SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 71 - 10/10/2001 - Página 2

Idéias

Uma página para a livre expressão de opinião

Um outro mundo é preciso

Démerson Dias

Nada justifica o terrorismo. Nada justifica a violência. Mas os EUA receberam não um ataque, mas um contra-ataque em resposta à sua prepotência. Não justifica, mas explica que, interno ou externo, os que atacaram os alvos do American Way of Life apenas reagem à estupidez belicista do capitalismo predatório.
Catatônicos diante da TV, alguns acham que nada pode ser pior. Enganam-se. Vejamos os possíveis adversários: se for responsabilidade do inimigo externo, os fundamentalistas islâmicos, depois de lambidas as feridas será necessário ter a humildade de reconhecer que potência nenhuma no mundo está livre de pagar pelos seus crimes. Ainda está viva na memória a afirmação do IRA, há muito tempo, quando Tatcher escapou de um atentado: "Vocês terão que conseguir sempre e nós, apenas uma vez". O que o ataque nos ensina é que numa guerra até os invencíveis têm baixas e a invencibilidade não é uma barreira absoluta.
A CNN mostra suspeita comemoração de islamitas, mas as comemorações dos EUA diante das mortes também existiram só que na surdina. Exibem exércitos de crianças como se fosse uma denúncia, mas crianças armadas se encontram tanto nas favelas brasileiras quanto nas milícias espalhadas pelos EUA. O que há de novo? Nem a velha manipulação da mídia em favor do sensacionalismo e da tirania.
Presenciamos a luta do tolo contra o desesperado. Quantos WTC não morreram nos ataques terroristas patrocinados pelos EUA com a conivência das Nações Unidas?
Os EUA exigem de seu povo milhões para massacrar povos mundo afora. Tamanho poderio foi desmascarado e caiu de joelhos diante, ao que se diz, de facas e estiletes e um contingente de poucas dezenas de pessoas.
Se formos contar olho por olho, os EUA ainda estão em débito com a humanidade, mas o que surpreende é que a estabanada e rústica potência mundial só agora descobrir o que é de fato uma operação cirúrgica, desmoralizando toda uma cultura de perspicácia do país que mais gasta com a guerra e espionagem no mundo. É impossível vencer a guerra contra o terrorismo, a não ser que acabemos com suas causas.
Mas se o inimigo for interno o quadro é pior. Sinal que as sociopatias que têm caracterizado a cultura estadunidense atingem níveis intoleráveis. Existiriam terroristas mais doentios ainda do que aqueles que já patrocinam suas investidas totalitárias mundo afora.
Ocorre que num mundo globalizado não existem mais inimigos externos, portanto, venha de onde vier o ataque é resposta desesperada ou desvairada de uma cultura que segrega e violenta seres humanos. Material ou psicologicamente. Além disso, Osama Bin Laden, assim como Sadam no Iraque, cresceu adubado pelos dólares americanos. A maior potência do mundo é também a mais estúpida e truculenta. Esse é um mundo que precisamos mudar.
Já não é mais possível iludir aos mais fracos. Essa falácia do bem contra o mal, a luta pela liberdade e democracia, se a questão for maniqueísta, os terroristas é que são o bem do mundo. Eles não estão lutando para que sua "liberdade" custe a vida de milhões de excluídos, nem que sua "democracia" só prevaleça esmagando tudo o que é diferente e contrário aos seus interesses. EUA e Israel promovem sua guerra santa, na verdade demoníaca, para impor um império absoluto dos grandes banqueiros internacionais e tensionar os países produtores de petróleo.
Há uma terceira hipótese: a intenção pode ser forjar um alvo árabe apenas para desviar a atenção do mundo do declínio da economia estadunidense. Da megalomania totalitária pode-se esperar quase tudo.
E nós o que fazemos? Choramos pelas vítimas? Há os que têm coragem de agradecer que não tenha acontecido consigo.
Não é de hoje que o pacifismo passivo tem sido usado para amoitar os covardes e agradar poderosos. Há que haver uma frente humanitária pela paz. Esta sociedade, fundada na exploração e no belicismo, ou acabamos com ela ou nunca viveremos tranqüilos.
A paz só existe quando não existir mais a miséria, e a miséria só acaba quando todos forem iguais. Isso pode ocorrer na barbárie, quando todos estarão tão mais bestializados que nada mais restará enquanto valor humano.
Ou vamos apostar que a humanidade reúne condições de superar sua própria estupidez e demência, e fazer alguma coisa a respeito.

Démerson Dias é diretor de base no TRE e da coordenação da Fenajufe.



O Homem na Jaula

Osvaldo Sereia

Certa vez, numa pacata cidade onde quase nada acontecia, o rei, frente ao marasmo entediante do lugar, mandou que prendessem um homem numa jaula e o colocasse na praça central a fim de que se tornasse uma atração - que, aliás, era coisa que não existia naquela pequena e pobre cidade.
O homem relutou bravamente para não ser preso mas seus esforços foram inúteis frente aos soldados que acabaram por prendê-lo.
No primeiro dia, estava furioso e agressivo ante a tal situação. Mas os dias foram passando e a revolta foi cessando e alguns meses depois já não sentia a menor revolta. Não se sabe se por acreditar que não poderia mais sair ou por achar que seu destino já estava traçado e que nada poderia fazer ou, sabe lá Deus o que passava na cabeça daquele pobre infeliz.
Passados alguns anos, toda revolta se transformara em gratidão. Afinal, ali ele estava protegido contra eventuais inimigos, tinha roupa, comida, água, enfim, tudo o que precisava para sobreviver.
Assim somos nós em muitos aspectos de nossas vidas: muitas vezes nos revoltamos diante das injustiças e com o tempo passamos a achar normal. A cada nova injustiça ou perda nos debatemos mas, em pouquíssimo tempo, passamos a achar tudo normal, seja por acreditar ser essa a vontade divina, por acreditar em "destino", por achar que sempre foi assim, que "não tem jeito" ou por mero comodismo.
Como homens na jaula, acabamos nos conformando com uma vida mesquinha (resultante dos desmandos do rei), abrindo mão de uma vida digna, de nossos sonhos, nossos ideais e de nossa felicidade.
Que Alá nos proteja!

Osvaldo Sereia é servidor da Justiça Federal em Presidente Prudente e diretor do Sintrajud


FRASES DO MERCADO

"Boato de mais arrocho acalma Argentina" Folha de São Paulo, sobre rumores de um pacote com mais arrocho sobre as contas públicas e os trabalhadores. O pacote foi de fato lançado pelo governo argentino, que criou um título público para pagar os servidores.


DA GUERRA-1

"Não há povo mais nobre que o afegão"

Mauro Bueno, brasileiro que atuou no Afeganistão entre 1989 e 1991 pelos Médicos Sem Fronteiras, após a retirada das tropas soviéticas do país.


DA GUERRA-2

"É muito difícil evitar mortes"

Geraldo Quintão, ministro da Defesa brasileiro, reconhecendo que vão morrer civis nos ataques ao Afeganistão e, mesmo assim, defendendo o apoio do Brasil aos EUA.


DE ONTEM

"Não é fácil viver entre os insanos"

Gregório de Matos (1633-1696), poeta baiano