Um ano com Bolsonaro: o que perdemos e para o que devemos nos preparar em 2020


07/01/2020 - Luciana Araujo

Foto: Marcos Corrêa/PR

No dia 31 de dezembro o presidente Jair Bolsonaro completou seu primeiro ano de governo. Sob o lema “menos direitos, mais trabalho”, o novo ocupante do Palácio do Planalto e sua equipe impuseram a todos os trabalhadores brasileiros mais tempo para conquistar a aposentadoria, com benefícios reduzidos.

O principal e mais duro ataque foi a ‘reforma’ da Previdência, mas a desregulação e precarização do trabalho e das condições de vida avançaram em diversas áreas. Cortes de verbas na educação, incentivo ao genocídio indígena e à devastação ambiental na Amazônia e no Cerrado para avanço do agronegócio, redução dos investimentos no combate à violência contra as mulheres num ano no qual os feminicídios aumentaram em 29% só no estado de São Paulo.

A inflação oficial será divulgada na semana que vem, mas o aumento dos preços no bolso dos trabalhadores foi sentido por todos de forma dura. A carne bovina e a gasolina ajudaram a puxar para cima o custo de vida. A inflação dos alimentos e dos transportes fechou 2019 com alta de 6%, de acordo com o IPC-C1 – Índice de Preços ao Consumidor de classe mais baixa medido pela Fundação Getúlio Vargas. De janeiro a dezembro a inflação dos aluguéis acumulou crescimento de 7,30%.

Ataques em série

Na avaliação da diretoria do Sintrajud, o projeto governamental e a unidade com as maiores bancadas no parlamento para retirar direitos vão exigir dos trabalhadores muita mobilização. “O governo é do Bolsonaro, mas é preciso lembrar que eles aprovam as políticas junto com o Congresso Nacional. Vamos ter que lutar muito para impedir que retirem todos os nossos direitos”, ressalta Ana Luiza de Figueiredo Gomes, diretora do Sindicato e servidora aposentada do TRF.

“A agenda de Bolsonaro e Paulo Guedes, com apoio da ampla maioria do Congresso Nacional, é de retirada sistemática de direitos dos trabalhadores, e os serviços públicos e o funcionalismo estão entre os alvos principais. A unidade e a mobilização unitárias são fundamentais para conformar uma oposição efetiva ao projeto do governo, e não uma oposição meramente protocolar ou focada nas próximas eleições, enquanto nossos direitos são atacados um a um”, frisa Tarcisio Ferreira, diretor do Sintrajud e servidor do TRT-2.

No primeiro ano de governo o presidente Jair Bolsonaro editou 536 decretos. Foi o maior número em um  início de gestão desde Fernando Collor de Mello, em 1990. Inclusão da Casa da Moeda, Ceagesp, Companhia Brasileira de Trens Urbanos, portos e aeroportos no programa de privatizações; ampliação indiscriminada da posse de armas; restrições ao acesso a informações da gestão pública; esvaziamento ou extinção dos conselhos federais como mecanismos de participação cidadã; regularização de terras griladas e restrições à reforma agrária foram alguns dos ataques por essa via.

Os decretos de número 10.046 e 10.047  instituíram um sistema estatal de vigilância sobre os cidadãos que reúne dados biométricos, informações de histórico de trabalho e comportamentais (como hábitos de consumo). Outro decreto, de número 9.831/2019, foi condenado pela Subcomissão das Nações Unidas para a Prevenção à Tortura da ONU, por desorganizar as políticas da área no país.

Desde 2014 o país encontra-se em um novo ciclo da crise econômica global aberta em 2007. Mas, se é verdade que a crise não teve início na gestão Jair Bolsonaro, as medidas adotadas pelo governo têm intensificado a precarização da vida dos brasileiros. São os casos da carteira de trabalho ‘verde e amarela’ e da lei da ‘liberdade econômica’.

