Após aprovar ‘estabilidade’ para presidente do BC, governo tenta acabar com a do servidor


12/02/2021 - Helcio Duarte Filho
O 'mercado' já se articula para cobrar dos servidores a conta da crise gerada pela política econômica.

Logo após aprovar a polêmica e contestada autonomia do Banco Central na Câmara dos Deputados, o governo federal já se movimenta para acelerar propostas que eliminam direitos de servidores públicos e atingem os serviços públicos, como a ‘reforma’ Administrativa e as PECs Emergencial (186/2019) e do Pacto Federativo (188/2019).

Na sexta-feira (12), o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para costurar um acordo que condiciona a aprovação de mais quatro parcelas rebaixadas do auxílio emergencial na pandemia à votação de ‘reformas’ econômicas, dado especial destaque a do Pacto Federativo.

O projeto de lei complementar da autonomia (PLP 19) aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados foi comemorado pelos parlamentares governistas como algo que assegura ‘estabilidade’ para o presidente do Banco Central e para as políticas por ele aplicadas, que atingem diretamente a economia do país.

Por outro lado, a ‘reforma’ administrativa (PEC 32/2020) que o governo de Jair Bolsonaro tenta pautar como prioridade tem como um dos seus pontos centrais o fim total ou parcial da estabilidade no emprego para os futuros servidores públicos, afetando também o sistema de aposentadorias dos atuais servidores. A matéria já se encontra na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que estava paralisada desde o ano passado por conta da pandemia mas tende a ser reativada após o Carnaval, medida que Arthur Lira tenta impor aparentemente sem ouvir vozes contrárias ao funcionamento do colegiado neste momento em que ainda é necessário o distanciamento social.

Embora o Ministério da Economia insistentemente tente negar, a proposta também coloca em risco a estabilidade dos servidores atuais, já que tem como desdobramento a regulamentação da demissão por insuficiência de desempenho. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse em um debate que um dos critérios para avaliação do servidor deve ser a lealdade com a administração pública – algo, aliás, que o ex-prefeito do Rio, Marcelo Crivella, tentou impor por meio de um decreto que proibia servidores municipais de ‘falar publicamente mal da administração’, duas semanas antes de ser afastado da Prefeitura e preso por corrupção

Salários

A instabilidade salarial do funcionalismo também está sendo alvo das articulações, direta ou indiretamente. Isto porque outra proposta que integra o pacote cuja celeridade está sendo negociada é a PEC Emergencial. Ela traz entre seus itens a implementação de um gatilho que permite aos gestores, em determinadas situações fiscais, reduzir salários e jornadas de servidores federais, estaduais e municipais em 25%.

Não à toa Bolsonaro anunciou como seu “conselheiro”, em discurso recente, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que além de confiscar a poupança de milhares de brasileiros inaugurou a aplicação do modelo neoliberal e de desmonte do Estado no Brasil antes de sofrer o primeiro processo de impeachment por corrupção após a Nova República.

A ameaça de redução salarial, que paira sobre servidores dos três poderes da República, tem sido expressada com todas as letras publicamente pelos governistas. Nos últimos dias, Guedes ressaltou outro aspecto, a redução salarial relativa, e não nominal, por meio da extensão do congelamento salarial até o final de 2023. De todo modo, a redução é algo previsto nas PECs 186 e 188, que tramitam no Senado.

Para tentar conter a enxurrada de projetos antiservidor e antisociais, o Sintrajud e outras entidades sindicais da categoria vêm alertando para a necessidade de reação rápida e participativa do funcionalismo. Um dos motes dessa mobilização é buscar mostrar para a população que o que está sendo atacado são, antes de mais nada, conquistas, direitos e serviços que a classe trabalhadora poderá perder caso tais ‘reformas’ passem.

Mobilização

As mobilizações passam pela esfera virtual – como a divulgação dos materiais contrários à PEC 32 com grupos de conhecidos, colegas, familiares e amigos ou a votação na enquete na Câmara sobre a proposta ou o envio de mensagens para parlamentares, apenas para citar alguns exemplos. Também vêm sendo convocadas carreatas que contestam o atual governo e exigem vacinação já e para todos – a próxima está marcada para 21 de fevereiro de 2021 -, além de possíveis atos presenciais.

Seja como for, há consenso entre dirigentes sindicais que estão nesta luta que a reação precisa ser urgente e muito ampla. O recado dado pelos chefes do Congresso Nacional nos últimos dias sinalizam que do outro lado as medidas podem ganham grande celeridade: há uma articulação em curso derivada do processo eleitoral na Câmara e no Senado marcado por denúncias de troca de votos por cargos e verbas públicas para emendas parlamentares.

A autonomia do Banco Central foi denunciada por parlamentares da oposição como uma ‘falsa independência’. Isto porque a medida é vista como um reforço da influência de banqueiros, do sistema financeiro, sobre o BC. Com a mudança, o próximo governo herdará por dois anos quem o presidente Bolsonaro confirmar na chefia do Banco Central, cujas políticas ditam diretrizes da economia e afetam quase tudo no país, inclusive os serviços públicos e os servidores.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, parabenizou, ao anunciar o resultado da votação, o relator do projeto, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), por sua capacidade de ouvir a todos e tecer acordos que levaram à aprovação da proposta poucos dias após a retomada do ano legislativo. Só não explicou como isso se deu se o relator não acatou nem uma das centenas de emendas propostas pelos deputados – algo que por si só mostra como podem andar os ‘acordos’ que venham a ser costurados para votar a ‘reforma’ administrativa e outras propostas de emendas constitucionais.

Um parlamentar do PSD, favorável ao projeto, chegou a expor da tribuna, logo após a votação, o significado do que se decidira: “Que o Banco Central tenha autonomia para governar o país” — disse — “ponto de vista monetário”, complementou, sem conseguir apagar o ato falho que reconheceu a real intenção do que acabava de ser aprovado na Câmara.

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