Coletivo de Mulheres e Sintrajud questionam retirada da discussão de opressões do Congrejufe


22/03/2022 - Luciana Araujo
Federação decidiu colocar debates sobre questões de gênero em lives prévias para "desafogar a pauta" do congresso nacional da categoria.

Mulheres ocuparam o palco do 10º Congrejufe após episódio de machismo (Foto: Joca Duarte).

O Coletivo de Mulheres do Sintrajud decidiu manifestar posicionamento contrário à organização dos debates inseridos na pauta do 11º Congresso Nacional da Fenajufe (Congrejufe), marcado para acontecer de forma híbrida entre os dias 27 de abril e 1º de maio. O Sintrajud foi um dos sindicatos filiados à federação que também havia requerido, por decisão de assembleia, o adiamento do congresso para um momento em que as condições sanitárias fossem mais seguras.

A Federação decidiu que os debates sobre opressão de gênero estariam em atividades preparatórias do 11º Congrejufe “com o objetivo de deixar a programação do Congresso o mais leve possível e desafogar a pauta que é bastante extensa“. A comunicação aos Sindicatos sobre esta metodologia de organização do debate se deu por ofício, sem debate prévio (confira aqui o ofício comunicando a decisão).

Contra essa lógica, o Coletivo de Mulheres Mara Helena dos Reis e a diretoria do Sintrajud manifestam posição contrária a “desafogar a pauta” restringindo o debate de aspectos que são estruturais da exploração no trabalho no Poder Judiciário e da opressão também dentro dos espaços sindicais.

Os impactos do teletrabalho e da gestão por metas são maiores para as mulheres e mães, o assédio moral institucional quando exercido contra mulheres comumente está associado também ao assédio sexual.

A própria estrutura sindical precisa ser rediscutida. Os congressos da Fenajufe, por exemplo, não têm política de creche para filhos de trabalhadoras e trabalhadores do PJU, impondo inclusive a mulheres fora do espaço congressual, como as companheiras de congressistas, o cuidado integral sem o devido suporte parental de filhos de companheiros que participam do evento. As servidoras também têm mais dificuldade de aceitação de uma sociedade patriarcal para passar muito tempo fora de suas casas, e muitas vezes têm que enfrentar sozinhas o machismo de companheiros para exercer seu direito de atuação político-sindical.

A nota do Coletivo e do Sindicato também recorda que o último congresso da Federação foi palco de posturas machistas e racistas rechaçadas pelas delegações presentes (leia aqui). O documento é concluído com uma exortação: “Que não seja a FENAJUFE o estandarte dessa mordaça e violência que nos atinge e tenta nos calar todos os dias!”

O racismo institucional tornou-se também uma realidade tacitamente reconhecida nas últimas pesquisas do Poder Judiciário. O tardio primeiro Censo do Poder Judiciário (2013) apontava 29,1% de servidores negros e negras no PJU quando 53,1% da população se autodeclarava preta ou parda. A Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, realizada em 2021, aponta somente 31% de servidores e servidoras negros no anterior, quando na população esse grupo era de 56% dos brasileiros. E apenas 33,7% os órgãos informaram ter iniciativas de promoção da igualdade racial para o quadro de pessoal (magistratura, servidores e servidoras ou colaboradores), descumprindo a legislação e a Resolução CNJ 203/2015.

Num governo misógino e racista como o de Bolsonaro essas dificuldades se potencializam com o desmonte dos serviços públicos — assunto que, aliás, é parte do temário do congresso, e sobre o qual as mais afetadas para falar sobre também são as mulheres.

Confira abaixo a íntegra da nota, encaminhada à Fenajufe nesta segunda-feira, 21 de março:

A luta contra o machismo e as opressões não pode ser secundarizada!

1 – A realidade das trabalhadoras brasileiras no contexto, ainda presente, da pandemia, tornou-se ainda mais hostil, com aumento da violência doméstica e da superexploração no trabalho, somada a uma estrutura desigual de gênero e a um governo machista e misógino. Para as trabalhadoras do Poder Judiciário Federal e Ministério Público da União a situação não foi diferente, os impactos do teletrabalho, os números crescentes de casos de assédio e pressão das administrações em cima de metas, têm impacto ainda mais grave sobre nós servidoras.

2 – A luta das mulheres não pode ser secundarizada, ou tratada como mera pauta setorial ou acessória, passível de ser preterida em nome de outras questões. O machismo no âmbito do PJU/MPU e inclusive no meio sindical, por si só destacam a importância de que o 11º CONGREJUFE trate o tema com o necessário destaque e atenção. É fundamental lembrarmos que o último Congrejufe, realizado em Águas de Lindóia/SP (2019), foi palco de dois graves episódios envolvendo racismo e machismo, repudiados pelas pessoas presentes e protagonizados pelas mulheres, o que destaca a centralidade que nós, servidoras e servidores, devemos dar ao tema das opressões.

3 – As mulheres ocuparam o palco do 10º CONGREJUFE, em resposta e repúdio a postura machista de diretor da federação, e não podemos igualmente esquecer que foi um traço marcante do último congresso a ausência de mulheres na composição da maioria das mesas congressuais, citamos para ilustrar este fato que a mesa de abertura foi composta somente por homens e a maioria brancos.

4 – O histórico de nosso último Congresso, somado ao fato de que o debate sobre as condições de vida e trabalho das mulheres deve ser prioritário, pois são as que primeiro sofrem as crises sociais e econômicas no país, por si só deveriam bastar para que as temáticas da luta contra o machismo e toda forma de opressão tivessem destaque e compusessem de forma central a pauta do 11º CONGREJUFE, mas infelizmente vemos que a situação caminhou para um retrocesso, pois há uma busca por esvaziar o tema das opressões, secundarizando-o para ser somente tratado em atividades pré-congressuais. Não é raro ouvirmos, algumas pessoas falarem em atividades da federação, que a pauta das mulheres, negros e negras, lgbtqia+ e outras, não são apropriadas nas instâncias e espaços da Fenajufe. Restringir a pauta das mulheres apenas as lives pré-congressuais, reforça ainda mais esse tipo de posição que é nociva a luta contra as opressões e que deve ser combatida por todas as trabalhadoras e trabalhadores.
5- Não podemos nos calar diante de tal situação. Quando a luta das mulheres deveria estar, juntamente com outros temas fundamentais no centro da pauta de nosso congresso, vemos que o machismo e as opressões estão sendo relegados a um tema de “segunda categoria” que seria objeto apenas de lives pré-congressuais, tal situação é absurda e deve ser imediatamente revista pela direção da Fenajufe.
6- Enfatizamos que as lives pré-congressuais com a temática de gênero, deveriam ocorrer para acumular o debate para um painel específico sobre o tema no Congresso. Queremos acreditar que saindo a programação, se faça presente no 11º Congrejufe, o que já se coloca como reivindicação, um painel que traga as constatações das discussões realizadas na proposta fase pré-Congressual, para que não se configure tentativa de se retirar essa discussão do congresso, com a justificativa de reduzir os pontos de pauta, desarticulando e retirando das mesas esta temática em um evento que reúne servidoras e servidores de todo o país e que deveria fortalecer a luta das mulheres.
7 – Nunca foi leve para nós! Que não seja a FENAJUFE o estandarte dessa mordaça e violência que nos atinge e tenta nos calar todos os dias!

São Paulo, 21 de março de 2022.

Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis

Diretoria Executiva do Sintrajud

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