SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 199 - 13/12/2004 - Página 7

CONSCIÊNCIA NEGRA


O Judiciário e o racismo

Foi o que afirmaram debatedores, servidores e
militantes na Noite da Consciência Negra
* Mas acreditam que a luta contra discriminação pode mudar esta realidade
* Servidor diz que Tribunal discrimina

O advogado José Roberto de Almeida, os diretores Falcão e Carmen Dora, o procurador Marco Antônio e a juíza Mylene

Por Hélcio Duarte Filho

A cara do Judiciário brasileiro é branca, reflexo da discriminação, e não vê racismo no país. É o que afirmaram palestrantes e ativistas políticos na Noite da Consciência Negra, promovida pelo Sintrajud, cujo tema foi “Discriminação e Justiça, um debate necessário – ascensão social do negro e dos afro-descendentes”.
“A maioria do Judiciário brasileiro é branca, é a cara do Judiciário, mas não é a cara do brasileiro. O IBGE diz que metade da nossa cara veio da África”, constatou a juíza Mylene Ramos, da 63º Vara da Justiça do Trabalho da 2ª Região, que integrou a mesa do evento
A discriminação exclui o negro de postos de trabalho mais altos na sociedade, o que também se observa no Judiciário, afirmou o procurador federal Marco Antonio Zito Alvarenga. “Qual o percentual de negros que nós temos na magistratura? É por que somos incapazes? Não, [é porque] as possibilidades são diminutas”, disse. “A magistratura tem que ter representantes de todas as classes, todas as etnias”, defendeu.

Tribunal discrimina, diz servidor
O servidor Geraldo dos Santos, do Tribunal Regional Federal, disse que quando o negro entra no serviço público é que descobre que não terá acesso aos postos de chefia. “Só temos um negro diretor naquele tribunal”, disse, referindo-se ao TRF-3. “Fora isso, todos os negros que assumiram cargos recentemente foram exonerados. E assim está em todos os tribunais federais e nos demais órgãos do serviço público”, afirmou. Ele defendeu a realização de um censo do perfil racial no Judiciário Federal. “É a forma de notarmos que somos discriminados dentro do tribunal todos os dias”, disse.
A ‘cegueira’ da Justiça para com o preconceito racial foi aspecto destacado pela militante do grupo Geledés – Instituto da Mulher Negra – Sonia Nascimento. Ela citou pesquisa na qual foi constatado que durante 40 anos de vigência da Lei Afonso Arinos, que tornou o preconceito racial uma contravenção penal, só houve um caso de condenação judicial por racismo. “Em 40 anos não existiu racismo para o Judiciário brasileiro”, disse.
Ao citar a pesquisa, ela ressaltou a importância da recente decisão judicial, da 1ª Vara do Trabalho de São Paulo, que condena uma empresa que comercializa pneus a pagar indenização a um ex-empregado por discriminação racial. Cópia da confirmação da sentença pelo Tribunal foi levada ao evento pela diretora do Sintrajud Carmen Dora de Freitas Ferreira (ver texto nesta página).
“Soa como um tilintar para nossos ouvidos, é como o reconhecimento da sociedade brasileira de que o racismo existe. E nós só podemos lutar contra uma coisa que existe”, disse Sônia, que afirmou acreditar na força da luta contra a discriminação para mudar este quadro.


Justiça condena empresa por discriminação racial

A empresa Caçula de Pneus foi condenada pela juíza da 1ª Vara do Trabalho de São Paulo, Luís Paulo Pasotti Valente, a pagar R$ 48.200,00 de indenização por dano moral a um ex-empregado. O motivo: discriminação racial no trabalho. Decisão rara nos tribunais, a condenação foi comemorada pelos participantes da Noite da Consciência Negra.
O mecânico autor da ação comprovou, através de testemunhas, que foi humilhado e ofendido pelo filho do dono da empresa, Jacyr Martins Costa Júnior, que exercia o cargo de coordenador operacional. O caso ocorreu em 2002. A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho contra decisão, mas não obteve sucesso. A relatora da ação, juíza Silvia Regina Pondé Galvão Devolnald, manteve decisão de primeira instância.
Para a diretora do Sintrajud Carmen Dora de Freitas Ferreira, a decisão tem um significado especial para a luta contra a discriminação e serve como exemplo inibidor da prática do racismo.


JUSTIÇA FEDERAL


JF deve convocar concursados e abre transferências para novas varas

A Justiça Federal deve convocar um número grande de concursados para ocupar os cargos criados a partir da inauguração de 23 novas varas em 2005, a maioria no interior. Também estão previstas transferências e interessados já devem comunicar aos Recursos Humanos para onde desejam ir.
É o que afirma o diretor do Foro da Justiça Federal na capital, Maurício Kato, que recebeu, no final de novembro, os diretores do Sintrajud Adilson Rodrigues e José Carlos Sanches. O prazo de validade do concurso para o interior expira em janeiro. O diretor do Foro adiantou que está prevista a realização de um novo concurso em meados do ano que vem.
O sindicato pediu mais transparência nesta e em outras questões correlatas, como nomeações, vagas em aberto, etc. “Cobramos que os departamentos divulguem os dados de ordem pública, o sindicato tem procurado e não tem conseguido acesso [aos dados]”, diz Adilson.
O calendário de abertura de novas varas é o seguinte: Arare 03-12-04; 4ª de Guarulhos 10-12-04; 6ª Juiz. SP 07-01-05; 5ª Guarulhos 07-01-05; Campinas 10-01-05; 2ª Mogi das Cruzes 12-01-05; Santos 14-01-05; 2ª Araraquara 17-01-05; Cantaduva 21-01-05; Navirai-MS 24-01-05; Americana 28-01-05; 3ª Sorocaba 14-02-05; 2ª S. Carlos 18-02-05; Caragua 21-02-05; Andradina 25-02-05; Cochim-MS 28-02-05; 2ª Osasco 04-03-05


POESIA E RAÇA


Sou “Negra”

Sou “Negra!”
Duas palavras apenas
Que simbolizam meu eu
Mas sinto ainda as algemas
Que de atar-me o mundo não esqueceu

Sinto em mim um brado oculto
Estas algemas insistem porém
Inutilizando-me, tornando-me um, vulto
Um vulto a vagar, vagar p’ro além

Sou “Negra!”
Esta voz não cansa de gritar
Meus lábios porém não se atrevem
Ah! Se pudesse lutar, lutar
Pelos meus direitos, direitos que me devem

Meu brado ecoa dentre as trevas
As trevas da ignorância humana
Tenho impulsos de gritar, Algemas!
Refreio-os numa ânsia quase desumana

Sou “Negra”
Mas que “Negra” eu sou
Que a essas algemas, ainda não rompi
Desfrutando a liberdade que o mundo negou
Vivendo a vida que ainda não vivi

Ah! Vejo o horizonte risonho para mim
Posso olhar a natureza com altivez
Lutarei pela liberdade total até o fim
Esquecerei o passado, as humilhações, a timidez

Sou “Negra”
Agora meu brado as distâncias transporá
Por entre vales, montanhas incessantes
Ouvirão todos, e jamais se esquecerá
Que sou “Negra”, mas uma “Negra triunfante.

Maria Helena Ferreira da Silva - mãe de Acácia Aguirre,
que apresentou performance na Noite da Consciência Negra.