Nenhuma medida anticíclica foi tomada entre janeiro e dezembro do ano passado, destaca o Boletim de Conjuntura Econômica do DIEESE publicado em 20 de dezembro (veja aqui). O resultado é que só no estado de São Paulo, entre janeiro e junho do ano passado, 2.325 indústrias fecharam as portas, contribuindo para o aumento do desemprego que afeta 12,5 milhões de cidadãos no país. A informalidade no trabalho bateu sucessivos recordes em 2019, atingindo 38 milhões de brasileiros em novembro, de acordo com o IBGE. A subocupação chega a 27,7 milhões de cidadãos e os trabalhadores por conta própria já somam 24,4 milhões.

Servidores pagam a conta

Nesse cenário, muitos servidores públicos, especialmente os aposentados que ainda mantiveram o direito à integralidade e paridade dos proventos, passaram a ajudar a sustentar familiares que não encontram emprego.

Mas o próprio funcionalismo é o principal alvo de um governo que afirma que o país garante “direitos demais”.

Em 20 de dezembro, com o decreto 10.185, o presidente da República extinguiu milhares de cargos e vedou a abertura de concursos ou provimento de vagas na educação. Outras centenas de cargos já tinham sido extintos com o decreto 9.754, em abril, afetando diversos setores do Executivo.

Depois de ter aprovado uma nova ‘reforma’ da Previdência pautada na velha fake news dos “privilégios” do funcionalismo, em 2020 o Planalto vai seguir tentando extinguir a estabilidade para novo ingressantes, instituir a demissão por “mau desempenho”, suspender concursos e progressões nas carreiras e introduzir na Constituição que os poderes da República – inclusive o Judiciário – poderão reduzir salários de ofício em até 25%. O impacto real da redução salarial poderá ser maior por causa do aumento das alíquotas previdenciárias que passam a valer em março próximo. E as funções comissionadas e cargos em comissão poderão ser reduzidas, também por ato normativo dos chefes dos poderes, em até 20%.

Ou seja, o ministro Dias Toffoli – que em 2018 obteve para os juízes reajuste de 16,38% e continuou negando-se a discutir formas de evitar o congelamento de salários e benefícios para os servidores do PJU e MPU – poderá reduzir salários com uma canetada se as propostas de emendas constitucionais 186, 187 e 188 forem aprovadas (confira seu conteúdo aqui). O orçamento da União para este ano já prevê uma “economia” de R$ 6 bilhões calcada na expectativa de redução salarial do funcionalismo.

Por outro lado, a remuneração do capital financeiro segue prioridade no Planalto. O boletim conjuntural do DIEESE em dezembro destaca, com base em dados do Ministério da Economia, que o estoque da dívida pública federal atingiu R$ 4,1 trilhões em outubro do ano passado, dos quais R$ 3,9 trilhões referem-se à dívida interna. Metade dos credores de títulos da dívida são bancos, fundos de investimento e seguradoras.

MPs: ataques com efeito imediato

No primeiro ano de seu governo, Bolsonaro também usou fartamente o mecanismo das medidas provisórias como ferramenta de promoção de ataques imediatos a direitos, burlando as previsões constitucionais de aprovação de mudanças legislativas no Congresso Nacional.

Instituídas pelo artigo 62 Constituição de 1988, as MPs são mecanismos que exigem relevância e urgência dos temas sobre os quais dispõem, por sua força imediata de lei a partir de ato pessoal do presidente da República, ainda que dependam de aprovação posterior do parlamento para se consolidarem como legislação nacional. Também há vedações constitucionais sobre o que não pode ser tratado por MP – o objetivo dos constituintes era reduzir o espaço para o chefe do Executivo atuar como déspota.

A prática de retirar direitos por medida provisória e testar a reação diretamente na sociedade para que depois o legislativo consolide o ataque foi usada por todos os governos desde a redemocratização, mas sob o governo Bolsonaro tornou-se corriqueira.

Sua primeira MP, convertida posteriormente na Lei 13.844/2019, extinguiu o Ministério do Trabalho. Em abril, com a medida provisória 881, dispensou o controle de jornada em diversas atividades do setor privado, favorecendo que os patrões não paguem horas extras trabalhadas. Em novembro, com a MP 905, criou o “emprego verde e amarelo” sem direitos, desregulamentou 14 profissões e taxou o seguro-desemprego enquanto isentou as empresas de contribuir para o INSS. Ainda em tramitação, se essa medida for convertida em lei será um dos mais amplos ataques aos trabalhadores, junto com a ‘Nova previdência’.

