Depois de mais de 100 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro protocolados na Câmara dos Deputados, nove partidos de oposição (Cidadania, PCdoB, PDT, PSB, Psol, PT, PV, Rede e UP) decidiram apresentar um “superpedido” englobando todos os anteriores, como forma de pressionar o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a colocar o tema em pauta.
A mobilização envolve ainda entidades de classe, organizações sociais, líderes religiosos e juristas. Entre os parlamentares, há representantes de agremiações de direita que não se posicionaram oficialmente pelo impeachment, como DEM e PSL.
Uma das denúncias que será anexada ao “superpedido” é a que o Sintrajud subscreveu com mais de 400 entidades, há quase um ano, em uma das primeiras proposições para a retirada de Bolsonaro do poder. O Brasil registrava então 310.087 casos de covid-19, com 20.047 óbitos. Nesta terça-feira, 4 de maio, os números chegavam a 14,9 milhões de casos, com mais de 414 mil mortes.
Um mês antes de subscrever o pedido, o Sindicato tinha começado a defender publicamente o afastamento de Bolsonaro. “A sociedade brasileira não pode mais tolerar o avanço sobre os direitos e liberdades democráticas conquistados com muita luta e muito sangue, o aproveitamento de uma pandemia para interesses privados e a política de morte implementada por Bolsonaro”, dizia a nota da direção, publicada no dia 20 de abril de 2020 sob o título “Não é mais possível tolerar o golpista no poder”.
No dia anterior, Bolsonaro havia discursado no ato realizado por seus apoiadores diante de um quartel do Exército em Brasília. Os manifestantes pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF (foto). Na mesma semana, Bolsonaro havia trocado o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich, que ficou 28 dias no cargo e admitiu nesta semana à CPI da Pandemia no Senado que deixou o cargo por não concordar com a orientação presidencial de impulsionar o uso da cloroquina no tratamento da covid.
Passado um ano, o cenário só se agravou, tanto no que se refere ao colapso sanitário quanto no ataque à democracia, deixando cada vez mais escancarada a política genocida do presidente.
Bolsonaro continuou afrontando as instituições políticas do país e, no último sábado, enquanto os trabalhadores celebravam o Primeiro de Maio, convocou novas manifestações golpistas, que ocuparam ruas de várias cidades. Em Brasília, as carreatas foram saudadas pelo presidente com sobrevoos de helicóptero.
Mesmo diante da escalada autoritária e negacionista, a Câmara dos Deputados se manteve indiferente aos apelos por um processo de impeachment, primeiro sob a presidência de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, agora, de Arthur Lira.
Na semana passada, atendendo a uma determinação da ministra do STF Cármen Lúcia, Lira se manifestou acerca da centena de pedidos de impeachment engavetados pela presidência da Câmara e disse que não via fundamentação em nenhum dos que havia analisado.
Suas declarações foram dadas poucos dias depois de Bolsonaro sancionar o Orçamento, que prevê cerca de R$ 34 bilhões para o pagamento de emendas parlamentares, total equivalente ao destinado para o Programa Bolsa Família.
Em discurso há cerca de um mês, Lira mencionou “remédios amargos” que o Parlamento poderia adotar, no que foi interpretado como uma ameaça a Bolsonaro. No último domingo, porém, disse que não se referia ao presidente e reiterou que considera inoportuna a CPI da Pandemia, recém-instalada no Senado.
O fato é que a própria CPI pode contribuir para um processo de impeachment, como apontou a cientista política Beatriz Rey, da American University, em Washington, numa reportagem publicada na semana passada pelo The Washington Post. O jornal estadunidense já publicou editoriais, artigos e reportagens defendendo o afastamento do presidente brasileiro, sinalizando que também cresce a pressão internacional.
“Não vejo esse inquérito como suficiente para um processo de impeachment porque isso dependeria de outros fatores, mas ele aumenta essa possibilidade”, afirmou Beatriz ao jornal.
A julgar pelos processos anteriores (os impedimentos de Collor e Dilma), os “outros fatores” incluem principalmente a mobilização da sociedade, que a pandemia tornou mais difícil no caso de Bolsonaro.
Apesar das dificuldades causadas pelo isolamento social, essa mobilização é a aposta do grupo suprapartidário que articula o “superpedido”. Além de reunir em uma única proposição os mais de 100 pedidos de destituição do presidente da República, o grupo decidiu redigir um manifesto e realizar um ato público. As ações foram definidas em reunião virtual com mais de 150 participantes no dia 23 de abril.
A ideia é convocar o povo a se mobilizar pelo “Fora Bolsonaro” enquanto a CPI da Pandemia expõe cada vez mais as ações e omissões que até agora causaram mais de 414 mil mortes.
Até o vizinho de Bolsonaro pede sua destituição do cargo.
Segundo levantamento da Agência Pública, a Câmara dos Deputados recebeu até o momento 116 pedidos de impeachment de Bolsonaro, assinados por 1.489 pessoas e mais de 500 organizações. Em dois anos e quatro meses de mandato, foram 64 pedidos originais, sete aditamentos e 45 pedidos duplicados. Do total, seis pedidos foram arquivados ou desconsiderados e os outros 110 aguardam análise.
O pedido mais recente foi protocolado em 20 de abril por Marco Alessandro Berquó, estudante de Direito e empresário de Goiânia, que acusa o presidente de má gestão durante a pandemia e quebra de decoro.
O primeiro pedido foi apresentado em 5 de fevereiro de 2019, pouco mais de um mês após a posse de Bolsonaro, por Antonio Jocelio Rocha, que se identificou como “candidato à Presidência sem vínculo partidário”. Ele acusou o presidente e os líderes dos demais poderes de transformarem o Estado “em escravos de dívidas públicas criminosas”. O pedido foi arquivado três semanas depois por problemas na assinatura.
Veja alguns dos outros pedidos:
31/03/2021 – no aniversário do golpe de 64, líderes da oposição e da minoria no Congresso apresentaram pedido de impeachment no qual acusam Bolsonaro de se utilizar das Forças Armadas para “promover seu projeto autoritário de poder”. Um dos motivos foi a demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, que também baseou mais três pedidos.
25/03/2021 – foi protocolado pedido de impeachment assinado por 380 líderes e organizações religiosas evangélicas e católicas, motivado pelo “manejo criminoso das políticas sanitárias durante a pandemia”.
12/08/2020 – no dia em que é lembrada a Revolta dos Búzios, movimento de escravizados na Bahia em 1798, a Coalizão Negra por Direitos – formada por 150 organizações e coletivos – protocolou um pedido de impeachment assinado por mais de 600 entidades e personalidades, entre eles os músicos Emicida e Chico Buarque, o ator Antônio Pitanga e o cineasta Fernando Meirelles. O documento denuncia o genocídio da população negra e as mortes na pandemia.
21/05/2020 – mais de 400 entidades (entre elas o Sintrajud), juristas e personalidades protocolam pedido de impeachment em que apontam “apoio ostensivo e participação direta do Presidente da República em manifestações de índole antidemocrática e afrontosas à Constituição”. O pedido cita a participação de Bolsonaro em atos antidemocráticos nos dias 15 de março, 19 de abril e 3 de maio de 2020.
21/02/2020 – o militar aposentado João Carlos Augusto Melo Moreira, apresentando-se como vizinho de Jair Bolsonaro, protocolou o primeiro de dois pedidos de impeachment, nos quais acusa o presidente de mais de 30 crimes, incluindo o de interferir nas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol).