“Superpedido” de impeachment de Bolsonaro chega após colapso sanitário e escalada golpista


07/05/2021 - helio batista
Partidos de oposição, movimentos e lideranças sociais reúnem os mais de 100 pedidos feitos ao longo de um ano; um dos primeiros foi assinado pelo Sintrajud

Entidades protestam em Brasília após protocolarem um dos primeiros pedidos de impeachment, em 21 de maio de 2020 (Foto: Lula Marques / Fotos Públicas)

 

Depois de mais de 100 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro protocolados na Câmara dos Deputados, nove partidos de oposição (Cidadania, PCdoB, PDT, PSB, Psol, PT, PV, Rede e UP) decidiram apresentar um “superpedido” englobando todos os anteriores, como forma de pressionar o presidente da Casa, Arthur Lira  (PP-AL), a colocar o tema em pauta.

A mobilização envolve ainda entidades de classe, organizações sociais, líderes religiosos e juristas. Entre os parlamentares, há representantes de agremiações de direita que não se posicionaram oficialmente pelo impeachment, como DEM e PSL.

Uma das denúncias que será anexada ao “superpedido” é a que o Sintrajud subscreveu com mais de 400 entidades, há quase um ano, em uma das primeiras proposições para a retirada de Bolsonaro do poder. O Brasil registrava então 310.087 casos de covid-19, com 20.047 óbitos. Nesta terça-feira, 4 de maio, os números chegavam a 14,9 milhões de casos, com mais de 414 mil mortes.

Um mês antes de subscrever o pedido, o Sindicato tinha começado a defender publicamente o afastamento de Bolsonaro. “A sociedade brasileira não pode mais tolerar o avanço sobre os direitos e liberdades democráticas conquistados com muita luta e muito sangue, o aproveitamento de uma pandemia para interesses privados e a política de morte implementada por Bolsonaro”, dizia a nota da direção, publicada no dia 20 de abril de 2020 sob o título “Não é mais possível tolerar o golpista no poder”.

Foto: Reprodução redes sociais

No dia anterior, Bolsonaro havia discursado no ato realizado por seus apoiadores diante de um quartel do Exército em Brasília. Os manifestantes pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF (foto). Na mesma semana, Bolsonaro havia trocado o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich, que ficou 28 dias no cargo e admitiu nesta semana à CPI da Pandemia no Senado que deixou o cargo por não concordar com a orientação presidencial de impulsionar o uso da cloroquina no tratamento da covid.

Manifestações golpistas

Passado um ano, o cenário só se agravou, tanto no que se refere ao colapso sanitário quanto no ataque à democracia, deixando cada vez mais escancarada a política genocida do presidente.

Bolsonaro continuou afrontando as instituições políticas do país e, no último sábado, enquanto os trabalhadores celebravam o Primeiro de Maio, convocou novas manifestações golpistas, que ocuparam ruas de várias cidades. Em Brasília, as carreatas foram saudadas pelo presidente com sobrevoos de helicóptero.

Mesmo diante da escalada autoritária e negacionista, a Câmara dos Deputados se manteve indiferente aos apelos por um processo de impeachment, primeiro sob a presidência de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, agora, de Arthur Lira.

Na semana passada, atendendo a uma determinação da ministra do STF Cármen Lúcia, Lira se manifestou acerca da centena de pedidos de impeachment engavetados pela presidência da Câmara e disse que não via fundamentação em nenhum dos que havia analisado.

Suas declarações foram dadas poucos dias depois de Bolsonaro sancionar o Orçamento, que prevê cerca de R$ 34 bilhões para o pagamento de emendas parlamentares, total equivalente ao destinado para o Programa Bolsa Família.

Em discurso há cerca de um mês, Lira mencionou “remédios amargos” que o Parlamento poderia adotar, no que foi interpretado como uma ameaça a Bolsonaro. No último domingo, porém, disse que não se referia ao presidente e reiterou que considera inoportuna a CPI da Pandemia, recém-instalada no Senado.

Pressão internacional e mobilização da sociedade

O fato é que a própria CPI pode contribuir para um processo de impeachment, como apontou a cientista política Beatriz Rey, da American University, em Washington, numa reportagem publicada na semana passada pelo The Washington Post. O jornal estadunidense já publicou editoriais, artigos e reportagens defendendo o afastamento do presidente brasileiro, sinalizando que também cresce a pressão internacional.

