e as gratificações (GAJ, GAE, etc.), mas não sobre as chamadas verbas indenizatórias, como os auxílios alimentação, saúde e creche. Um caso peculiar é o abono de permanência, que mesmo sendo considerado verba indenizatória, sofre incidência do Imposto.

Confisco

O impacto da mordida do Leão sobre os salários dos servidores é ampliado pelo congelamento salarial da categoria. A última parcela da reposição conquistada em 2016 foi incorporada aos vencimentos em janeiro do ano passado e não há uma nova proposta por parte do STF. Só em 2019, a inflação oficial (IPCA) corroeu 4,31% dos salários.

Com a reforma da Previdência, o que já era uma grande perda de renda se tornou um verdadeiro confisco. A partir do próximo mês, a alíquota de contribuição previdenciária sobe de 11% para 14,68%, em média, sendo paga tanto por servidores da ativa quanto por aposentados e pensionistas.

É importante observar que as alíquotas do Imposto de Renda e da contribuição previdenciária são aplicadas de forma progressiva sobre cada faixa do salário.

Um servidor sem dependentes nem outras deduções que recebe mensalmente R$ 10 mil, por exemplo, está submetido a cinco faixas da base de cálculo do Imposto de Renda e, a partir de março, a cinco alíquotas da contribuição previdenciária. Com isso, embora esteja na faixa salarial das alíquotas de 27,5% para o Imposto de Renda e de 14,5% para a Previdência, esse servidor acaba tendo alíquotas efetivas de, respectivamente, 15,78% e 12,86%. Ainda assim, estará deixando com o governo mais de 28% da sua renda mensal.

Reforma tributária não foca a desigualdade

Debate no Congresso se concentra na simplificação dos impostos.

Com a defasagem na correção da tabela do Imposto de Renda e outras distorções, o sistema tributário brasileiro dá uma grande contribuição para a desigualdade social no país.

Uma das principais injustiças é a tributação sobre o consumo, combinada com a baixa incidência sobre renda e patrimônio, chegando ao ponto de isentar lucros e dividendos. O resultado é uma transferência cada vez maior de dinheiro dos pobres e da classe média para os ricos, ou dos assalariados para os empresários.

Solenidade de instalação da comissão mista do Congresso sobre a reforma tributária, no dia 19 de fevereiro (Foto: Jonas Pereira/Ag. Senado)

No entanto, o combate à desigualdade não é o foco de nenhuma das duas propostas de reforma tributária em discussão no Congresso – a PEC 45, que está na Câmara dos Deputados, e a PEC 110, que tramita no Senado. Em ambas as Casas, formadas majoritariamente por empresários e parlamentares ligados aos interesses empresariais, o debate se concentra na simplificação dos impostos. Além das duas propostas, mais de 100 projetos de reforma tributária estão parados no Congresso.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a declarar no final do ano passado que o governo pretendia elevar para R$ 3 mil a faixa de isenção do Imposto de Renda. Já o secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, disse que a equipe econômica estuda diminuir as deduções nas faixas mais altas de renda, como as despesas com saúde.

A tributação sobre lucros e dividendos também estaria sendo cogitada, mas em troca de uma redução da cobrança sobre as empresas. Até o momento, porém, nenhuma proposta nesse sentido veio a público.

 

Tabela do Imposto de Renda 2020

                  Base de cálculo (R$)Alíquota nominal (%)
                         Até 1.903,98                                  —
                  De 1.903,99 a 2.826,657,5
                  De 1.903,99 a 3.751,0515
                  De 3.751,06 a 4.664,6822,5
                      Acima de 4.664,6827,5

 

Contribuição previdenciária a partir de março/2020

Salário de contribuição (R$)Alíquota nominal (%)
Até 1.045,007,5
De 1.045,01 até 2.089,609
De 2.089,61 até 3.134,4012
De 3.134,41 até 6.101,0614
De 6.101,07 até 10.448,0014,5
De 10.448,01 até 20.896,0016,5
De 20.896,01 até 40.747,2019
Acima de 40.747,2022

 

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