A desregulação e informalização tendem ainda a aumentar se as propostas do chamado Grupo de Altos Estudos do Trabalho (GAET) vierem a ser aprovadas. Criado pelo Ministério da Economia em setembro do ano passado com a participação de magistrados antissindicais como Ives Gandra Martins Filho, o GAET promete para fevereiro um relatório visando a ampliação da ‘reforma’ trabalhista e uma ‘reforma’ sindical.

Mira em sindicatos visa direitos

Com a MP 873, o governo tentou falir o movimento sindical pelo estrangulamento financeiro. Ao vedar até mesmo o desconto em folha da mensalidade sindical autorizada pelo trabalhador, a MP infringiu, entre outros dispositivos, a proibição de atacar direitos políticos e de cidadania (parágrafo 1°, I, a do artigo 62 da Constituição). Por isso, foi uma das que ficaram adormecidas na Câmara até caducar. Muitos sindicatos no âmbito do Poder Executivo da União, no entanto, quase fecharam as portas porque tiveram o repasse de suas mensalidades suspenso durante a vigência da MP e só recuperaram a consignação por meio de ação judicial.

O presidente da República não desistiu do ataque e estuda enviar ao legislativo projeto de lei com o mesmo conteúdo. O GAET avalia como melhor apresentar juridicamente a proposta para que ela não seja desmoralizada como a MP decadente.

Certamente essa luta voltará à pauta em 2020. Atacar os sindicatos é uma necessidade para reduzir a resistência à retirada de tantos direitos dos trabalhadores.

Outros ataques

Também por medida provisória o presidente tentou retirar a autonomia do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depois que seu filho Flávio Bolsonaro foi citado no escândalo das ‘rachadinhas’, prática que desvia dinheiro público para campanhas eleitorais por meio da contratação de assessores que devolvem parte do salário aos parlamentares contratantes.

Outra MP transforma a Casa da Moeda em empresa pública, visando sua privatização no pacote de 17 patrimônios da União que o governo pretende por à venda neste ano.

Das 48 MPs enviadas ao parlamento por Bolsonaro, 11 foram aprovadas, 11 perderam validade sem análise, 25 estão em tramitação e a que destinaria verbas para a Eletrobrás foi rejeitada na Câmara dos Deputados.

Sob o argumento da redução dos extorsivos juros do cheque especial, o governo também criou uma espécie de ‘Bolsa banqueiro’. Em 27 de novembro, o Banco Central baixou a Resolução 4.765/2019, cumprindo decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN). A normativa estabelece que clientes bancários com limite de crédito em conta superiores a R$ 500,00 vão pagar mais uma tarifa mensal – de 0,25% sobre o que exceder esse teto – mesmo que não usem o limite. De acordo com o próprio BC, 80 milhões usuários no país têm limite acima de R$ 500,00 e vão ser compulsoriamente taxados pelo simples fato de o banco disponibilizar esse dinheiro. Apenas 19 milhões de brasileiros estão abaixo do teto de crédito. A OAB aponta a medida como abusiva e cobrou ao BACEN a revogação da taxa.

Os juros do cheque especial passam a ser de, no máximo, 8% ao mês ou cerca de 150% ao ano (atualmente estão na casa dos 12% ao mês/306% anuais). Como a maioria dos correntistas vão pagar mensalmente mesmo se não usarem o valor disponibilizado pelo banco, mediante aceite do cliente, a arrecadação das instituições será compensada por quem não entra na ciranda financeira – a menos que a pessoa formalize a redução do limite. A intenção foi assumida pelo diretor de Regulação do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, em entrevista ao jornal ‘Folha de S.Paulo’. “O objetivo é reduzir o custo do produto e fazer essa redução ser repassada ao consumidor”, declarou.

A cobrança será imediata para contas abertas a partir de 6 de janeiro deste ano. Para quem já tinha conta corrente a taxa será imposta a partir de junho. O Banco do Brasil anunciou que só descontará o percentual a partir de 2021.

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