TRE: Assembleia aprova campanha contra calendário que expõe vidas a risco


29/06/2020 - helio batista
Categoria aponta contágio em alta no estado e inicia mobilização para exigir garantia de segurança à vida como condicionante à manutenção do calendário eleitoral.

Servidores dialogam durante a assembleia (reprodução).

Os servidores da Justiça Eleitoral vão deflagrar uma “campanha de mobilização pela vida”, em defesa da saúde de quem trabalhará nas eleições municipais e dos próprios eleitores. O objetivo é mostrar para a população e para o Tribunal Superior Eleitoral a necessidade de suspender o calendário das eleições até que o país tenha controlado a pandemia.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada nesta semana pelo Senado adia o primeiro e o segundo turno para 4 e 29 de novembro, respectivamente, e prorroga outros prazos do pleito. O texto ainda tem de ser votado na Câmara, onde há resistência ao adiamento.

Para os servidores, no entanto, não há como falar em datas para a votação sem o risco de provocar milhares de mortes pelo coronavírus. A live transmitida pelo Sintrajud na última segunda-feira com o professor Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP/Ribeirão Preto, alertou a categoria para a dimensão do perigo, segundo os servidores que participaram da assembleia setorial realizada por videoconferência nesta sexta-feira, 26 de junho.

“Há uma disputa entre a vida e os interesses políticos”, afirmou o servidor Lutemberg de Souza Silva. “Não é o presidente do TSE que faz eleição; somos nós que convocamos 2,4 milhões de pessoas em todo o país”, ressaltou.

Os servidores do TRE destacaram a quantidade de trabalhadores que precisam ser mobilizados para a eleição, incluindo não apenas os da própria Justiça Eleitoral como também os requisitados e o pessoal de apoio. “Os cartórios têm contatos diários com candidatos, pessoas da comunidade, requisitados… Até 2 mil contatos durante o processo para organizar a eleição”, afirmou a diretora de base Maria Cecília Pereira, servidora aposentada do TRE . “Temos mais de 5 mil municípios; as pessoas não têm ideia das possibilidades de contágio que a eleição pode dar.”

Para a diretora de base Juliana de Lima, que trabalha em cartório eleitoral em Santos, o planejamento feito pelo TSE não leva em conta a “linha de produção”, ou seja, o atendimento ao eleitor. “No dia da eleição, trabalham diretores das escolas, professores, voluntários, motoristas… Na última eleição, contabilizei 2.800 pessoas que trabalharam direta ou indiretamente. Como garantir que essas pessoas não se contaminem?”, indagou.

Servidores dos cartórios

Na assembleia desta sexta-feira, os servidores decidiram que a campanha envolverá uma “resposta veemente” a uma consulta pública que o TSE vem fazendo sobre o impacto da pandemia na realização das eleições. A consulta deve ser respondida até este dia 30. Além disso, eles deliberaram alertar a população quanto ao risco da eleição municipal e pressionar deputados pela suspensão do calendário.

O Sintrajud providenciará um parecer técnico para embasar esse posicionamento, que será levado também à administração do Regional paulista. O Sindicato realizará uma live sobre o assunto na próxima quinta-feira, 2 de julho, às 11 horas. No dia seguinte, a partir das 13 horas, os servidores fazem nova assembleia setorial.

No plano nacional, a categoria organizará a mobilização por meio da Fenajufe, que estuda a realização de um encontro de servidores da Justiça Eleitoral de todo o país.

Não está descartada a convocação de uma greve, conforme explicitaram diversos servidores durante a assembleia. “Já fizemos greves em anos eleitorais e temos condições de fazer outra”, afirmou a diretora de base Raquel Gonzaga.

De acordo com os participantes da assembleia, será importante também ouvir mais os servidores dos cartórios eleitorais, inclusive por meio do Conselho de Representantes dos Cartórios. O diretor de base Marcos Pereira relatou que muitos desses servidores estão fazendo trabalho remoto em condições precárias, por falta de equipamentos e acesso insuficiente à internet. Sem poder contar com a ajuda dos requisitados, os trabalhadores dos cartórios acabam estendendo a jornada de trabalho. Marcos sugeriu que sejam criados mecanismos para evitar a jornada estendida.

A assembleia teve a participação de servidores de vários locais de trabalho na capital, além de colegas que trabalham nas cidades de Iguape, Itapeva, Nhandeara, Osasco, Santos, São Vicente e Sorocaba. Servidores aposentados também participaram da atividade.

Incêndio em Osasco

A forma como o TRE abordou o incêndio que atingiu o maior cartório eleitoral de Osasco no último domingo recebeu criticas dos servidores que participaram da assembleia. Eles condenaram o fato de o Tribunal ter se manifestado apenas com relação às urnas eletrônicas, que não foram atingidas pelo incêndio, sem mencionar o risco aos servidores e aos moradores de rua.

Como o incidente aconteceu num domingo, nenhum servidor foi atingido. Quanto aos moradores de rua, o TRE se limitou a dizer que eles podem ter causado o incêndio ao tentar aquecer comida, Para o servidor Elizaldo Veríssimo, diretor de base do Sintrajud, a manifestação do Tribunal mostrou que a população de rua “continua invisível” para a sociedade, além de “falta de empatia e de sensibilidade”. Sobre o episódio, ele escreveu o texto abaixo:

O cartório ardeu em chamas em pleno domingo.

Numa Osasco fria e desumana onde é sempre segunda-feira

Ou sexta-feira, santa e triste de finados.

Moradores de rua aqueciam-se e aqueciam o pouco bocado antes da fome

Antes do fim, antes da hora, ante a piada perfeita da democracia.

Desleixados, vis, sujos e rotos, profanaram o templo e o tempo (de sua vida barata).

Mortos renitentes, eles descuidaram do fogo, como descuidaram dos investimentos.

E, por isso, são despossuídos.

Mas alegremo-nos, porque é preciso reerguermo-nos.

As urnas estão a salvo, a democracia está salva, ainda há faz-de-contas.

Amanhã teremos força-tarefa para reconstruir o cartório,

Como temos força tarefa para expulsar indigentes,

Que não entendem de democracia ou de moradia, ou de direitos básicos,

Porque descuidaram de seus investimentos financeiros,

E não são economicamente viáveis,

Mas insistem em continuar vivendo.

Nossos olhos se alegram diante das urnas intactas,

Mas não demonstram constrangimento diante das almas rotas ao redor.

Elizaldo Veríssimo (Ely), servidor do TRE e diretor de base do Sintrajud

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM