SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 162 - 28/11/2003 - Página 8

NOITE DA CONSCIÊNCIA NEGRA


Debatedores defendem políticas compensatórias para combater racismo

Atividade promovida pelo Sintrajud debateu políticas afirmativas e resistência para se contrapor a 3 séculos de escravidão e ao racismo * Evento teve música e outras atrações culturais

O violonista Paulo Pompéia emocionou a todos os presentes

“A escravidão foi o Holocausto negro da história”. A afirmação é da advogada e militante da organização de mulheres negras “Fala Preta” Deise Benedito, feita na Noite da Consciência Negra, evento promovido pelo Sintrajud, na sexta-feira 21. Para superar esta herança, ela defende políticas públicas de reparações e ações afirmativas compensatórias. “Quando a gente fala de cotas na universidade é só o primeiro passo. O Estado brasileiro tem uma dívida histórica” com a população afro-descendente, disse.
Realizada no hotel Excelsior, no Centro de São Paulo, a Noite da Consciência Negra foi uma homenagem do Sintrajud ao 20 de Novembro, dia nacional de combate ao racismo. “Esperamos contribuir para a erradicação da discriminação”, disse Carmen Dora de Freitas Ferreira, diretora do Sintrajud. “A lei não pode fazer com que a pessoa me ame, mas pode fazer com que ela não me elimine”, disse Carmen, lembrando o ativista negro norte-americano Martin Luther King.
Deise Benedito traçou um histórico da escravidão no país, disse que o Quilombo liderado por Zumbi de Palmares foi o “primeiro estado afro-indígena das Américas” e desmistificou a idéia da relação fraternal entre negros escravos e brancos senhores. “O processo de escravidão no Brasil foi muito cruel, desumano no ponto de vista do que se fazia com o corpo”, afirmou. Ela criticou a falsificação da história, citando as homenagens aos bandeirantes: “Neste país a gente levanta busto para assassino”. Fez uma ponte com a defesa de ações afirmativas ao dizer que “não se previu com o fim da escravidão nenhuma política pública para a população [negra]”.
Também participaram do debate a servidora e historiadora Elisangela Gonçalves, do TRT-2, e a advogada Maria da Penha Santos Lopes Guimarães, que lançaram o livro “Visconde de Jequitinhonha, um negro no Império”. A obra pode ser adquirida no sindicato.
O diretor do sindicato Luiz Falcão destacou que a luta contra a discriminação “é uma bandeira de toda a diretoria do Sintrajud”.
A atividade terminou com a apresentação, muito elogiada, do músico e ator Paulo Pompéia. Foram expostas bonecas negras feitas pela artesã Thilaí, produtos cosméticos para a beleza negra Muene, e quadros da artista plástica Malema. Ao final, houve uma confraternização entre os presentes.


ENTREVISTA COM DEISE BENEDITO, DO FALA PRETA


Assumir a identidade é a grande questão, diz palestrante

Deise Benedito

Leia trechos da entrevista concedida à reportagem deste jornal pela coordenadora da Articulação Política e Direitos Humanos da Fala Preta, Deise Benedito, que participou do debate promovido pelo Sintrajud na Noite da Consciência Negra.
A íntegra está disponível aqui.

Jornal do Judiciário - O que significa “Identidade e Resistência Positiva”?
Deise Benedito - É afirmar que temos que nos orgulhar de sermos descendentes de povos africanos, não sentirmo-nos desvalorizados se nossos antepassados foram aqui escravizados. Quando me refiro à resistência positiva, falo também da dignidade e determinação de um povo que resiste a todo tipo de discriminação.

A luta das diversas entidades do movimento negro avançou na questão racial no Brasil?
Foi dado um grande salto de qualidade e organização. O processo de preparação da Conferência Mundial contra o racismo mobilizou o movimento negro brasileiro.

Em um censo realizado pelo IBGE, o movimento negro utilizou a frase “passou de branco, negro é”, para que as pessoas assumissem sua etnia. Qual o critério para se definir etnicamente em um país miscigenado como o Brasil?
O último censo mostrou que grande parcela da população se assumiu como negro. A grande questão é aqueles que se assumem pardos ou morenos, por vergonha. Assumir a identidade é a grande questão.

O movimento negro é acusado por segmentos da esquerda de ser superestrutural, ou seja, com pouca atuação prática com a população negra das favelas e desempregada. Como você analisa esta crítica?
O movimento negro brasileiro é muito atuante. Como todos os movimentos temos uma série de dificuldades pela ausência de infra-estrutura necessária. Mas atuamos de forma a sensibilizar as autoridades a investirem de forma maciça. Incluir a população negra no Fome Zero, nas políticas de habitação, saúde, educação, é fundamental.

Como você vê a atuação do governo Lula na questão racial?
A implementação de políticas que combatam o racismo e proporcionem o fim das desigualdades sociais é uma tarefa do governo Lula.