“Não vejo esse inquérito como suficiente para um processo de impeachment porque isso dependeria de outros fatores, mas ele aumenta essa possibilidade”, afirmou Beatriz ao jornal.

A julgar pelos processos anteriores (os impedimentos de Collor e Dilma), os “outros fatores” incluem principalmente a mobilização da sociedade, que a pandemia tornou mais difícil no caso de Bolsonaro.

Apesar das dificuldades causadas pelo isolamento social, essa mobilização é a aposta do grupo suprapartidário que articula o “superpedido”. Além de reunir em uma única proposição os mais de 100 pedidos de destituição do presidente da República, o grupo decidiu redigir um manifesto e realizar um ato público. As ações foram definidas em reunião virtual com mais de 150 participantes no dia 23 de abril.

A ideia é convocar o povo a se mobilizar pelo “Fora Bolsonaro” enquanto a CPI da Pandemia expõe cada vez mais as ações e omissões que até agora causaram mais de 414 mil mortes.

Trabalhadores protestam contra a política de Bolsonaro em manifestação do Primeiro de Maio de 2021 no Viaduto do Chá (Foto: Mídia Ninja).

 

Acusações vão de improbidade a genocídio

Até o vizinho de Bolsonaro pede sua destituição do cargo.

Segundo levantamento da Agência Pública, a Câmara dos Deputados recebeu até o momento 116 pedidos de impeachment de Bolsonaro, assinados por 1.489 pessoas e mais de 500 organizações. Em dois anos e quatro meses de mandato, foram 64 pedidos originais, sete aditamentos e 45 pedidos duplicados. Do total, seis pedidos foram arquivados ou desconsiderados e os outros 110 aguardam análise.

O pedido mais recente foi protocolado em 20 de abril por Marco Alessandro Berquó, estudante de Direito e empresário de Goiânia, que acusa o presidente de má gestão durante a pandemia e quebra de decoro.

O primeiro pedido foi apresentado em 5 de fevereiro de 2019, pouco mais de um mês após a posse de Bolsonaro, por Antonio Jocelio Rocha, que se identificou como “candidato à Presidência sem vínculo partidário”.  Ele acusou o presidente e os líderes dos demais poderes de transformarem o Estado “em escravos de dívidas públicas criminosas”. O pedido foi arquivado três semanas depois por problemas na assinatura.

Veja alguns dos outros pedidos:

31/03/2021 – no aniversário do golpe de 64, líderes da oposição e da minoria no Congresso apresentaram pedido de impeachment no qual acusam Bolsonaro de se utilizar das Forças Armadas para “promover seu projeto autoritário de poder”. Um dos motivos foi a demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, que também baseou mais três pedidos.

25/03/2021 – foi protocolado pedido de impeachment assinado por 380 líderes e organizações religiosas evangélicas e católicas, motivado pelo “manejo criminoso das políticas sanitárias durante a pandemia”.

12/08/2020 – no dia em que é lembrada a Revolta dos Búzios, movimento de escravizados na Bahia em 1798, a Coalizão Negra por Direitos – formada por 150 organizações e coletivos – protocolou um pedido de impeachment assinado por mais de 600 entidades e personalidades, entre eles os músicos Emicida e Chico Buarque, o ator Antônio Pitanga e o cineasta Fernando Meirelles. O documento denuncia o genocídio da população negra e as mortes na pandemia.

21/05/2020 – mais de 400 entidades (entre elas o Sintrajud), juristas e personalidades protocolam pedido de impeachment em que apontam “apoio ostensivo e participação direta do Presidente da República em manifestações de índole antidemocrática e afrontosas à Constituição”. O pedido cita a participação de Bolsonaro em atos antidemocráticos nos dias 15 de março, 19 de abril e 3 de maio de 2020.

21/02/2020 – o militar aposentado João Carlos Augusto Melo Moreira, apresentando-se como vizinho de Jair Bolsonaro, protocolou o primeiro de dois pedidos de impeachment, nos quais acusa o presidente de mais de 30 crimes, incluindo o de interferir nas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol).

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