Trabalhadores lutam para proteger a saúde em meio ao descaso das empresas


27/03/2020 - helio batista

Trabalhadores do setor de telemarketing em mobilização (crédito: Sindimarketing-SE).

Na sexta-feira, 20 de março, operadores de telemarketing da Almaviva do Brasil paralisaram suas atividades e organizaram um protesto diante da unidade da empresa em São Paulo, chegando a ocupar uma das faixas da rua da Consolação, na região da Paulista.

“El, el, el, queremos álcool gel!”; “Veja não, álcool gel é solução!”, dizia o coro dos trabalhadores. Até então, o Brasil contabilizava 647 casos de covid-19, com sete mortes. Uma semana depois, o número de casos passou de 3.400, com 92 mortes.

Segundo os operadores, a empresa não fornece os insumos para higienização recomendados pelas autoridades de saúde, sendo que quatro casos suspeitos já haviam sido relatados entre os funcionários. Eles também denunciavam a proximidade entre os postos de atendimento, o que contraria as orientações do Ministério da Saúde para uma distância mínima de 1 metro entre as pessoas.

Com 37 mil funcionários no país, a Almaviva é uma das maiores empresas do ramo de telemarketing no Brasil e tem sede na Itália, um dos epicentros da pandemia. Após protestos dos empregados, sua unidade na cidade italiana de Palermo foi fechada e os trabalhadores passaram a operar em home office.

Protestos semelhantes, com atos e paralisações, foram registrados em outros call centers brasileiros. Operadores de telemarketing das empresas Atento e Teletech disseram à reportagem da BBC News Brasil que, apesar da pandemia e das medidas preventivas decretadas por vários governos, continuavam a trabalhar com pouco distanciamento dos colegas, em espaços sem ventilação com até 400 trabalhadores.

A mobilização aconteceu à margem dos sindicatos. O Sintratel (filiado à UGT) e o Sintetel limitaram-se a anunciar que estavam requerendo das empresas “a redução do fluxo de trabalhadores(as) nas operações, possibilitando, assim, o distanciamento mínimo exigido”, além de cobrar higienização dos ambientes de trabalho, transporte fretado para os trabalhadores, flexibilização da jornada, férias coletivas e home office.

Ambas as entidades também fizeram questão de lembrar que o setor de telemarketing foi incluído entre as atividades essenciais definidas no decreto do governador João Doria (PSDB) que determinou a quarentena em todo o estado.

A Almaviva enfrentou maior resistência em Sergipe, onde o Sindimarketing Sergipe (filiado à CSP-Conlutas) entrou com ação judicial e chegou a fechar a empresa. Após recorrer da decisão, entretanto, o grupo italiano conseguiu autorização para o retorno das atividades com 30% do efetivo, o que coloca 1.600 trabalhadores sergipanos em risco.

“Casos silenciosos”

Nos Correios, depois que um trabalhador do Centro de Distribuição Domiciliária (CDD) da Vila Maria (zona norte de São Paulo) foi diagnosticado com a covid-19, a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect) apelou à representação da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil e à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Em documento de 17 páginas enviado a ambas as organizações, a Findect (filiada à CGT) relata que os Correios não estão fornecendo equipamentos de proteção individual (EPI’s), álcool em gel 70%, máscaras, luvas e condições básicas de higiene aos funcionários.

“Pode haver dezenas de casos silenciosos nos Correios, mas sua direção continua obrigando o pessoal a trabalhar normalmente sem fornecer individualmente os itens de higiene e segurança imprescindíveis para prevenção”, diz a Findect, em nota publicada no site da entidade.

A Federação solicita ainda que a estatal adote o home office e o revezamento de turno e que dispense funcionários que fazem parte dos grupos de risco (os que têm mais de 60 anos e os hipertensos, cardíacos, asmáticos, doentes renais e fumantes com deficiência respiratória e quadro de imunodeficiência).

Em nota divulgada na última quarta-feira, 25, os Correios afirmaram que estão seguindo a determinação da Presidência da República, segundo a qual os serviços postais são considerados essenciais.

A empresa alegou ter adotado medidas, como a orientação aos empregados quanto aos cuidados básicos de higiene, a disponibilização de álcool gel 70% em locais próximos às estações de trabalho e a intensificação de procedimentos de higienização e limpeza do ambiente e equipamentos. Sobre a distribuição de EPIs, luvas ou máscaras, a empresa não se pronunciou.

Empregados que fazem parte dos grupos de risco estão fazendo trabalho remoto, segundo a nota dos Correios. No entanto, a empresa anunciou que vai suspender pagamentos de adicionais, benefícios e até salários desses funcionários e dos afastados pela pandemia.

