TRE ameaça promover relotação de servidores e categoria denuncia assédio


29/09/2021 - Redação
Assembleia repudia atitude do Tribunal e reafirma posição contrária ao fechamento de postos eleitorais.

A reestruturação que vem ocorrendo nos tribunais do Judiciário Federal já produz efeitos nas condições de trabalho e saúde dos trabalhadores e antecipa os efeitos da PEC 32, o projeto de ‘reforma’ administrativa que o governo Bolsonaro tenta fazer o Congresso aprovar. No TRE, um dos reflexos da nova orientação é a proposta de fechar os postos de atendimento ao eleitor no Estado – medida que foi sugerida por um dos grupos de trabalho criados para estudar uma possível reorganização dos cartórios eleitorais.

Outra consequência é a relotação de servidores, com a utilização do assédio moral como instrumento para convencer os que resistirem a mudar de setor ou unidade. Um episódio recente com uma diretora do Sintrajud – e integrante da comissão de combate ao assédio moral – mostrou que essa pode ser uma prática ainda mais recorrente.

Reunidos em assembleia virtual (foto) na quinta-feira, 23 de setembro, os servidores do TRE reafirmaram a posição da categoria contra a extinção dos postos de atendimento ao eleitor e contra a relotação involuntária.

Eles também decidiram levar adiante debates sobre a reestruturação do TRE e sobre o Dimensionamento da Força de Trabalho (DFT), com a eventual produção de publicações a fim de orientar a discussão com os colegas.

A assembleia ainda fez um chamado a todos os servidores que tenham sofrido assédio, em qualquer grau, para que procurem o apoio do Sindicato.

Conduta arbitrária e antissindical

A servidora Raquel Morel Gonzaga, da Seção de Rede e Servidores (ScRS/STI) do TRE, foi “convidada” a responder um questionário sobre perfil profissional para definir sua nova lotação, mesmo depois de deixar claro à administração que não pretende sair do setor.

Raquel é diretora do Sintrajud e faz parte da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, instituída no TRE por determinação do CNJ para todos os tribunais do país.

Outros servidores da mesma seção também foram “convidados” a mudar de lotação e mais da metade da equipe compareceu à assembleia setorial.

A proposta de mudança surgiu em uma reunião com o Secretário de Tecnologia da Informação (STI) Daniel Forlivesi, e Paulo Sérgio Furtado Abreu — Coordenador de Infraestrutura e Desenvolvimento —, a pedido do Chefe da ScRS, Fabio Barbosa de Oliveira Elizeu, para a qual foram convocados a servidora Raquel Morel e mais três servidores.

Na ocasião, Raquel Morel disse que não tem interesse em sair da Seção onde trabalha há sete anos. Apesar disso, ela e cada um dos demais colegas foram chamados para conversar separadamente com o Secretário, que tentou convencê-los a sair da seção e buscar uma futura relotação.

Dois dos servidores tiraram licença médica depois dessa conversa e outro solicitou a relotação. 

A diretora do Sintrajud, ao receber o e-mail em que foi solicitado o preenchimento do formulário de perfil profissional para uma futura relotação, solicitou esclarecimentos ao chefe imediato e à SGP, pois não houve nenhuma combinação nesse sentido nem manifestação de interesse em saída da Seção.

A servidora não teve resposta ao e-mail mas foi contatada pela Secretária de Gestão de Pessoas, Paula Helena Batista Silva, com quem o Sintrajud se reuniu para questionar sobre o procedimento adotado. Além da Secretária, pela Administração participou o Coordenador da Coordenação de Educação e Desenvolvimento, Leandro Hiroto Tamashiro. O Sintrajud foi representado pelo coordenador do Departamento Jurídico, Cesar Lignelli, e pelos diretores Tarcisio Ferreira, Angélica Olivieri e pela própria Raquel Morel.

O advogado e a dirigente mostraram que a relotação dos servidores configura atitude arbitrária e desmotivada, contrariando o Estatuto dos Servidores Públicos, além de possível assédio moral. No caso de Raquel Morel, a medida também pode ser apontada como conduta antissindical, tendo em vista sua posição como diretora do Sintrajud.

