Ao atrelar Renda Cidadã à PEC 186, Bolsonaro acelera proposta que reduz salários


09/10/2020 - Helcio Duarte Filho
Governo associou programa que pode substituir Bolsa Família a propostas de emenda constitucional, entre elas a que reduz vencimentos dos servidores públicos.

Sem cogitar alternativas como a criação do imposto sobre grandes fortunas (previsto na Constituição e nunca regulamentado), o presidente Jair Bolsonaro atua para acelerar a votação da chamada PEC Emergencial ao associá-la ao projeto de ‘recriação’ do Bolsa Família, agora sob o nome de Renda Cidadã. A Proposta de Emenda Constitucional 186/2019 é a que permite a redução de salários e jornadas de servidores públicos, além de instituir outras medidas que atingem os serviços públicos.

O relator das PECs Emergencial e do Pacto Federativo, senador Márcio Bittar (MDB-AC), é o parlamentar designado pelo governo para incluir nas propostas o programa de Renda Cidadã – auxílio assistencial que substituiria o Bolsa Família e teria um acréscimo, fala-se em R$ 25 bilhões, em relação ao programa atual. O Bolsa Família atende hoje a cerca de 14,2 milhões de famílias, quantitativo que seria elevado a perto de 20 milhões de lares, segundo sinalizações oficiais.

Bolsonaro atua para carimbar a sua marca em um programa assistencial – com características quase idênticas ao Bolsa Família, que criticava ferozmente e se posicionava contra quando deputado federal. Certa vez, disse numa palestra que o “voto do idiota é comprado com o Bolsa Família”.

Financiamento

Ao anunciar o Renda Cidadã, o governo indicou como fontes de financiamento a utilização de recursos da educação pública, que seriam retirados do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), e verbas destinadas aos precatórios – dívidas decorrentes de ações judiciais que o governo empurraria o pagamento para depois. As fontes anunciadas aparentemente repercutiram mal em Brasília e setores políticos rapidamente se moveram para enfraquecer a ideia. Poucos dias depois, o próprio Ministério da Economia indicou que o dinheiro teria que sair de outro lugar.

Ao mirar a PEC 186, o governo não menciona a redução de salários de servidores. O fato, no entanto, é que essa autorização para encolher os contracheques dos trabalhadores dos serviços públicos está lá, com todas as letras. O relator da proposta ainda não apresentou o seu parecer, o que sinalizou que ocorreria nesta semana. Disse que só o fará após acertar com Guedes uma saída para financiar o Renda Cidadã. Não consta, porém que pretenda excluir da proposta as medidas a serem aplicadas para ‘ajustar’ as contas públicas – como o dispositivo que permite cortar salários, suspender promoções nas carreiras e impedir concursos públicos.

PEC do Fim do Mundo

Foi Paulo Guedes quem apresentou a PEC 186/2019 ao Senado Federal em 5 de novembro do ano passado, ainda expondo desejo e esperança de que ela fosse aprovada naquele ano. Provavelmente para isso ganhou do próprio governo o nome ‘Emergencial’. A alegada emergência decorria da suposta necessidade de cumprir os limites fiscais determinados pela Emenda Constitucional 95. A EC 95 instituiu o chamado ‘teto de gastos’ até 2036. Quando em tramitação, aliás, esta proposta foi batizada de ‘PEC do Fim do Mundo’ pelos movimentos sindicais e sociais que a combatiam, numa tentativa de alertar para os impactos sociais que a medida acarretaria.

O teto de gastos congela por 20 anos as despesas primárias da União – como políticas sociais, serviços públicos, previdência e investimentos. Neste período, salvo poucas exceções, só é possível aplicar a correção monetária e remanejar recursos. Mesmo que a economia cresça e haja um aumento de receitas, o excedente deve ser destinado ao pagamento de juros e amortizações das dívidas públicas, área que ficou livre do congelamento.

A PEC 186 prevê uma série de medidas temporárias que terão validade por dois anos. Elas podem ser aplicadas pela União, estados e municípios quando as dívidas do ente federativo superarem as despesas obrigatórias – o que pelas contas oficiais já ocorreu com a União em 2019, está ocorrendo este ano e é a situação da maioria dos estados e municípios neste momento. Valem para o Executivo, Judiciário e Legislativo. Mudanças permanentes, algumas similares, estão previstas em outra proposta, a PEC 188/2019 (do Pacto Federativo)

A superação das dívidas em relação às despesas obrigatórias é o gatilho para a ativação imediata das medidas da PEC. As principais são:

1) Salários e jornadas de servidores públicos federais, estaduais e municipais podem ser diminuídos em até 25%;

2) Ficam suspensas as promoções, com exceção das que alterem atribuições e as das carreiras militar ou policial;

3) Fica vedada a realização de concursos e a criação de cargos públicos, assim como o reajuste de salários já existentes;

4) Fica vedada a criação de novas despesas obrigatórias;

5) Quando o dinheiro arrecadado for maior que as despesas previstas para o próximo ano (superávit financeiro), o excedente será destinado ao pagamento das dívidas públicas;

6) Do valor economizado com a redução de despesas obrigatórias, 25% deverá ser aplicado em obras públicas de infraestrutura.

Embora a PEC 186 tenha voltado a ganhar muito destaque nos meios de comunicação após o anúncio do governo, o Palácio do Planalto nitidamente evitou falar no assunto ‘corte de salários’. Ao que parece, Bolsonaro tenta se desvincular deste aspecto da proposta que ele próprio levou ao Congresso Nacional. Ocorre que Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), são dois insistentes defensores da ideia. Do alto de suas remunerações que superam R$ 30 mil mensais, fora verbas extras, não demonstram constrangimento em assumir a responsabilidade pela redução dos salários de milhares de servidores.

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