Trabalhadores terceirizados da JF perdem emprego e direitos após assinar “acordo”


06/11/2019 - helio batista

Três trabalhadores terceirizados da Justiça Federal afirmam ter sido enganados por uma promessa de recontratação e acabaram assinando um “acordo” pelo qual perderam parte dos direitos trabalhistas, caindo numa das armadilhas da reforma trabalhista aprovada ainda no governo Temer. Os três estão desempregados.

O caso aconteceu com três ajudantes gerais que trabalhavam no Anexo Presidente Wilson da JF. Eles foram demitidos no final de setembro depois que a seção judiciária encerrou o contrato com a empresa Liderança Serviços e a substituiu pela Nova Engenharia.

No total, 15 trabalhadores foram informados de que a mudança da prestadora de serviços não afetaria seus empregos. Para serem admitidos na Nova Engenharia, porém, eles deveriam assinar um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho com a Liderança, segundo o qual abriam mão de metade da multa rescisória do FGTS, 20% do saldo do Fundo e metade do aviso prévio.

Essa modalidade de demissão está prevista no artigo 484-A da CLT, uma das mudanças introduzidas pelo governo de Michel Temer na legislação trabalhista em 2017 (Lei nº 13.467, de 2017). Quem adere à demissão negociada também deixa de receber o seguro-desemprego.

Sindicato cancela acordo

Dos 15 trabalhadores dispensados pela Liderança, 12 foram recontratados pela Nova Engenharia, uma prática comum nas substituições de empresas terceirizadas nos tribunais. Os outros três, no entanto, ficaram sem emprego, mesmo depois de assinar o acordo e ceder os direitos. A reportagem do Sintrajud conversou com dois deles.

O ajudante geral Fábio Luiz Sanceze conseguiu evitar a perda dos direitos trabalhistas ao homologar a demissão no sindicato da sua categoria. Embora tivesse assinado o acordo, Fábio trabalhou durante parte do período de aviso prévio, o que levou o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco) a anular a homologação e exigir da empresa que os valores da rescisão fossem revistos.

Fábio trabalhou quase 10 anos na Justiça Federal. Foram seis anos na Central de Conciliação, dois anos e meio no Fórum de Execuções Fiscais e um ano no Anexo Presidente Wilson. A Liderança foi a sexta empresa para a qual trabalhou ao longo desse período. “Por recomendação dos gestores dos contratos, íamos passando de uma empresa para outra”, diz Fábio.

Seu colega Márcio Pereira da Silva não teve a mesma sorte. Depois de trabalhar para duas empresas durante os cinco anos em que ficou na JF (sempre no Anexo Presidente Wilson), Márcio acreditou que seria recontratado pela terceira empresa.

Ele não chegou a procurar o sindicato e agora pensa em recorrer à Justiça Trabalhista para tentar reaver os direitos que cedeu ao assinar o acordo. “O gestor do contrato prometeu que todo mundo ia ficar”, lembra. “Eu não tinha nenhuma falta ao trabalho, nem com atestado médico”, acrescenta.

Em 2017, na mudança anterior das empresas terceirizadas do Anexo Presidente Wilson, ele conseguiu receber todos os direitos trabalhistas e ser recontratado pela Liderança, que venceu naquele ano a licitação da JF. Dois anos depois, já sob a vigência da reforma trabalhista, as condições da demissão foram bem mais prejudiciais ao trabalhador.

 

Acordo não pode ser feito sob pressão, diz advogado

Se houver constrangimento, provas devem ser levadas à Justiça do Trabalho.

Deputados fazem ato durante leitura do parecer sobre o projeto de reforma trabalhista, em abril de 2017. (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

O advogado Cesar Lignelli, coordenador do Departamento Jurídico do Sintrajud, adverte que “do ponto de vista jurídico, ninguém é obrigado a assinar nada senão em decorrência de lei”. O trabalhador não pode ser coagido, pressionado ou induzido a abrir mão de seus direitos, mesmo quando assina a demissão negociada prevista no novo artigo da CLT. “Isso só pode acontecer se as partes concordarem sem nenhum tipo de pressão”, esclarece o advogado.

Cesar recomenda que o trabalhador leve à Justiça do Trabalho todas as provas de que cedeu direitos trabalhistas contra a vontade, inclusive gravações das conversas mantidas com os empregadores durante a negociação da dispensa.

O advogado chama a atenção ainda para o prejuízo representado pelo não pagamento do aviso prévio. “Em contratos de trabalho de curta duração, como costumam ser os dos trabalhadores terceirizados, a perda com o aviso prévio é considerável, mais até do que a do FGTS”, aponta.

A legislação determina que o trabalhador com até um ano de serviço receba 30 dias de aviso prévio. Para cada ano adicional, são acrescidos três dias, mas o limite é de 90 dias de aviso prévio. Na rescisão por acordo, criada pela reforma trabalhista, o aviso prévio é pago pela metade.

Essa modalidade de demissão não está entre os pontos da reforma que têm a constitucionalidade questionada por várias ações à espera de julgamento no STF. Porém, conforme observa o advogado Cesar Lignelli, o “acordo” previsto na nova lei segue o espírito geral da reforma trabalhista, pressupondo que patrões e empregados estão em igualdade de condições para negociar e que o Estado pode se ausentar dessa negociação.

 

O que diz a CLT

Rescisão do contrato de trabalho por acordo foi introduzida pela reforma trabalhista aprovada no governo Temer.

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

I – por metade: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

  1. a)o aviso prévio, se indenizado; e (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
  2. b)a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II – na integralidade, as demais verbas trabalhistas. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

  • A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I- A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
  • A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM