STF conclui debates sobre descriminalizar ou não aborto


07/08/2018 - Luciana Araujo

O Supremo Tribunal Federal ouviu na última sexta e segunda-feiras (3 e 6 de agosto) 60 especialistas de diversas áreas de conhecimento, lideranças religiosas e juristas em audiência pública convocada pela ministra Rosa Weber para debater a descriminalização do aborto no Brasil até a 12ª semana de gravidez. Weber é relatora da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que questiona os artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940 e que ainda está em vigor no país.

Os dois artigos do Código preveem a detenção, por um a três anos, de quem provocar abortamento a si própria ou permitir que outra pessoa o faça; e prisão de um a quatro anos para quem provocar a interrupção da gravidez com consentimento da mulher.

Dados do Ministério da Saúde apontam que o aborto é a quarta causa de mortalidade materna no país. Dadas as condições de ilegalidade em que a prática ocorre, os números muito provavelmente estão subestimados.

“Temos uma situação de fato que milhares de mulheres morrem todos os anos vítimas do aborto cladestino. Então, devemos tornar a situação de fato em situação de direito, porque não adianta negar a realização do aborto simplesmente. Quer dizer, além de todo o debate das mulheres, de nos apropriarmos das nossas vidas, se formos abordar a questão pelo viés legalista, ainda assim o STF deve dar provimento à ação porque existe uma situação de fato que é a morte de milhares de mulheres, a maioria negras, sempre pobres, porque as que têm dinheiro podem pagar o aborto seguro”, ressalta Fausta Fernandes, diretora do Sintrajud e servidora aposentada da Justiça Federal. “Hoje o que está proibido não é o aborto, é o aborto seguro. E a legalização não vai obrigar ninguém a fazê-lo”, conclui.

O estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) intitulado ‘Magnitude do Aborto no Brasil’ aponta que as mulheres negras têm 2,5 vezes mais chances de morte em decorrência de complicações do abortamento inseguro.

O debate é permeado de complexidades, porque envolve aspectos do Direito, da cultura social e da religiosidade. Embora nem sempre as religiões tenham apontado a interrupção voluntária da gravidez como crime, pecado ou desvio, na atualidade o debate tem forte carga dos princípios advogados pela maioria das ordens religiosas contra o procedimento. Embora no âmbito da própria audiência pública no STF especialistas católicos, judaicos e de outras confissões tenham manifestado opinião reivindicando os princípios das doutrinas filosófico-religiosas que justificam a avaliação do caso específico da mulher que recorre ao procedimento, sem aceitar como valor absoluto o debate sobre a viabilidade do embrião. São Tomás de Aquino e seus escritos sobre a interrupção voluntária da gravidez foi um dos doutrinadores resgatados nos debates.

Ao longo da audiência pública foi destacado também que os questionamentos previstos na ADPF 442 não avançam para a legalização da prática no Brasil, restringem a descriminalização à 12ª semana gestacional – como já ocorre em diversos países – e pretendem debater o conflito hoje juridicamente colocado em relação às vidas das mulheres. Mesmo nos casos em que o abortamento é previsto no Código Penal – estupro e risco de morte para a gestante – ou por anencefalia do feto (permissivo introduzido pelo Supremo Tribunal Federal em 2012) muitas mulheres não encontram o atendimento que a lei lhes assegura.

Aborto ilegal não reduz a prática

Também foi destacado que a ilegalidade não combate efetivamente a prática. Estima-se que o Brasil realize entre 950 mil e 1,2 milhão de procedimentos por ano.

“Sabe-se que há clínicas caríssimas nos bairros nobres das cidades que realizam o procedimento”, destaca Luciana Carneiro, também diretora do Sindicato e servidora do TRF.

Nos países onde o procedimento é legalizado, os índices foram reduzidos porque a regulamentação obriga o Estado a debater e oferecer à população políticas de educação para o exercício consciente e responsável da sexualidade, distribuição efetiva de métodos contraceptivos (já que o preservativo largamente distribuído nos postos de saúde das capitais do país tem taxa de falha de até 14%), política integral de atenção à saúde da mulher e sistemas alternativos de contracepção preventiva e de emergência não esterilizantes.

“Criminalizar uma conduta não faz com que ela não exista, mas apenas que as mulheres o façam de uma forma que não é segura para a vida delas. Tanto que o Brasil é um dos países onde mais se realizam abortos”, aponta Larissa Chryssafidis, servidora do TRT-2 e integrante do Coletivo de Mulheres do Sintrajud. “Outro debate muito importante é o do âmbito Direito. Ao criminalizar a gente está protegendo a vida de quem? Porque o Código Civil garante a capacidade civil para um ser humano a partir do nascimento com vida, por exemplo os direitos patrimoniais. A mulher é um ser com capacidade civil, o feto não”, completa.

No Brasil, a última Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada pela Anis – Instituto de Bioética e a Universidade de Brasília (UnB), por contratação do Ministério da Saúde, em 2016, apontou que 1 em cada 5 brasileiras até 40 anos de idade já havia realizado um aborto. O estudo, que recebeu premiações internacionais em reconhecimento à seriedade com que foi desenvolvido, foi o segundo de uma série.

Segundo a PNA, o perfil da mulher que aborta país é o seguinte:

67% têm filhos
88% declaram ter religião, sendo que 56% são católicas, 25% evangélicas ou protestantes e 7% professam outras religiões.

A Anis é proponente da ADPF, que foi subscrita pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) porque é um instrumento jurídico restrito a alguns autores. Pode ser proposta apenas por chefes dos poderes executivos, as mesas dos poderes legislativos, Procuradoria Geral da República, Conselho Federal da OAB, partidos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades nacionais de classe.

O Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) emitiu nota em apoio à descriminalização às vésperas da audiência. A XXII Plenária Nacional da Fenajufe, ocorrida entre os dias 2 e 5 deste mês em Salvador (BA), também aprovou resolução pró descriminalização, após intenso debate (a resolução deve ser publicada em breve). O Coletivo de Mulheres do Sintrajud deve realizar uma atividade de debate sobre o tema e as polêmicas que giram em torno dele em breve.

A Argentina, onde a Câmara dos Deputados aprovou em junho a legalização até a 14ª semana, vota neste dia 8 de agosto no Senado a questão. Manifestações multitudinárias têm sido realizadas no país vizinho pró-legalização. Ainda não há prazo para o STF brasileiro deliberar sobre a ADPF 442, mas a discussão sobre o tema certamente seguirá candente nas ruas, nos tribunais e na sociedade em geral.

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