“O que aconteceu foi um processo de assédio contra toda a Seção, a ponto de haver colegas querendo sair porque não estão conseguindo trabalhar, não estão aguentando esse clima”, disse Raquel, durante a assembleia. “Não podemos aceitar que as pessoas sejam descartadas, como se estivéssemos em uma empresa e elas fossem demitidas”, acrescentou.

Justiça como “negócio”

Para o servidor Démerson Dias, ex-diretor do Sintrajud e da Fenajufe, tanto a extinção dos postos de atendimento ao eleitor como a relotação dos servidores devem ser analisadas no contexto da reestruturação do poder Judiciário de toda a América Latina, que foi proposta em 1996 pelo Banco Mundial, no conhecido “Documento 319”.

“O que o Banco Mundial propõe é uma privatização da Justiça, que o CNJ chama de ‘desjudicialização”, afirmou Démerson na assembleia. Ele comparou as mudanças implementadas no Judiciário Federal às que estão sendo postas em prática no Judiciário estadual de São Paulo, que apostou nas soluções digitais e de inteligência artificial para a execução de grande parte do trabalho.

Démerson explicou que o CNJ vem disseminando a ideia de que a Justiça pode ser encarada como um negócio e que os servidores são uma espécie de “empreendedores”. “Nessa questão do Dimensionamento da Força de Trabalho, não devemos nos enganar: serve para realocar servidores e quem não for ‘alinhado’ à administração será jogado em algum lugar menos importante”, declarou.

O servidor do TRE-BA Fred Barboza, diretor do Sindjufe-BA, também participou da assembleia e destacou a ligação entre as reestruturações que os tribunais estão promovendo e a “reforma” administrativa em tramitação no Congresso Nacional. “É sintomático que estejamos fazendo esse debate no dia em que também está havendo o debate sobre a PEC 32 na Câmara”, observou o dirigente do sindicato baiano.

“Imaginem se isso acontece em outro cenário, em que não mais tivéssemos a estabilidade e sim a contratação temporária por dez anos”, comparou, referindo-se a uma das mudanças previstas no projeto de reforma do governo Bolsonaro. “Não estaríamos discutindo uma situação de assédio em que a companheira está sendo relotada a qualquer custo, estaríamos discutindo a necessidade de reverter a demissão dela.”

Raquel Morel recebeu manifestações de solidariedade de todos os participantes da assembleia, inclusive de Paulo Barela, da Secretaria Nacional da CSP-Conlutas, que acompanhou a reunião virtual ainda em Brasília, onde estava para as atividades de mobilização contra a “reforma” administrativa.

“A PEC 32 está voltada para um conjunto de medidas que vai precarizar ainda mais as relações de trabalho no serviço público”, afirmou o dirigente da central sindical. Ao permitir “contratações extremamente frágeis do ponto de vista legal”, a “reforma” vai aumentar ainda mais a pressão nos locais de trabalho e o assédio moral, “que é muito forte no setor público”, observou Barela.

Além de manifestar apoio aos colegas da Seção de Rede e Servidores contra o assédio e repudiar a atitude antissindical em relação à diretora Raquel Morel, a categoria deliberou na assembleia que não aceitará relotação compulsória.

Ficou decidido que, caso a administração do Tribunal insista nessa medida, a diretoria do Sindicato buscará o apoio da Fenajufe, da CSP Conlutas e de outras entidades, podendo também apresentar denúncia à Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do TRE-SP.

Vacinação

A assembleia demonstrou preocupação com a decisão que a administração do TRE fez circular em grupos de mensagens dos servidores, segundo a qual cada setor deve ter pelo menos um servidor durante a retomada gradual das atividades presenciais. A decisão teria surgido em reunião entre o diretor-geral e secretários do Tribunal, mas até a publicação deste texto o TRE não havia publicado nenhuma resolução sobre o assunto.

Diretores do Sindicato reafirmaram o instrumento da greve sanitária, tendo em vista que a pandemia ainda não terminou.

Alguns servidores questionaram também a falta de um controle de vacinação para o acesso e permanência nos prédios, tendo em vista que se trata de questão de saúde pública, para além da esfera individual. A assembleia destacou a defesa da necessidade da vacinação no combate à pandemia.

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