SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
.

JJ - Edição 79 - 17/12/2001 - Página 5

ENTREVISTA COM ELIAD DIAS DOS SANTOS, PASTORA E TEÓLOGA

"A teologia dominante ainda é branca e patriarcal", diz teóloga
A pastora Eliad Dias dos Santos tem 35 anos e é bacharel em Teologia e mestra em Teologia e História pela Universidade Metodista. Adepta da teologia feminista, desde 1990 tem desenvolvido trabalhos junto a prostitutas e mulheres que vivem nas ruas.
O Jornal do Judiciário entrevistou Eliad logo após o debate sobre a Consciência Negra, realizado pelo Sintrajud. Confira a entrevista concedida à jornalista Luciana Araujo.

Jornal do Judiciário - Como você vê a relação das diversas igrejas e religiões frente à questão racial?
Eliad Dias dos Santos- O cristianismo não é e nunca foi a religião do povo negro. Nós abraçamos essa religião por imposição do colonizador, quando o povo negro chegou às Américas como escravos e escravas. Nos navios eles já eram batizados porque 'não tinham alma'. A igreja católica sempre foi muito mais avançada que as protestantes, principalmente porque na divindade católica existem figuras negras, Nossa Senhora Aparecida, São Benedito, etc. No entanto, no corpo eclesiástico da igreja católica o racismo ainda não é algo superado. A teologia dominante ainda é branca e patriarcal (baseada no Deus masculino, visto somente na figura do Pai). O número de padres e dirigentes eclesiais negros ainda é muito pequeno. Nas igrejas protestantes existem pequenos grupos, como o Senacora, mas também aí o referencial de Deus é totalmente branco. Aí ser negro é muito mais complicado. E isso se descobre, por exemplo, na hora das eleições para os cargos dirigentes das igrejas. Alguém conhece uma igreja em que o responsável da tesouraria seja o homem ou a mulher mais pobre e negro ou negra? Só se fala em racismo no dia 20 de novembro, para não ficar tão chato não tocar no assunto durante o resto do ano. Uma exceção são as igrejas pentecostais, que geralmente estão nos bairros mais periféricos e a liturgia dessas igrejas são mais alegres.

É nítida a existência do racismo nas igrejas hoje no Brasil?
As pessoas falam que não existe racismo no Brasil, mas até nos hinos cantados nas igrejas ele está presente. Um deles, por exemplo, diz que "quero ser mais alvo que a neve...". São hinos feitos por americanos que chegaram ao Brasil e acharam que era necessário embranquecer um pouco a religião. Além disso, todas as coisas ruins da nossa cultura são relacionadas ao negro, a lista negra do SPC, o livro negro, etc. Isso na igreja é muito trabalhado. Não estou querendo dizer para ninguém abandonar sua fé, mas que as pessoas pensem como as coisas funcionam. A própria Bíblia, usada por todas as religiões, é o relato da história dos povos vencedores. Os povos que perderam viraram apócrifos ou nem entraram nos cânones. Ainda hoje ela é usada para afirmar que muitos povos são amaldiçoados por não terem Deus como seu único deus, para dizer que as mulheres são inferiores aos homens, e para falar das maldições contra as pessoas que desafiam os padrões vigentes, como os homossexuais. Até existe uma fonte mais moderna que diz que Deus criou homens e mulheres, mas a tradicional é aquela que reforça a submissão da mulher ao homem apoiada naquela história da costela.

Você como teóloga apresentou muitas críticas às religiões e à teologia. Como tem sido a aceitação dessas suas posições no interior da igreja que você freqüenta?
A teologia que existe hoje contribuiu para dizer que os negros deviam se conformar. Por isso, não há reclamações dos negros. Fomos muito educados a nos conformar. E as igrejas têm muita culpa nisso por causa da lógica do 'quando você for para o céu, se não pecar, é lógico, você vai para o céu'. Mas nós, que trabalhamos com a teologia negra, temos trabalhado incessantemente para que essa teologia seja reconhecida, para mostrar que temos um pensar teológico diferente. Eu mesma estou tendo alguns problemas sérios com a hierarquia da igreja, porque não estou no lugar que eles acreditam que eu deveria estar. Um lugar subalterno, submissa. Como eu tenho uma postura não tão submissa isso acaba 'agredindo' algumas pessoas. As igrejas trabalham como se não existisse racismo.


"As pessoas falam que não existe racismo no Brasil, mas até nos hinos cantados nas igrejas ele está presente"


Desigualdade racial persiste no Judiciário Federal

No segundo semestre de 1999, o Sintrajud e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese) realizaram uma pesquisa para verificar o perfil profissional dos trabalhadores do Judiciário Federal em São Paulo. A pesquisa apontou que no Judiciário Federal no estado há 10% de servidores negros. O que chama a atenção pois, em geral, como a pesquisa afere a cor dos entrevistados por meio de declaração dos mesmos, é comum o "branqueamento" da população pesquisada, especialmente em esferas onde a correlação entre cor da pele e melhores condições sócio-econômicas é alta.
"Podemos verificar que o número de negros trabalhando na Justiça do Trabalho é ínfimo, mesmo em se tratando de cargo que é ocupado através de serviço público, inexplicavelmente os cargos na JT não são ocupados por negros. É uma minoria absoluta", constata a juíza Rilma Aparecida Hemetério. "Durante os 18 anos aproximadamente em que permaneci na primeira instância, apenas em uma oportunidade tive dois negros trabalhando concomitantemente num grupo de 10. Hoje, num universo de cerca de 220 juízes na JT apenas cinco ou seis se assumem como negros. E São Paulo é a janela para o mundo" diz.
A pesquisa também mostrou que os servidores brancos ganham mais que os negros e pardos, ainda que a diferença não seja tão significativa como na iniciativa privada. Essa realidade "expressa a sobrevivência do preconceito e das piores condições de vida dos não brancos, reproduzindo desigualdades de oportunidades educacionais", aponta o relatório.


Imprensa Página 2