TRF/JF: Therezinha Cazerta encerra mandato de pouco diálogo


06/03/2020 - Luciana Araujo

No próximo dia 24 de março a direção do Sintrajud será recebida pelo novo presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargador Mairan Maia, que assumiu o cargo na última segunda-feira. Na reunião, os representantes da entidade vão buscar estabelecer uma agenda institucional de discussão sobre pautas e demandas não respondidas pela presidente Therezinha Cazerta.

A desembargadora encerrou um biênio à frente do maior regional da Justiça Federal do país com a marca da intransigência e pouco apreço à valorização dos trabalhadores que asseguram a realização das finalidades da Justiça Federal: a adequada prestação de serviços aos jurisdicionados, o combate a crimes federais e a recuperação de valores ao erário.

O TRF-3 tem, segundo levantamentos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, a maior média de produtividade de todo o Poder Judiciário, mesmo com 531 cargos vagos no Regional (514 deles no estado de São Paulo). Ainda assim, a desembargadora Therezinha considerou razoável defender que os servidores que incorporaram quintos relativos ao exercício de função comissionada ou cargo em comissão entre abril de 1998 e setembro de 2001 fossem obrigados a devolver valores recebidos após a decisão do Supremo Tribunal Federal de março de 2015 pelo corte da parcela, revertida em dezembro último após quatro anos de luta da categoria. Se a proposta da desembargadora tivesse prevalecido, quase 35% dos servidores da Terceira Região teriam redução salarial.

A defesa da devolução, apresentada ao Sintrajud e ao Sindjufe-MS em audiência, contrasta com o fato de não haver notícias de que a magistrada tenha ressarcido ao erário valores relativos ao auxílio-moradia pago a juízes do país inteiro por liminar do ministro Luiz Fux durante quatro anos, sob permanente questionamento da sociedade até a ‘absorção’ do penduricalho em troca de reajuste para os magistrados, negociada pelo ministro Dias Toffoli em 2019.

Após diversas manifestações em frente ao Tribunal e petições do Sintrajud para que revisse seu posicionamento, Cazerta só mudou seu voto contra os trabalhadores na reta final do processo de decisão no Conselho da Justiça Federal, que reviu o posicionamento de suspender o pagamento da parcela antes mesmo de o STF concluir o julgamento dos embargos declaratórios.

Ponto eletrônico

Protesto em Santos pediu suspensão da Resolução 326/2020 (crédito: Marcela Mattos).

Outra marca da gestão Cazerta foi a Resolução 326/2020, que instituiu o ponto eletrônico. Baixada às vésperas do recesso judiciário e a dois meses do fim de seu mandato, o controle de jornada a partir de login na estação de trabalho não regulamentou o pagamento de banco de horas, nem das horas extras realizadas antes da implantação do novo sistema ou das horas de sobreaviso. Também está pendente de regulamento na Resolução do ponto eletrônico a remuneração do trabalho externo e em mutirões ou por quaisquer serviços prestados além do estabelecido no concurso público para o qual os trabalhadores do Judiciário foram aprovados.

No entanto, numa realidade em que elevadores têm funcionamento precário, sistemas de informática operam com lentidão, entre outros problemas estruturais, todo minuto que o servidor trabalhe menos que a jornada estabelecida é computado.

O mecanismo aprofundou o assédio moral no Judiciário Federal paulista, com chefias cobrando registro até mesmo de idas ao banheiro. Servidores que precisam se ausentar do trabalho para consultas ou exames também passaram a se sentir acuados por tratarem da saúde, já que o TRF-3 não regulamentou até hoje o abono de horas para este fim.

Além de flagrante afronta à legislação que prevê o registro de ponto como mecanismo não só de controle, mas de proteção ao trabalhador, a Resolução da desembargadora Therezinha Cazerta afrontou também o Relatório de Inspeção do Conselho da Justiça Federal de 2012. Usado pela administração como argumento, o relatório do CJF assevera a necessidade de regulamentação prévia do cômputo e retribuição de bancos de horas e jornadas extraordinárias antes da criação do novo sistema.

Mesmo diante de dois requerimentos apresentados pelo Sindicato, quase mil assinaturas de trabalhadores pedindo que a Resolução fosse suspensa até solução das irregularidades e três reuniões com a administração, a postura intransigente se manteve e a desembargadora deixou a presidência do Tribunal sem resolver os problemas criados por sua determinação e atos que têm a sua assinatura.

Digitalização a toque de caixa

Na busca sempre alardeada do ‘TRF 100% digital’, o processo de virtualização de feitos no Regional também foi implementado de maneira atabalhoada. Servidores de fóruns no interior denunciaram ao Sindicato a necessidade de devolução de processos à capital porque o material não tinha sido digitalizado corretamente, o que gera despesas extras e atrasos na prestação jurisdicional.

A implementação das ‘e-varas’ e da Central de Processamento Eletrônico no Fórum da Justiça Federal em Santos ainda está sob acompanhamento do Sindicato para verificação dos impactos sobre a saúde física e mental dos servidores. As obras de reforma do Fórum não passaram no teste da primeira chuva e, nesta semana, partes dos forros do teto de diversos setores desabaram, goteiras voltaram a aparecer em ao menos dois andares, três dos quatro elevadores pararam de funcionar, entre outros transtornos.

Distorções e desigualdades na gestão pública

A administração Therezinha Cazerta também foi mal avaliada pelos servidores em razão de distorções no tratamento ao quadro funcional que não condizem com a impessoalidade na gestão pública. O Tribunal manteve ao longo da gestão Cazerta critérios diferentes de  pagamento e contabilização das horas trabalhadas em regime de plantão ou de sobreaviso. De acordo com informações prestadas pela Diretoria do Foro, no TRF essas horas são convertidas, respectivamente, em banco de horas com acréscimo de 50% em dias úteis e sábados e 100% em domingos e feriados, ou à razão de 1/3 da hora regular.

A regra, no entanto, não se aplicaria aos servidores da Justiça Federal de 1ª instância e Juizados Especiais, que teriam necessidade de regulamentação própria. O processo para definição dessas regras tramita desde o início de 2018, sem solução. O Sindicato defende que sejam aplicados aos trabalhadores da primeira instância, das turmas recursais, dos juizados especiais federais e aos oficiais de justiça os critérios previstos nas resoluções CATRF3R 501/2014 e CATRF3R 46/2017. O posicionamento da diretoria do Sintrajud foi apresentado ao TRF em requerimentos e manifestação no processo, mas a gestão Cazerta terminou sem decisão sobre a demanda.

A desembargadora também abriu um edital de concurso para o Regional contemplando apenas alguns cargos e sem nenhuma vaga para as funções de oficial de justiça e agente de segurança, dois gargalos há muito denunciados e cobrados pelos servidores. Tal postura alimenta a política de precarização dos serviços prestados e favorece a terceirização – o que condiz com a frequente defesa de que é possível “fazer mais com menos”, advogada pela desembargadora em eventos de anúncio da digitalização processual como panaceia para o arrocho orçamentário verificado nos últimos anos e aprofundado com a Emenda Constitucional 95.

Outra marca da administração Cazerta foi o descaso com as inúmeras denúncias de violências sofridas por oficiais de justiça no exercício da função, também por diversas vezes formalizadas pelo Sindicato. De acordo com levantamento realizado pela própria Diretoria do Foro a pedido do Sintrajud, os registros de violências contra oficiais no cumprimento de diligências triplicaram entre 2017 e 2019.

Só em janeiro deste ano a Corregedoria Geral da 3ª Região editou provimento autorizando o oficial a não cumprir mandado “em caso de risco grave e iminente à própria integridade física e patrimonial.” A medida, no entanto, está longe de uma política institucional de prevenção, mapeamento e reconhecimento do risco funcional vivido cotidiamente por esse segmento.

Assédio moral e sexual

Cartilha do Sintrajud contra o assédio sexual: uma ferramenta para as servidoras.

O Sindicato desde 2018 realiza uma campanha de enfrentamento aos constrangimentos sexuais e ao assédio moral no Judiciário Federal. Após o lançamento da cartilha do Sintrajud, em 8 de março daquele ano, e a apresentação de requerimentos para que a administração pautasse o assunto, foram realizadas três exibições do documentário ‘Chega de fiu-fiu’ seguidas de debates.

Após questionamento do Sindicato sobre expediente divulgado pela Ouvidoria da Terceira Região eximindo-se de tratar as denúncias de assédio moral recebidas, a administração publicou no ano passado duas instruções normativas (4884101 e 4979401) responsabilizando formalmente o órgão por recepcionar e dar encaminhamento, além de computar para fins estatísticos, os registros de ocorrência de humilhações recorrentes e assédio sexual nos locais de trabalho da Terceira Região.

A Diretoria do Foro informou que está produzindo uma cartilha sobre o tema, ainda não divulgada. A seção judiciária de São Paulo também realizou uma palestra e reprodução de vídeos do Tribunal Superior do Trabalho.

As medidas, no entanto, não podem ser consideradas como efetiva política de combate às duas práticas. O Sindicato continuará cobrando que o Judiciário Federal no Estado de São Paulo assegure condições de trabalho decente preconizadas pela Organização Internacional do Trabalho e outros organismos internacionais.

Desrespeito institucional

Reunião de diretores do Sintrajud com a então presidente do TRF, desembargadora Therezinha Cazerta, em outubro de 2018 (crédito: ASCOM/TRF)

As medidas deferidas pela administração Therezinha Cazerta em resposta aos trabalhadores foram poucas, e fruto de muita pressão. Entre elas está o aproveitamento de oficiais de justiça aprovados em concurso do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, para evitar o colapso do funcionamento da Justiça Federal. O fornecimento de vacinas contra a gripe foi assegurado aos servidores da capital e Região Metropolitana, mas não alcançou todo o estado, mesmo após protestos do Sindicato. A comissão constituída para discutir as distorções nas tabelas de custeio do plano de saúde precisa avançar, assim como tem que funcionar efetivamente o grupo de trabalho criado em dezembro passado para debater a viabilidade de adotar o modelo de autogestão na assistência à saúde dos servidores e magistrados do Regional.

O papel fiscalizador dos contratos de terceirização de serviços só passou a ser cumprido após denúncias feitas pelo Sindicato ao Ministério Público do Trabalho e intervenção daquele órgão. Só assim foi assegurado a todos os terceirizados na Terceira Região o recebimento do salário mínimo regional e autorização para uso do refeitório do Tribunal. Mas ainda são recorrentes as situações nas quais trabalhadores terceirizados são submetidos a situações de humilhação, atraso de salários, vale-transporte e refeição, entre outros problemas.

Enquanto desembargadores conversavam animadamente, trabalhadoras terceirizadas aguardavam determinações e o fim da festa no dia 10/2: depois ainda caberia a elas limpar o ambiente (Arquivo Sintrajud).

Quando das últimas inundações havidas em São Paulo, no dia 10 de fevereiro, Therezinha Cazerta manteve a realização de uma cerimônia para inaugurar o Centro de Memória do TRF (foto), obrigando servidores e trabalhadoras terceirizadas a retornarem mais tarde a seus lares sob risco de atravessar áreas de alagamento que a Defesa Civil e o Governo do Estado orientavam evitar.

“Foi uma gestão marcada pela intransigência e uma centralização na forma de administrar que beirou o egocentrismo. Houve muito pouco diálogo com os servidores. De tempos em tempos a gente percebe que as administrações vão se alinhando com as políticas governamentais de arrocho aos trabalhadores e retirada de direitos, especialmente quando se fala em corte de gastos – que atingem diretamente a força de trabalho em detrimento da vida e do bem-estar dos funcionários e do bom atendimento ao jurisdicionado. Essa foi uma gestão com essa marca, da prioridade às placas de inauguração, sob o lema de “fazer mais com menos”, que se traduz em mais trabalho, mais penalidades, mais metas e menos condições de exercício das funções públicas e respeito aos seres humanos”, aponta a diretora do Sintrajud Claudia Vilapiano, servidora da JF em Campinas.

Para concluir com “chave de ouro” sua gestão, no último dia 2 a desembargadora respondeu a um requerimento protocolado em setembro pelo Sindicato demandando reunião para debater os problemas da administração. Laconicamente, a ex-presidente afirma que algumas demandas já são discutidas em processos administrativos e que não poderia atender ao pedido de audiência porque a gestão estava acabando.

“Essa última resposta é uma demonstração do que foi a administração dela. Foi o coroamento de uma gestão que favoreceu a precarização das funções públicas, o avanço da terceirização e a submissão às amarras orçamentárias”, aponta o também diretor do Sindicato e servidor do TRT-2 Tarcisio Ferreira. “O que se espera da nova administração é o estabelecimento de um canal de diálogo com os servidores”, ressalta.

A diretoria do Sindicato cobrará que a nova gestão leve adiante os estudos sobre a autogestão e o combate efetivo ao assédio moral e sexual, além do atendimento às necessidades de funcionamento do Regional com condições de trabalho. Outro tema que seguirá em pauta é a necessidade de regulamentação de procedimentos e normas para que a digitalização processual assegure a efetiva prestação de serviço de qualidade com respeito aos direitos dos trabalhadores do Judiciário.

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