TRF: Conferência aponta desigualdade entre homens e mulheres no Judiciário


25/02/2019 - Shuellen Peixoto

A falta de paridade e representatividade das mulheres, em pleno século XXI, foi tema de debate na conferência “Perspectivas de Gênero na Atividade Judicial”, que aconteceu na manhã desta sexta-feira, 22 de fevereiro, no auditório do TRF-3. O evento, organizado pela Comissão AJUFE Mulheres, em parceria com a EMAG (Escola de Magistratura) e a Justiça Federal, teve a presença da conferencista britânica Helena Kennedy, diretora do Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association (IBAHRI) – Associação Internacional de Advogados.

Além da conferencista, o debate teve a participação de Ela Wiecko, coordenadora do Comitê Gestor de Gênero e Raça do Ministério Público Federal; Fausto de Sanctis, desembargador do TRF-3 e ouvidor-geral da 3ª Região; Mônica Sifuentes, desembargadora do TRF-1 e Vladimir Aras, Procurador Regional da República.

Para a desembargadora presidente do TRF-3, Therezinha Cazerta, o debate é de grande valia, tendo em vista que apenas 40% dos juízes de 1ª instância são mulheres, entre os juízes de 2ª instância o número cai para 25%, e apenas 15% dos membros da alta corte são mulheres. “Temos um longo caminho a percorrer, mas um judiciário mais representativo poderia representar melhor a sociedade, porque estaria mais próximo da realidade”, destacou a desembargadora.

Desigualdades de gênero: realidade no mundo

A conferencista Helena Kennedy iniciou o debate explicando um pouco da sua experiência na área jurídica e das dificuldades que, enquanto mulher, enfrentou ao longo de sua trajetória. Consagrada pela coroa inglesa com o título de Baronesa em 1997, Keneddy construiu sua carreira vinculada à defesa dos direitos humanos e liberdades civis.

Para a jurista, apesar de não se admitir a existência das desigualdades de gênero, elas são parte do cotidiano e do dia-a-dia das mulheres, seja em países como Inglaterra ou no Brasil. “A luta por igualdade de gênero é tão presente que o Me too [manifesto das atrizes que denunciaram assédio em Hollywood] teve um impacto em mulheres de todo o mundo, porque aquele movimento trazia à tona toda a desigualdade de gênero que enfrentamos nos nossos locais de trabalho e até mesmo em nossas casas”, afirmou Kennedy.

Ainda para a baronesa, o distanciamento de representatividade no Judiciário causa afastamento desta instituição da sociedade. “Não podemos tratar como iguais os que não são iguais, isso traz maiores desigualdades. Em minha pesquisa, a maioria das mulheres presas que entrevistei, traziam uma história de violências desde a sua infância”, destacou Helena Kennedy. “O machismo faz com que nós, mulheres, enfrentemos a violência sexual e ainda o moralismo, por exemplo, tem uma juíza do Canadá que teve suas atividades suspensas porque o marido divulgou fotos intimas dela. Quem divulgou foi o marido, mas ela segue suspensa por algo que fez na sua intimidade”, disse a advogada.

Para a conferencista, paridade de gênero é essencial para democratizar o Judiciário, tornando-o mais representativo, mas também deve ser encarado como uma batalha social. “A luta por igualdade de gênero não pode ser apenas das mulheres, tem que ser assumida por todos, com o objetivo de construir uma sociedade igualitária entre homens e mulheres”, finalizou Kennedy.

E no Brasil?

A procuradora da República Ela Wiecko, coordenadora do Comitê Gestor de Gênero e Raça do Ministério Público Federal, trouxe para discussão um pouco da realidade brasileira.  A procuradora destacou o aumento do peso relativo de mulheres nas diversas profissões jurídicas, no entanto, frisou que ainda não houve sequer uma mulher presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Para Wiecko, as mulheres ainda estão distantes do lugar de poder, apesar do crescimento no Judiciário.

“As mulheres ainda estão em carreiras menos valorizadas que os homens, principalmente no Judiciário, que segue sendo uma instituição masculina e branca”, afirmou a procuradora. “O combate não pode ser individual, as desigualdades são estruturantes, criadas por uma estrutura que é da divisão social do trabalho, por isso a superação é social”, finalizou.

Ainda sobre a desigualdade de gênero no Judiciário, a desembargadora do TRF-1, Monica Sifuentes, destacou que as dificuldades estão além das poucas mulheres nos cargos de poder, envolvendo também o machismo cotidiano no ambiente de trabalho. Com a exemplificação de casos que ocorreram com ela e suas colegas, a desembargadora falou sobre como as mulheres são, muitas vezes, ignoradas em seus argumentos. “Em uma das reuniões do Pleno que participei, os desembargadores estavam fazendo seus votos e eu levantei um argumento relevante para discussão, depois que falei, um colega desembargador concordou comigo, depois disso todos os outros colegas fizeram referência ao argumento que apresentei como se tivesse sido colocado pelo desembargador, e não por mim”, comentou Sifuentes.

A desembargadora expôs seu desconforto, mas destacou que é preciso que as colegas de profissão enfrentem tais situações. “Nós mulheres ainda temos muita timidez e insegurança para falar e ocupar os espaços, mas precisamos romper esta barreira, apenas quando ocuparmos estes espaços é que seremos capazes de reivindicá-los e mudá-los”, finalizou Sifuentes.

Servidoras não aparecem nos debates

Apesar da importância do tema, o debate não refletiu em nada a realidade das servidoras do Judiciário Federal. Diferente do que acontece tradicionalmente, a atividade não foi divulgada para os e-mails dos servidores, o que pode ter reduzido a participação da categoria.

O Sintrajud solicitou assento à mesa de abertura da conferência, no entanto, o pedido foi negado. “Um evento de tamanha relevância não poderia ter prescindindo da representação das servidoras, somos nós a maioria no Judiciário e seguimos sendo uma ínfima parte dos cargos de chefia, o que gera uma diferenciação salarial na prática, mas, infelizmente, fomos invisibilizadas mesmo neste evento”, afirmou Fausta Fernandes, servidora aposentada da JF/Caraguatatuba e diretora do Sindicato.

A servidora pediu a palavra antes do encerramento do evento e, mesmo após seus apontamentos, os representantes da Administração que compunham a mesa não se pronunciaram sobre o fato.

O Sintrajud vem tentando diálogo com a Administração do TRF e JF para, dentre outras pautas, construir uma campanha institucional conjunta contra a discriminação de gênero e o assédio sexual no âmbito da Terceira Região.

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