Temer usa decreto para tentar colar no serviço público lei da terceirização sem limites


27/09/2018 - Shuellen Peixoto

O governo federal dá mais um passo no sentido de ampliar e estender a todos os setores da administração pública a terceirização, apontado por sindicatos, pesquisadores e juristas como uma forma de contratação que precariza as relações de trabalho. O Diário Oficial da União publicou, na segunda-feira (24), o Decreto nº 9.507/2018, que dispõe sobre a contratação de empresas terceiras para execução indireta de “serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”.

O decreto saiu a três meses do fim de um dos mais impopulares governos da história do país. O presidente Michel Temer (MDB) o publicou menos de um mês após o Supremo Tribunal Federal julgar legal a terceirização de todas as áreas de uma empresa. Demonstra, ainda, a evidente intenção do governo de aplicar nos serviços públicos a Lei nº 13.429/2017. Aprovada no ano passado, essa lei permite a terceirização em todas as etapas de produção no trabalho e é alvo de uma campanha nacional por sua revogação. “Embora texto semelhante ao objeto do regulamento já contasse no Decreto 200/67, o atual estabelece algumas diretrizes mais objetivas à possibilidade daquilo que chama de execução indireta dos serviços. Na prática, isso significa a terceirização dos serviços, possíveis, de acordo com o texto, desde a administração direta até empresas públicas, passando por autarquias e fundações”, observa o advogado César Lignelli, do Departamento Jurídico do Sintrajud, o sindicato dos servidores do Judiciário Federal em São Paulo, em análise preliminar do decreto.

A medida foi recebida com duras críticas por dirigentes sindicais de diversas áreas, mesmo daquelas que, ao menos explicitamente, não são atingidas diretamente pelo decreto, caso dos auditores fiscais do trabalho. “Para quem não acreditava que a terceirização irrestrita alcançaria o serviço público de forma avassaladora, a edição do Decreto nº 9.507/2018 jogou por terra todas as dúvidas que pudessem pairar sobre o tema”, disse, em artigo publicado no site da entidade, o presidente do sindicato do setor (Sinait), Carlos Silva. “Resguardando apenas algumas áreas, o decreto permite a contratação de serviços terceirizados em praticamente todos os setores e órgãos”, constata o auditor do trabalho.

Embora a intenção pareça evidente, não consta no decreto nenhum item que diga que a terceirização da atividade-fim das administrações públicas está liberada para todas as áreas. Há ressalvas, mesmo que passíveis de serem removidas, na avaliação do advogado sindical. “O inciso IV do artigo 3º prevê outra exceção para estabelecer que os serviços que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas por plano de cargos de órgão ou entidade não podem ser objeto de execução indireta. Isso pode significar que se um órgão tem seu corpo funcional regido por uma lei que prevê cargos, salários e atribuições correlatas não pode passar tais ‘tarefas’ a um serviço terceirizado”, explica César Lignelli.

O registro dessa impossibilidade no decreto, analisa o advogado, deve-se provavelmente a restrições legais e mesmo constitucionais, além de súmula do Tribunal de Contas da União contrária à contratação de terceiros para realizar funções atribuídas a servidor concursado no plano de cargos e carreiras. “Mas pelo próprio inciso, há duas possibilidades de terceirização, mesmo com a vigência de Plano de Cargos: permissão legal e cargo extinto”, disse.

A terceirização de atividades-fins nos serviços públicos não chega a ser uma novidade. Há alguns anos, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a contratação de organizações sociais privadas para atuar nos serviços públicos – o que já ocorre em órgãos ligados à Cultura, na Saúde e na Educação. Boa parte dos hospitais universitários federais está sob a administração da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), estatal de direito privado criada em 2010, ainda no governo Lula (PT).

Em geral, nenhuma dessas terceirizações implementadas foram tranquilas. Em todas elas houve resistência e mobilização dos trabalhadores. Essa constatação não atenua o fato de que a edição do decreto da terceirização, a esta altura do mandato, expõe o aprofundamento de uma política de terceirizações e privatizações – impulsionada pela aplicação da Emenda Constitucional 95, que congela os orçamentos, de forma a vedar a realização de concursos públicos. Mas talvez sirva para constatar que a luta em defesa de serviços públicos com servidores concursados e estatutários não jogou a toalha. Segue viva e deve prosseguir.

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