Contra essa medida se insurgiu a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), ligada à CUT. Em resposta ao anúncio dos Correios, a Fentect ingressou com ação na 15° Vara de Trabalho de Brasília para garantir o salário integral dos trabalhadores.

“Nós estamos fazendo uma campanha e conseguimos afastar todas as pessoas do grupo de risco, as funcionárias que são mães e que têm pais em grupos de risco, mas a empresa está tentando forçar o retorno deles. Além disso não estão garantidos os equipamentos de segurança necessários, nem para os trabalhos essenciais. Não tem luvas, não tem álcool gel, e em alguns lugares não há nem sabão e papel toalha para higienizar as mãos. Temos vários companheiros com suspeita de contaminação e um colega faleceu em decorrência do coronavírus, ele era atendente comercial na agência de São Carlos. Nós já estamos discutindo a necessidade de uma greve”, informa Ezequiel Filho, integrante da coordenação setorial dos trabalhadores dos Correios da CSP-Conlutas e da oposição à diretoria do Sindicato daquela categoria em São Paulo.

Metroviários e ferroviários conquistam avanços

O Sindicato dos Metroviários de São Paulo obteve liminar para o afastamento dos trabalhadores dos grupos de risco.
Eles não poderão exercer atividades nas estações, bilheterias e plataformas. Aos metroviários e terceirizados que permanecerem nesses postos deverá ser garantido o fornecimento de EPI´s, além de álcool gel e luvas.

O Sindicato defende a realização de plano de contingência, com redução de fluxo de passageiros, trens e fechamento de estações de menor porte. Há uma semana, a entidade enviou carta ao governador, ao secretário estadual de Transportes e à Assembleia Legislativa pedindo a suspensão de toda a produção e dos serviços não essenciais.

Os ferroviários conseguiram liminar com o mesmo teor para proteger os empregados e terceirizados da CPTM, numa iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana. Apesar da quarentena, no começo da semana o Sindicato ainda notava algumas estações e trens cheios.

Metalúrgicos em greve

Ato de trabalhadores metalúrgicos em São José dos Campos (crédito: Roosevelt Cássio/Sindmetal-SJC).

 

Em São José dos Campos, para garantir o isolamento social dos trabalhadores recomendado pelas autoridades de saúde, o Sindicato dos Metalúrgicos partiu para a greve, decretada no último domingo, 22 de março.

Nesta sexta-feira (27), a Ericsson anunciou licença remunerada para os funcionários, em regime de revezamento, depois de tentar na Justiça barrar as atividades organizadas pelo Sindicato. Com isso, a paralisação já alcançou 82% da categoria na região.

“Esta é uma greve em defesa da vida dos trabalhadores; ficar dentro da fábrica representa um risco para todos”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Weller Gonçalves. A entidade aponta que na Itália a região mais atingida pela pandemia é a que concentra o cinturão industrial metalúrgico. O Sindicato é filiado à CSP-Conlutas.

“Quarentena geral”

O Sintrajud está convocando os servidores do Judiciário Federal em São Paulo a subscreverem uma carta aos parlamentares contra as propostas de redução de salários e por medidas efetivas contra a covid-19. “Todos os serviços que não são essenciais ao atendimento em saúde, assistência social e preservação de liberdade devem ser imediatamente suspensos, pelo bem da coletividade”, afirma a carta.

O texto também exige a revogação imediata e integral da MP 927/2020, que abre brecha para o corte de salários no setor privado por quatro meses, além da revogação da Emenda 95 (teto de gastos) e da suspensão da tramitação das Propostas de Emendas Constitucionais que compõem o Plano ‘Mais Brasil’, entre outros projetos. O governo Bolsonaro acabou recuando do corte de salários no setor privado, mas segue estudando a redução salarial do funcionalismo e o texto da MP 927 ainda possibilita esse ataque no setor privado, entre outros.

Na segunda-feira, 23, as centrais sindicais se reuniram para discutir o impacto da pandemia de coronavírus sobre os trabalhadores brasileiros e as medidas propostas pelo governo. Ao final do encontro, as centrais aprovaram uma nota que aponta a MP 927 como uma medida “cruel, escandalosa e macabra”, mas não fala da necessidade de paralisar todos os setores não essenciais para o combate ao coronavírus nem indica a construção de uma greve geral.

Embora tenha participado da reunião, a CSP-Conlutas não assinou o documento. Para a Central, o texto manifesta confiança no Congresso e propõe um grande pacto nacional com o empresariado.

“Precisamos apresentar uma saída dos trabalhadores, porque essas pessoas têm alguma esperança de que serão defendidas, de que terão a vida e os direitos em primeiro lugar na nossa lista de reivindicações”, afirmou o coordenador da CSP-Conlutas Luís Carlos Prates, o Mancha. Ele defendeu uma “quarentena geral” como única forma de deter o avanço da pandemia.

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM